Equipe do Zoo de BH faz trabalho de 'cupido' para unir araras de espécie ameaçada

José Vítor Camilo
18/11/2019 às 17:31.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:43
A Arara-Azul-de-Lear é um dos tipos de aves que correm grave risco de extinção (Suziane Fonseca/FPMZB)

A Arara-Azul-de-Lear é um dos tipos de aves que correm grave risco de extinção (Suziane Fonseca/FPMZB)

Na natureza, a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), uma das aves mais raras do mundo - e típica da região do Raso da Catarina, na Bahia -, costuma passar a vida inteira se relacionando com um único parceiro. Até mesmo por isso - além do tráfico de animais, é claro -, a espécie está seriamente ameaçada de extinção, com apenas cerca de mil animais vivendo livremente. Para tentar reverter este quadro, uma equipe do Jardim Zoológico de Belo Horizonte vem atuando como "cupido" da espécie, aplicando diversas técnicas para tentar formar um novo casal com dois dos seis animais desta espécie existentes no local: o Rafael e a Severina. 

De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a tentativa de "casar" os animais faz parte dos planos de conservação da ararinha, que envolvem instituições nacionais e internacionais, para tentar reproduzir a espécie rara e garantir sua sobrevivência, inclusive na natureza, por meio de possíveis futuras tentativas de reintrodução nos ambientes naturais.​Suziane Fonseca/FPMZB / N/A
Tanto Rafael quanto Severina tiveram as asas amputadas pelo tráfico de animais silvestres

As semelhanças entre Rafael e Severina começam pela forma como acabaram vindo parar no Zoológico de BH. Ambos viviam na natureza, mas, em função do tráfico de animais silvestres, acabaram tendo as asas amputadas. Resgatados pelos órgãos ambientais com a saúde delicada, eles foram encaminhados pelo Plano de Ação Nacional da Arara-azul-de-lear para diferentes zoológicos do Brasil para se reabilitarem. 

Por não conseguirem mais voar, eles não poderiam retornar para a natureza e, por isso, acabaram encaminhados ao Zoológico da capital mineira em momentos distintos. Das seis aves da espécie (três machos e três fêmeas) vivendo no local, metade possui deficiência física decorrente do comércio ilegal de animais silvestres. 

Desafio 

A tendência à monogamia das araras-azuis-de-lear - que passam a vida inteira com um parceiro fixo - é um dos entraves à reprodução em cativeiro. Gerente da Seção de Aves do Zoo de BH, a bióloga Márcia Procópio explica que "essas aves estabelecem uma relação duradoura que pode ser comparada ao nosso amor romântico. Caso um dos dois venha a morrer, o parceiro pode não se acasalar mais com outros indivíduos, trazendo um desafio a mais para a reprodução da espécie, além dos cuidados e planejamentos que o manejo correto da espécie já requer".

Mestranda em comportamento animal e estagiária da Seção de Aves da instituição, Melissa Bravo explica que, para aumentar as chances de sucesso na aproximação das aves, foi necessário realizar uma preparação adequada do recinto. "Foram inseridos troncos de árvores em vários espaços do recinto para que os animais tenham uma chance de um deslocamento mais autônomo e contínuo. E, como eles não voam, foi preciso interligar tanto a parte do fundo, quanto a parte da frente do recinto dando acesso aos bebedouros, comedouros e outros locais", explica. 

A alimentação disponibilizada ao "casal" também visa a aproximação deles. O objetivo é gerar estímulos olfativos, táteis e de paladar que façam as araras ficarem mais ativas no recinto. "Em geral, Rafael e Severina têm recebido alimentos como milho, nozes, castanhas, pau-de-canela, galhos diversos de árvores frutíferas ou de bambu (floresta). Tudo com o intuito de proporcionar mais bem-estar e qualidade de vida para os animais, aspectos muito importantes também para favorecer a aproximação entre eles", esclarece Melissa.

Durante a primeira semana de aproximação da dupla, foi necessária observação contínua, já que havia possibilidade de brigas. Porém, nas semanas seguintes eles demonstraram boa interação, o que traz boas expectativas para a equipe. Apesar disso, o novo par segue sendo monitorado, inclusive por câmeras internas de vídeo, que permitem que os técnicos acompanhem suas reações, mantendo distância para evitar situações que poderiam causar estresse aos animais.

Passado um mês de convivência, vários avanços foram observados. Eles já não ficam receosos com a presença um do outro e manifestam comportamentos mais próprios da espécie, como vocalização, atividade "agressiva positiva" (própria do animal silvestre) e deslocamento pelo recinto interagindo um pouco mais entre si. Como a época de acasalamento ainda não começou, Rafael e Severina ainda terão mais algum tempo para se "conhecerem" melhor e, talvez, iniciarem uma nova história de amor que poderá durar por toda a vida. 

Casal não seria o primeiro do Zoo de BH 

A tentativa de criar um romance entre Rafael e Severina não é a primeira entre araras-azuis-de-lear a ser promovido pelo Zoológico da capital mineira. Vive no local um casal que tem uma verdadeira história de amor e fidelidade que ultrapassa o tempo e a distância. Elisa e Franklin, também originários da natureza, viviam em uma fundação na Espanha, onde estavam pareados. Porém, em 1998, o macho acabou transferido para o Jardim Zoológico de São Paulo e, dois anos depois, ela foi trazida para BH. 

Depois de mais de 17 anos distantes um do outro, em 2015, eles participaram de uma tentativa de aproximação no zoológico paulista, onde se reconheceram e passaram a  viver juntos novamente. De volta para BH, os dois seguem sem sair um do lado do outro. "Mesmo após decorridos vários anos, essas aves se escolheram de novo, em meio a mais de 50 indivíduos diferentes de arara-azul-de-lear com os quais conviveram em diferentes instituições", conclui Márcia Procópio, gerente da Seção de Aves do Zoo de BH.

Confira outras imagens das araras-azuis-de-lear: 

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