Especialista detalha danos psicológicos que familiares das vítimas de Brumadinho podem desenvolver

Juliana Baeta
01/02/2019 às 17:20.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:21
 (Flávio Tavares )

(Flávio Tavares )

Perder o gosto pela vida, ter receio de se relacionar com as pessoas, adotar uma visão mais negativa sobre as coisas. Estes são alguns dos sintomas que as pessoas que perderam seus familiares com o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, podem apresentar passado o choque inicial. 

O psicólogo Marcelo Drummond, membro do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, explica que as pessoas afetadas devem ficar "mais amargas", assim como a lama que envenenou o rio Paraopeba. "Elas vão ter uma sensação maior de insegurança, podem ficar mais amargas, ter dificuldade para se relacionar afetiva e socialmente", conta. 

Dentre as manifestações psicológicas iniciais, também estão algumas reações psicossomáticos como insônia, dor de cabeça, diarreia, vômitos, gastrites, taquicardia, crises de pânico e de ansiedade. "Estes sinais devem estar acontecendo agora, mas nestas circunstâncias são consideradas reações normais. O que não é a normal é a situação que elas viveram", relata.   

Já o estresse pós-traumático, segundo ele, se caracteriza fundamentalmente por uma vivência posterior destes primeiros momentos que marcaram muito a pessoa, por exemplo, o exato momento em que ela recebeu a notícia da morte de um parente. "Então, passado algum tempo, até meses ou anos, a pessoa vai voltar a reviver este momento, estando ela dormindo ou mesmo acordada", detalha.   

Segundo ele, a revivência do momento traumático se dá de forma muito vívida, trazendo uma sensação permanente de insegurança. Este quadro pode ser desencadeado por elementos que lembrem o ocorrido e restaurem aquilo que ela viveu. Outro exemplo de transtorno psicológico é a depressão. 

"Mas eu diria que a maior parte das pessoas vai ficar com alguma marca, algum dano psicológico, mas poucas vão desenvolver algum tipo de transtorno", avalia. 

O fato é que os afetados pelo rompimento da barragem vão precisar de algum tipo de acompanhamento psicológico e, nos casos mais graves, isso pode incluir também a prescrição de medicamentos. "É preciso elaborar o luto"

A diferença entre os danos psicológicos e os transtornos se dá pelo perfil da pessoa que foi afetada. "Todos nós temos mecanismos de defesa psíquicos que nos ajudam a lidar com este tipo de situação. Por exemplo, a negação, que ocorre quando a pessoa tem ainda uma esperança de que seu ente querido esteja vivo porque ainda não teve o corpo encontrado. Outro mecanismo é este estado de topor, de não esboçar reações e estar em um nível muito baixo de afetividade, quando a ficha custa pra cair mesmo", analisa Drummond.   

Conforme ele, as pessoas que irão desenvolver os transtornos psicológicos são aquelas em que estes mecanismos de defesa não são eficazes. Mas a tendência é que, se passarem pelo processo de luto ou, como define Drummond, a "elaboração da perda", a maioria das pessoas não deve ser afetada permanentemente ou a longo prazo. 

"No primeiro momento, a gente não consegue ter a consciência da perda por causa dos mecanismos de defesa, mas a medida em que a pessoa vai tendo essa consciência de forma gradativa, isso vai afastar a possibilidade de desenvolver transtornos psicológicos mais tarde", conta.  

Especialmente nas situações em que a forma que aconteceu a perda foi muito violenta, muito traumática e nada natural, como em Brumadinho, é preciso vivenciar este luto. Ou, como define o especialista, "desinvestir da presença da pessoa e passar a investir em sua lembrança". 

"É uma reconstrução de significados. O familiar nunca mais vai dormir com aquela pessoa, ou ver, ou conversar. Nós, seres humanos, temos uma sensação de segurança ilusória, de permanência. Isso se chama expectativa de continuidade. Quando acontece a perda de um ente querido, há uma quebra desta fantasia, e, no caso de Brumadinho, uma ruptura muito drástica. A pessoa fica sem entender como é possível ter conversado com a pessoa amada há 10 minutos e de repente aquela pessoa não existir mais".   

Portanto, passado o choque inicial, o chamado "desinvestimento" no ente querido quie se foi vai acontecer automaticamente o investimento passa a ser não mais na presença, mas na lembrança. 

Algo que pode ajudar a amenizar o período de luto, segundo Drummond, é o investimento também em outros sentidos para a vida. "Por exemplo, se manifestar em relação ao que aconteceu e lutar para que a justiça seja feita", conclui.   

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