Filhos de brasileiros voltam a Valadares, mas têm dificuldade em aprender português

Ana Lúcia Gonçalves - Hoje em Dia
31/03/2014 às 09:33.
Atualizado em 18/11/2021 às 01:51
 (Leonardo Morais/Hoje em Dia)

(Leonardo Morais/Hoje em Dia)

GOVERNADOR VALADARES – O retorno acentuado de valadarenses que emigraram para o exterior faz crescer o número de crianças e adolescentes “iletrados” nas escolas da cidade. São jovens que retornam dominando a língua falada, mas sem conhecimento da escrita e, portanto, analfabetos em português. As dificuldades que enfrentam para continuar os estudos e as limitações das escolas que os acolhem estão sendo pesquisadas. Segundo a coordenadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinar sobre Desenvolvimento Regional (Neder) da Universidade Vale do Rio Doce (Univale), pesquisadora Sueli Siqueira, essas crianças e adolescentes, muitas nascidas no país de emigração dos pais ou que emigraram muito novas, não conheciam o Brasil antes. A vivência com os costumes brasileiros se dava nas comunidades étnicas a que pertenciam no exterior.    E quando chegam ao país não estão retornando para sua terra (mesmo que possuam cidadania brasileira) e, sim, para o país de seus pais. O estranhamento e a dificuldade de adaptar-se são agravados quando não conseguem acompanhar as atividades da escola e enturmar-se com os colegas. “Muitos adoecem e outros perdem totalmente o interesse pela escola, aumentando ainda mais sua dificuldade”, explicou Sueli.    Problema antigo   A pesquisadora lembra que os problemas com o saber escolar de crianças e adolescentes decorrentes do fenômeno migratório não é novo em Governador Valadares, pois desde o início do fluxo, na década de 60, registra-se o retorno de famílias com filhos que tiveram experiência escolar na sociedade de destino. No entanto, esse problema tem se agravado hoje com um fluxo de retorno mais acentuado.    “Hoje não existe nenhuma ação ou recomendação oficial sobre o problema. É preciso que as autoridades tomem conhecimento e proponham discussão com os educadores, pois esses são os agentes sociais competentes para propor soluções”, sugeriu.   Resultados de pesquisa anterior surpreenderam   A pesquisa com os “iletrados” será concluída no final deste ano como parte de uma outra apresentada em 2010 sobre as dificuldades enfrentadas pelas crianças e adolescentes deixados com avós, tios e outros parentes em Valadares. Esses estudos também apontaram alterações no comportamento dos alunos relacionados com a migração da mãe e/ou pai.   O objetivo da pesquisa foi sistematizar informações que levassem à compreensão dos efeitos do fenômeno da migração internacional dos pais sobre a relação com o saber escolar. E os resultados surpreenderam.   De acordo com o que foi apurado, os filhos passam a supervalorizar a cultura do país onde se encontram os pais e ficam desinteressados pelo aprendizado e pela escola. “Afinal, se também vão emigrar um dia, por que estudar?”, pensam.   A conclusão é de que o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente, que permite potencializar suas habilidades, depende primordialmente da estabilidade familiar. E que ao emigrar, a mãe e/ou pai estabelece distanciamento físico dos filhos, gerando conflitos que comprometem o equilíbrio e o desenvolvimento normal da criança.   “Geralmente o aluno refletirá na escola o comportamento mantido em casa. É premente que o sistema educacional desenvolva políticas pedagógicas direcionadas para essa nova conjuntura social que influi sobre o processo de ensino, aprendizagem e na vida afetiva e social dos educandos”, acentuou a pesquisadora Sueli Siqueira.   Ao chegarem ao Brasil ‘estrangeiros’ acham português complicado   Daniel Barbosa, de 13 anos, nasceu nos Estados Unidos, onde foi alfabetizado em inglês e, embora tenha aprendido a conversar em português, não sabia escrever o idioma dos pais. Era um “iletrado”. Quando a família voltou para Valadares em 2010 teve que aprender português.    “O português é complicado e, embora tropece em algumas palavras, aprendi”, contou. Segundo a mãe dele, empresária Michelle Barbosa, a facilidade de aprendizagem contribuiu, mas, se não fosse a “peregrinação de escola em escola”, o filho teria sido matriculado com um ano de atraso, voltando uma série. “As escolas daqui não fazem testes para saber se o aluno tem condições de continuar na série que estava no exterior. Um absurdo, considerando a realidade que vivemos”, reclamou.    Dois dos três filhos da dona de casa Silvanete Ribeiro do Prado Chaves não tiveram a mesma sorte e estão prejudicados. Ela emigrou para a Flórida (EUA) em 2007, onde os filhos foram recebidos nas mesmas séries que frequentavam no Brasil. Um ano e nove meses depois, quando voltaram para Valadares, não conseguiram a equivalência.    “Estava no final da 4ª série e me voltaram para a 3ª. Hoje estou no 7º ano, quando deveria estar no 9º. Odiei isso”, reclamou Pedro Chaves, de 13 anos. Nos EUA recebeu acompanhamento dos professores e em pouco tempo fez amigos.    Para não perder dois anos, a irmã de Pedro optou pelo supletivo. “Mesmo atrasando os meninos, ainda demoraram para aceitá-los nas escolas”, afirmou Silvanete, que mantém Pedro numa escola pública.   Estranhamento   Com Letícia Pires Dutra, de 12 anos, que nasceu e viveu nos EUA com os pais até 2011, o problema é o estranhamento. Além da cultura e falta de infraestrutura das escolas, ela reclama da “pouca” organização dos brasileiros. Alfabetizada em inglês na escola e em português em casa pela mãe Josiane Pires Dutra, a menina tem dupla cidadania e está matriculada numa escola particular.    “Procuramos a Superintendência Regional de Ensino (SRE) e disseram que não poderiam intervir. Que o critério de avaliação era da escola, que queria atrasá-la pelo menos um ano. Como sabia ler e escrever, não permitimos e a colocamos na rede particular. Mas, em geral, as escolas da cidade não estão preparadas para receber esses estudantes e nem os consulados ajudam nessa transição”, disse o pai, Rafael Tavares Dutra.

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