Em entrevista exclusiva, Ronaldo Fraga diz que 'moda é veículo para democracia plena'

Flávia Ivo
fivo@hojeemdia.com.br
19/10/2018 às 22:20.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:20
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Aos quase 51 anos (que serão completados no sábado), Ronaldo Fraga é um dos estilistas mais respeitados do Brasil. Na moda desde 1984, o mineiro parece estar um ou mais passos à frente da indústria fashion, sempre construindo vanguardas. Talvez a mais significativa delas seja a inclusão de muitos públicos invisíveis a esse mercado na passarela e nas criações. “Antes de ser moda, eu já fazia isso. Pode sair da moda, que pra mim não sai da moda”, diz ele sobre a democratização da roupa, em voga nos dias de hoje.

Nome e sobrenome do artista batizam a grife, existente há 22 anos e que vai muito além de tecidos e moldes. Agora, a marca dá peso ao maior salão de negócios do Brasil, o Minas Trend. Ronaldo assumiu, em meados de agosto, a direção criativa do evento.

Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, concedida no charmoso Grande Hotel Ronaldo Fraga, no bairro Funcionários, o estilista contou novidades sobre a semana de moda mineira promovida pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), que acontece de 29 de outubro a 1º de novembro, e falou muito sobre o futuro.

Sua história com o Minas Trend não começou agora. Como foi o início dessa relação com o evento?

Antes de contar essa história, acho importante entender o que era o evento antes da minha entrada. Quando pensaram em fazer um salão de negócios de moda, há 11 anos, ainda lá no Alphaville Lagoa dos Ingleses, em Nova Lima, era longe, difícil. Se chovia, era barro, se sol, era muito quente. As pessoas diziam que não iria pegar, que a vitrine de vendas tinha que ser São Paulo. O mundo inteiro falava isso. Foi um trabalho de insistência de muitos e de persistência da própria Fiemg para que acontecesse. Alguns anos depois, umas quatro ou seis edições após a estreia, eles estavam trocando quem produzia o Minas Trend, uma empresa do Rio de Janeiro. Eles me convidaram e achavam que o evento não tinha a cara de Minas, que precisava ter o sotaque mineiro. Também, o presidente da Federação das Indústrias da época achou que era importante que a Fiemg aparecesse mais, recebesse a imprensa nacional e as marcas, e daí surgiu a festa de abertura. Quando me chamaram, queriam que eu pegasse o evento inteiro e eu falei assim: “não entendo disso, trabalho com direção criativa”. Eles responderam que eu poderia sugerir o tema e pensar a história da festa. Foi a primeira vez que esta aconteceu no Expominas, mas o salão de negócios continuava a ser no Alphaville. E aí, falamos: “gente, temos que trazer pra cá (Expominas) esse evento”. Porque não justificava mais um salão de moda que só vendesse roupa. Um salão de moda, no mundo contemporâneo, tem que vender a cidade inteira, serviços, rede hoteleira, turismo. Uma coisa acaba fortalecendo a outra. Insisti muito nisso, desde o início. Duas edições depois, passou a acontecer no Expominas. Cheguei a fazer umas quatro edições lá e outras pelas quais eu batalhei muito. Foi assim no Museu de Artes e Ofícios, na Serraria Souza Pinto...Flávio Tavares / N/A

E nessa festa também acontece um desfile...

Sim, e esse formato do desfile de abertura sempre gerou muita polêmica entre as marcas. A ideia era que aquele desfile mostrasse a produção da cadeia de moda de Minas naquele momento. Que as pessoas pudessem sentir a pujança, já que muita gente não conhecia as marcas ou aquilo que faziam. Era a festa da Federação das Indústrias, eles apresentavam o “cartão dourado” da moda de Minas. O styling era misturado, com peças de várias marcas, a calça de um com a blusa do outro. Desde aquela época, eu falava muito da importância do exercício da coletividade. Se hoje isso ainda é difícil, imagine como era isso. Eles aceitaram nem sei como, porque a turma da moda não é muito ligada ao coletivo (risos). Era uma coisa meio complicada. Mas, no fim, deu certo. Eu me lembro que era uma ‘operação de guerra’: fotografava, gravava em um pen drive, antes do desfile e até da festa acabarem, os jornalistas já estavam com as imagens nas mãos. Os de fora chegavam ao hotel com as fotos já com as legendas do que era, de quem era, para que pudessem descobrir as marcas no salão de negócios no dia seguinte. Foi importante, foi. Só que hoje, tempos depois, não justifica mais fazer nesse formato. Aquilo que a gente fazia virou algo requentado, continuou sendo feito sem alteração. Acho que agora a moda está passando por um outro momento, o evento, também. Esta é a hora de fazer a coisa de um outro jeito.Flávio Tavares

E, neste novo momento, qual é a proposta trazida pela Fiemg para você?

Quando veio o convite da Fiemg, eu disse que estava cheio de outros projetos e, então, chamaram para uma reunião presencial. E eu tenho um ponto fraco, que as pessoas já sabem, é quando se fala em pensar o seu tempo e o coletivo. Tá, muito foi construído, mas, se não houver envolvimento dos profissionais, de pessoas que têm um nome, um corpo, para que esse evento aconteça, a gente não sabe se o Minas Trend vai chegar a mais 20 edições, por exemplo. Tudo que passa pela economia, pelo país, por tudo isso daí. Aí, eu topei, mas eu não queria que fosse algo só fechado à festa de abertura, como na minha passagem anterior pelo evento, queria algo mais amplo. Antes, o que era criado na abertura não estabelecia um diálogo com o restante. Eu perguntei a eles: “Vocês sabem com quem estão mexendo?”. Eles responderam: “Sabemos”. Então, já sabem que eu tenho essa coisa, e é uma marca minha andar em campo minado, onde tudo pode dar errado. Aí, se dá certo, é tudo maravilhoso.

