Empresário tem gravação que prova que Mânica ordenou Chacina de Unaí

Carlos Calaes - Hoje em Dia
28/08/2013 às 21:19.
Atualizado em 20/11/2021 às 21:25

O fazendeiro Norberto Mânica, o “Rei do Feijão”, foi o mandante da execução dos três fiscais e do motorista do Ministério do Trabalho, em janeiro de 2004, em Unaí, no Noroeste de Minas. O crime, conhecido como Chacina de Unaí, foi acertado em R$ 500 mil. As revelações foram feitas nesta quarta-feira (28), durante julgamento em BH, pelo cerealista Hugo Alves Pimenta.

Conforme antecipado, com exclusividade, pelo Hoje em Dia na edição desta quarta-feira, o empresário entregaria todo o esquema em troca de redução na pena, caso seja condenado por participação no crime. Ele será julgado em setembro.

Pimenta, juntamente com os irmãos Norberto e Antério Mânica são apontados como mandante da chacina, que vitimou os auditores fiscais Nélson José Silva, João Batista Soares Lage, Erastótenes de Almeida Gonçalves e o motorista Aílton Pereira de Oliveira. Eles foram executados quando fiscalizavam produtores rurais no Noroeste de Minas suspeitos de manter trabalho escravo em suas propriedades.

No banco dos réus estão William Miranda, que confessou ter sido contratado para dirigir o carro que transportou os pistoleiros ao local do crime; Erinaldo Silva, que teria matado três das quatro vítimas; e Rogério Rios, apontado como assassino do quarto trabalhador.

Segundo o depoimento do empresário, Norberto Mânica mandou José Alberto de Castro, o "Zezinho", dizer por telefone para Francisco Pinheiro, o “Chico Pinheiro” para “torar o Nelson e todo mundo”. Além disso, o fazendeiro teria oferecido R$ 500 mil para Rogério Alan e Erinaldo assumirem a execução como “latrocínio” (roubo seguido de morte). Estas revelações bombásticas do cerealista Hugo Alves Pimenta aconteceram durante o julgamento dos acusados e podem solucionar o crime.

Hugo prestou depoimento na condição de informante, num acordo com o Ministério Público federal para delação premiada. Ao ser questionado pelo procurador Vladimir Aras, Hugo admitiu que fez acordo de livre e espontânea vontade, tendo assinado um documento.

Logo no início, ele se emocionou e começou a chorar. “Eu fiz um compromisso comigo mesmo de não carregar esta história, de contar esta história e estou aqui para isso”, disse, tentando se recompor. Quero contar porque fui para a cadeia. Vou contar sobre 27 de janeiro de 2004".

E continuou: "Por volta das 13 horas, fui para minha empresa, como fazia todos os dias. Chegando lá estava o carro do Norberto Mânica em frente à Huma Cereais. Lá, o Norberto estava conversando com o Zé Alberto – ("Zezinho"), que estava no telefone falando exatamente com o Chico Pinheiro. Ele que contratou o Rogério Alan, Erinaldo e William. Norberto ofereceu uma quantia. O Norberto disse: “Fala com o Chico (Pinheiro) para torar todo mundo".  O procurador quis saber o que era “torar todo mundo”. “Matar todo mundo, excelência”, disse.

Segundo Hugo Pimenta, quando o Norberto mandou executar, ele achou que isso não ia acontecer. “Norberto, se isso acontece, será muito grave, vai parar na mão do Lula (então presidente). Ele disse: “Que nada, eu vendo uma fazenda, que não me faz falta”. O procurador Aras questionou se era declaração do Norberto Mânica. Sim excelência, resumiu.

O procurador questionou se os executores sabiam o motivo porque os fiscais foram mortos, mas Hugo disse que eles “não tinham a especificação, mas sabiam que eram fiscais”. Vladimir Aras perguntou porque Norberto Mânica “queria torar Nelson e os outros fiscais. Hugo disse que o fazendeiro tinha todas as condições do mundo para resolver isso, mas decidiu resolver por esse lado (executando).

Aras questionou se Norberto tinha como desafeto com o Nelson por fiscalização de suas fazendas, mas Hugo disse que não sabia se o fiscal do trabalho achou irregularidades. “Eu não tomaria essa atitude. Ele decidiu e fez. Pelo tanto de dinheiro que ele tinha, acreditou que ficaria impune.

Hugo continuo dizendo que todos foram para a Penitenciária Nelson Hungria (Contagem). “Eu, Rogério Alan, William, Chico Pinheiro, Erinaldo e Humberto. Nesses dias, o Norberto tinha sido preso. Hugo continua dizendo que pelo que entendeu, achou que tudo já estava esclarecido.

Depois, fez outra declaração surpreendente. “Na Nelson Hungria, ficamos em pavilhões diferentes. Depois fomos para o mesmo pavilhão. Lá, o Norberto, que sempre colocou dinheiro em primeiro plano, começou a arquitetar um plano para ficar impune. Eu presenciei. Fiquei com eles cinco meses presos. Ele conversou com o Erinaldo e sugeriu que ele assumisse o crime como latrocínio (roubo seguido de morte) em troca de dinheiro. Ele ofereceu 300 mil isso dentro da prisão e 200 mil para o Rogério Alan (além do que já tinha sido pago pela chacina).

Pimenta garantiu ao procurador que presenciou essa negociação. “Quando eu fui preso de novo, fiquei mais de um ano . Eu sai e fiz uma promessa de cobrar a dívida para o Erinaldo e o Rogério. Fiz compromisso com os dois para cobrar a dívida do Norberto”. Segundo Hugo, assim foi feito, foi ouvido todo mundo, “O Erinaldo assumiu que foi latrocínio, mas nunca recebeu o combinado.”

