Embate entre PBH e Ibama perpetua descontrole sobre capivaras na Pampulha

Ricardo Rodrigues - Hoje em Dia
04/11/2015 às 06:43.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:19
 (Carlos Henrique)

(Carlos Henrique)

Enquanto às margens da Lagoa da Pampulha um grupo de capivaras cuida de vários filhotes, num sinal claro da recuperação populacional dos animais, outros, removidos há um ano do mesmo lugar, definham num recinto no zoológico. Esse é o resultado da indefinição entre Prefeitura de Belo Horizonte e Ibama com relação ao futuro dos roedores.

Tanto o município quanto o órgão ambiental apelaram à Justiça para saber de quem é a responsabilidade pela elaboração de um plano de manejo. A partir desse documento, será possível, por exemplo, estipular um número limite de capivaras na lagoa e formas de esterilização.

Com o argumento de risco de transmissão de febre maculosa, 52 animais, de 170 estimados, foram levados para a Fundação Zoo-Botânica (FZB) há um ano, a um custo de R$ 182 mil. Restam apenas 19 vivos. “Os outros morreram por estresse, alimentação deficiente e falta de água para o controle térmico corporal”, afirma o médico veterinário Leonardo Maciel, presidente da Associação Bichos Gerais.

Apesar da alta mortandade, a FZB rebate e garante que os roedores recebem alimentação balanceada e cuidados veterinários. A instituição reconhece, porém, que os animais não se adaptaram ao cativeiro prolongado.

Até o Ministério Público abriu investigação para apurar a alta mortandade, após denúncia do Movimento Mineiro pelos Direitos dos Animais. A Justiça, então, determinou a soltura das capivaras e fixou prazo de 60 dias para a prefeitura elaborar e implantar o plano de manejo, com prévia aprovação do Ibama.

Burocracia

A judicialização deu fôlego à omissão de parte a parte. Recurso da prefeitura garantiu a liminar que mantém as capivaras em isolamento. “Estamos aguardando a definição jurídica”, resume a FZB. “Esses animais foram sentenciadas à morte”, dizem estudiosos da fauna silvestre.

O Ibama, órgão fiscalizador, informa estar de mãos atadas. “Os últimos relatórios da prefeitura sobre a situação dos animais foi repassado há 30 dias. Os laudos de necropsia estão em análise. Estamos impedidos, por decisão judicial, de notificar a prefeitura ou tomar qualquer iniciativa”, destaca o responsável pelo Núcleo de Fauna Silvestre, Júnio Augusto Santos Silva.

Assim, adia-se há oito meses “a tarefa urgente, cabível aos dois órgãos”, na visão do Ministério Público. De acordo com o MP, é preciso implementar a esterilização para garantir o controle populacional, a saúde pública, a proteção do patrimônio cultural – uma vez que as capivaras pastam nos jardins de Burle Marx –, a segurança no trânsito e a preservação da fauna.

O Hoje em Dia tentou visitar o cativeiro das capivaras, mas teve o acesso negado pela FZB. Em um breve passeio pela orla, a reportagem contou uma dúzia de animais soltos.

Em defesa do Ibama, Advocacia Geral da União cobra plano de manejo da prefeitura

Em recurso ao processo na 20ª Vara Federal em que o Ibama é réu, a Advocacia Geral da União (AGU) destaca que o órgão ambiental demandou à prefeitura o plano de manejo das capivaras no contexto do reservatório da Pampulha, por se tratar de situação muito complexa. Cita que já tinha demandas desde o início dos anos 2000 para que o município elaborasse os planos de manejo da fauna silvestre, em função das obras de desassoreamento e dragagem na lagoa.

Na Justiça, a PBH exige que o Ibama receba os animais capturados e faça o plano de manejo. “A situação não mudou um milímetro. Não cabe ao Ibama fazer o plano, como a prefeitura quer. A responsabilidade do Ibama é de aprovar as propostas de manejo elaboradas pelo município, após avaliação criteriosa, mas nada foi apresentado”, reitera o analista ambiental Júnio Augusto.

O técnico do Ibama insiste que a elaboração do plano é de responsabilidade da PBH. “Cabe ao empreendedor responsável todos os procedimentos visando controlar a população de capivaras e estabelecer o monitoramento contínuo no reservatório, para reduzir o número de roedores na orla a um nível aceitável”.

Silêncio

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) não comentou a ação judicial nem a alta taxa de mortalidade entre os animais em confinamento. “A SMMA não se manifestará mais sobre as capivaras em vida livre, uma vez que, por serem animais silvestres, a responsabilidade é do Ibama. Em caso de suspeita de crime, a competência recai sobre a Polícia Ambiental”, disse, em nota, a assessoria de imprensa do órgão.

Quanto aos animais capturados pela PBH, informou, “as demandas deverão ser encaminhadas à Secretaria de Saúde (SMSA)”.

“Favor procurar a Fundação Zoo-Botânica (FZB), pois as capivaras estão sendo cuidadas por veterinários da instituição”, devolveu a gerência de comunicação da SMMA. Na prefeitura, o “jogo de empurra” levou outros órgãos ligados ao tema a preferir o silêncio.

A decisão de esterilizar os animais na Escola de Medicina Veterinária da UFMG, alardeada pela prefeitura oito meses atrás, não vingou, como esclarece a FZB. “Se houver a definição dessa medida, a esterilização será feita por empresa a ser contratada”.

A UFMG poderá dar apoio técnico e consultoria à PBH. A estratégia será escolhida “após a definição do ponto de vista jurídico”.

Captura contraria opinião de especialistas, atribuem decisão a ‘critério político’

A necessidade de controle das capivaras ganhou força diante do alerta sobre risco de contágio por febre maculosa, que levou a PBH a capturar os animais. A medida contrariou a opinião de especialistas e estudos apontando que a retirada dos animais da lagoa não garante a segurança da saúde pública.

Técnicos defendem o “manejo populacional ético”, ou seja, fazer o controle dos animais por meio de procedimentos cirúrgicos, sem retirá-los do ambiente. “A decisão de retirar as capivaras da orla foi tomada sem embasamento científico. A prefeitura criminalizou esses animais diante da população. O critério foi simplesmente político, pois são vistas como ameaça à obtenção do título de Patrimônio Cultural da Humanidade ao Conjunto Arquitetônico da Pampulha”, acusa o médico veterinário Leonardo Maciel, que participou das reuniões de técnicos no MP em busca de solução conjunta para a questão.

“Reunimos alguns dos maiores nomes do país no controle da febre maculosa e no manejo desses roedores para ajudar na solução do problema – mais de 20 profissionais, entre pesquisadores, professores, biólogos, zootecnistas e veterinários. Por unanimidade, eles concordaram que a medida não iria contribuir com a saúde pública, mas nenhum de nós foi ouvido pela prefeitura”, conta Maciel.

Porém, em fevereiro, um jovem de 20 anos morreu vítima de febre maculosa em Belo Horizonte. Familiares do rapaz disseram que ele foi contaminado após fazer um passeio pela orla da lagoa da Pampulha.

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