E o que o público pode esperar para a 23ª edição do Minas Trend?

Olha, tem muitas novidades. Mas eu acho que a maior novidade, que começa já na festa, é justamente que, até aqui, entregamos o “cartão dourado” da moda de Minas, colocando as marcas famosas para desfilar. Agora, não. Serão novos estilistas. Quem, na verdade, vai fazer a moda do amanhã. Nunca se lançou luz sobre o novo. Os novos designers sempre ficaram no final da feira. Agora, eles ficarão em um espaço nobre do salão de negócios. Serão peças deles no desfile de abertura, não vão ser misturadas. O desfile será feito por grupos, para que as pessoas possam ver a identidade marcante de cada um. Inclusive, eu não gosto de usar esse nome “novos”. O que é o novo? O Brasil nega o novo o tempo inteiro! É como se, com dois anos de mercado, já fosse velho. Somos todos novos, o Brasil é um país muito novo em muitos aspectos. No desfile de abertura, serão os autorais, quem tem assinatura. Onde você não vê perfume de cópia, não vê o xerox da cópia. São marcas que arriscam, apostam e experimentam. Então, elas têm que ter um privilégio. 

Nunca se lançou luz sobre o novo. Os novos designers sempre ficaram no final da feira. Agora, eles ficarão em um espaço nobre do salão de negócios

Para o salão de negócios, quais são as mudanças?

Nós temos mudanças para as próximas três edições e, infelizmente, não deu para mudar tudo agora. Existe um projeto e nós já estamos discutindo a edição de abril e como vai ser feito isso –não posso falar muito senão você estraga a surpresa (risos). Sempre houve uma separação entre o desfile e o salão de negócios. Então, todo mundo queria ir para o desfile e ignorava o salão de negócios. Isso gerava, inclusive, um problema. Eles falavam que o comprador ia e não voltava. Já organizamos isso. Nesta edição, os desfiles acontecerão à noite e não mais durante o dia. Outra coisa é a necessidade de um conceito que aproximasse o local de desfile do salão de negócios. Que eles falem uma linguagem só. A gente já começa a fazer nesta edição, mas acho que isso vai tomar corpo na edição de abril. 

E, para o público geral, que não é da moda, mas gosta e consome moda?

O foyer do Expominas muda também de cara. Ele vai ter um espaço ligado à gastronomia e as pessoas da cidade poderão ir. Para um final de tarde, tomar um drink, comer, passear e tal, mas não terão acesso, ainda, ao salão de negócios. Flávio Tavares

As marcas que expõem no Minas Trend aceitaram essa nova proposta?

Tem uma ou outra resistência, mas há muita expectativa e confiança, o que me deixa extremamente agradecido. Obviamente, temos os segredos que serão revelados no dia da abertura, mas as pessoas estão confiando. Estou trabalhando para que a gente faça jus a isso.

Recentemente, você promoveu aqui no Grande Hotel um evento de apresentação do Minas Trend para influenciadores digitais. Qual a importância desses agentes de comunicação no contexto atual do evento?

Eu, Ronaldo, gosto do jornal, do texto do jornalismo tradicional. Às vezes, o pessoal fala: “Ah, esse texto tá longo demais”. Eu até entendo, é um tempo muito rápido, você tem que falar com uma frase, uma imagem. Mas, nesse cenário, quem escreve bem, com bons textos, apareceu, foi lançada luz sobre eles. Partiu do presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, essa ideia de reunir os influenciadores digitais, que são aquelas pessoas que imediatamente estão no Instagram postando uma imagem, uma frase, ou somente vão indicar o evento. E que olhar é esse? É uma forma de trazer essas pessoas que também fazem o evento, que não é feito só pelas marcas. O evento é feito por toda uma cadeia, que envolve jornalistas, pensadores, compradores, enfim, todo o serviço de sustentação do próprio Expominas. O que vai fazer com que esse evento continue contando essa história, que é uma história linda, é que ele fale de inclusão, que valorize os profissionais que fazem a moda brasileira. 

Em relação à inclusão, a gente pode esperar modelos que não sejam do padrão?

Onde quer que eu esteja, você vai ver isso sempre. Antes de ser moda, eu já fazia isso. Pode sair da moda, que pra mim não sai da moda. Eu não posso nem falar sobre isso que eu choro. A gente precisa cumprir esse dever que a gente ainda não conseguiu no Brasil, que é de dar visibilidade, tirar grupos desse lugar dos invisíveis. A moda é um veículo importantíssimo para uma democracia plena. A gente só estará vivendo isso quando conseguirmos incluir.

A abertura do Minas Trend será promovida no dia do segundo turno das eleições. Pode-se ter alguma repercussão ou mesmo algum prejuízo?

Prejudicar eu não sei, não diria, mas sim que teremos um motivo para fazer festa. Ganhe um ou ganhe outro, um porque é o meu candidato, o caminho que eu quero para o Brasil, ou porque é o seu, com o caminho que você quer. Mas, de qualquer forma, nós temos que superar qualquer crise que venha. Uma indústria tão importante quanto a da moda, traz todos os sintomas e os registros de uma época. Então, vamos ter que superar as crises econômica, ética, moral e de identidade pelas quais o país está passando. Teremos um leque de crises para poder escolher. E o meu desafio foi realmente pensar em uma noite de abertura em que, ganhe um ou o outro, as pessoas olhem para um futuro. 

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