O empresário também se referiu a Mauro de Jesus que era para substituir o Rogério Lana na cena do crime na história do latrocínio inventada. “Optei por falar a verdade, porque não aguentava mais. Não sei o que vai acontecer comigo depois”, disse, sem esconder sua apreensão de estar entregando o “Rei do Feijão”.

Acordo não cumprido

Hugo continua: “Então é isso excelência, ele fez o acordo e não pagou. Eu estava indignado com o Norberto e fiz uma gravação que já entreguei para o Ministério Público. Minha intenção era que Norberto assumisse o mando e cobrar o que ele havia prometido ao pessoal. Eu fiquei muito indignado com as atitudes do Norberto. Eu cheguei e falei: (tá gravado). Tô aqui e não sei se eu vou voltar para a Nelson Hungria. O pessoal quer receber e você não pagou. Você sabe a situação que eu estou por causa disso. Minha defesa é eu abrir a boca e é por isso que estou fazendo isso”. justificou.

Nesse ponto, advogados e defensores públicos tiveram autorização da juíza Raquel Vasconcelos a para fazer perguntas, mas, orientado pelo advogado Lúcio Adolfo, Hugo disse que não iria responder nenhuma delas.

Logo depois, a procuradora Miriam Lima questionou a Hugo se, depois da Chacina de Unaí, Norberto Mânica chegou a procurar o Erinaldo para executar outras pessoas. Hugo afirmou que sim. “Ele procurou o Erinaldo para matar outra pessoa, que estava devendo a ele num negócio da venda de uma fazenda no Paraná. O Norberto foi até Formosa (GO) procurar o Erinaldo, que disse estar arrependido por causa do crime em Unaí e se recusou.

Questionado se o Antério Mânica lhe pediu para assumir o mando do crime, Hugo foi lacônico: Não quero falar hoje sobre o Antério Mânica. Ele sugeriu que esta questão deverá ser abordada no seu julgamento, previsto para acontecer em 17 de setembro, juntamente com Norberto Mânica e Humberto.

Questionado pelo procurador Aras qual seria o objetivo de acabar com a vida do Nelson, Hugo repetiu a mesma resposta. “A gente vê caso de pessoas que não sabem lidar com o dinheiro, acham que o dinheiro está acima de tudo.  Acho que por ter dinheiro, o Norberto achou que poderia comprar tudo, que as etapas que viriam teriam preço. Foi o que ele tentou fazer com o Erinaldo e William. Não tenho conhecimento de outras promessas de pagamentos".

Percebendo que Hugo demonstrava certa preocupação com suas revelações bombásticas, o procurador perguntou se ele tinha medo de Antério Mânica. "Eu tenho receio, sou pai de família, tenho quatro filhos, um com três anos. Agora, 99% da minha atividade está em Mato Grosso. Perdi minha base em Unaí. Não vou sair da cidade enquanto não resolver isso aqui.  Não vou mais em festas, bailes, que eu gostava demais. Sou muito religioso”, disse.

Defesa não acredita em gravação

O advogado Alaor de Almeida Castro, que representa Norberto Mânica, estava presente durante o depoimento de Hugo. Ele disse que tem reservas quanto à delação premiada. “O Hugo não apresentou novidades, apenas usou informações do processo em benefício próprio”.

Questionado pelo Hoje em Dia se nesse caso, ele admitia a culpa de mando de seu cliente e também as acusações de pagar o Rogério e Erinaldo para assumirem latrocínio, ele disse que não. Sobre a gravação em que Hugo garante ter a suposta confissão de Norberto Mânica, Castro foi enfático. “Já peticionei várias vezes para ter acesso a essa gravação, e não consegui. Escreva aí: duvido que essa gravação exista”, disse.

A procuradora da República Mirian Lima enfatizou a importância da delação premiada de Hugo Pimenta e garantiu que a gravação existe. “Será uma prova robusta para condenar o Norbero Mânica. Quanto à existência da gravação, a defesa não tentou nenhum recurso para tentar sua impugnação”.

O advogado Marcelo Leonardo, que representa Antério Mânica, disse que, se houver justiça, seu cliente não será julgado. “Ele não foi nem citado”. Questionado se, no dia 28 de janeiro de 2004, Antério teria ligado para a Delegacia de Trabalho de Unaí para perguntar se os fiscais haviam sido mortos, ele disse que seu cliente ligou do próprio telefone, se identificando. “Ele era candidato a prefeito e precisava saber tudo osbre a cidade”, disse.

Outros depoimentos

Quatro testemunhas de defesa de Rogério Alan também depuseram na tarde desta quarta-feira. Inicialmente, o empresário Paulo Rodolfo Rios, irmão do réu, declarou que no dia 28 de janeiro - dia do crime - seu irmão estava em Salvador. "Assim como você está me vendo aqui, posso garantir. Meu irmão não cometeu este crime. Está preso injustamente por mais de nove anos por um crime que não cometeu". Ele depôs na condição de informante e não pôde ser inquirido pelos advogados.

Logo depois foi a vez de Rosedalva Gonçalves, ex-namorada de Rogério Alan. Num depoimento inseguro, ela garantiu que Rogério esteve num churrasco realizado numa segunda-feira para comemorar o 50º aniversário do seu pai. Curiosamente, apesar de se tratar de uma data significativa, não foram apresentados fotografias ou vídeos que comprovariam a presença de Rogério na comemoração. "Não gostamos muito de fotografia", justificou.

Posteriormente, depuseram o porteiro Jorge das Neves, onde Rogério teria trabalhado e Ademir de Souza, amigo do réu. Ambos disseram que ele estava em Salvador no dia do crime. Todas essas testemunhas vieram de Salvador (BA) para depor no julgamento. O julgamento está previsto para encerrar às 23h30 e ser retomado nesta quinta-feira.

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