'Houve sim uma falha gravíssima da Samarco', diz prefeito de Mariana

Bruno Porto - Hoje em Dia
16/11/2015 às 07:06.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:29
 (Wesley Rodrigues/Hoje em Dia)

(Wesley Rodrigues/Hoje em Dia)

Duarte Eustáquio Gonçalves Júnior (PPS-MG), prefeito de Mariana, conta, sob sua visão, como se deu a tragédia do rompimento da barragem de rejeitos da Samarco na cidade, localizada na região Central de Minas Gerais. Nesta entrevista, o chefe do Executivo comenta sobre os desdobramentos do desastre que mudou a vida de milhares de pessoas não apenas nos distritos do município, mas também da população ao longo do rio Doce, inclusive no Espírito Santo, ceifou vidas, dizimou vilarejos e causou um dano ambiental ainda incalculável.

Onde o senhor estava quando recebeu a notícia da tragédia?
No gabinete, minha esposa me avisou. Na hora você não acredita ou não consegue ter a dimensão. Chegamos lá quando ainda deu para pegar um pouco da tragédia, que é muito impressionante. Casas saindo do lugar, carros, desespero de pessoas, relatos emocionantes. Foi bem pesado. Não dava mais para chegar em Bento Rodrigues. A gente só via o desespero do outro lado, era povo correndo, gritando.

Qual foi o seu primeiro contato com representantes da Samarco após o desastre?
Saí de Santa Rita e fui para a empresa. Comecei a conversar com alguns funcionários, que relataram terem percebido um certo tremor. Só que pode ser o tremor do momento que a barragem estourou, que deu o primeiro impacto, porque informações davam conta de que realmente houve um barulho antes dela se romper. Ou pode ser o abalo sísmico que eles estão falando. A informação que eu tive das pessoas é que naquele momento houve um tremor de terra, mas pode ser porque a barragem é muita próxima ao escritório. Conversei com diretores da empresa, e eles começaram também a ter a dimensão do tamanho da tragédia.

O senhor tem informações da empresa, do governo e de todos os órgãos envolvidos na apuração das causas do desastre, as quais poucos têm acesso. A partir delas, ainda que não conclusivas, o senhor considera que foi acidente?
Tenho sido bem claro quanto a isso. Independentemente de ter sido ou não acidente, a empresa é responsável. Ela tem dito que existia um plano de ação e seguiram esse plano. Se ele existia, foi mal elaborado e mal executado. É inadmissível que não se tivesse um botão do pânico, uma sirene. Com dez minutos (do rompimento), a barragem estava acabando com Bento Rodrigues. Eles disseram que fizeram contato por telefone. Mas como avisar 600 pessoas por telefone? Eles são responsáveis sim. Houve uma falha gravíssima da empresa. Até tenho dito que ela deveria assumir isso. Vamos cobrar a procura de sobreviventes até o último minuto e indenização para todos. Porém, tenho que separar um pouco as coisas, pois o município de Mariana é dependente da mineração. Alguns começaram a defender o fim da atividade por aqui. Se começarem a entender dessa forma e inviabilizar a mineração, o município será inviabilizado, mais de 80% das receitas são da mineração. Mineramos aqui há 50 anos, não houve diversificação econômica.

Mas lhe parece um acidente?
É muito difícil de responder. A própria empresa não se posicionou quanto a isso. O próprio Ricardo (Ricardo Vescovi, presidente da Samarco) esteve comigo e o governador (Fernando Pimentel) em uma sala reservada, e ele mesmo disse: “Olha, não vou falar que aqui foi esse abalo sísmico (a causa) ou que houve alguma outra coisa”. Mas, querendo ou não, tinha gente mexendo ali, existia uma obra (de alteamento da barragem para expandir a capacidade). A Samarco fala que uma coisa não tem relação com outra.


Duarte Júnior, Prefeito de Mariana (Foto: Wesley Rodrigues/Hoje em Dia)

Quais as justificativas apresentadas ao senhor pela Samarco?
Não falam sobre o acidente em si, mas afirmam que agora estão monitorando ainda mais a barragem que ainda está de pé, garantem que ela estaria em segurança. Percebo que hoje há uma preocupação deles muito maior com essa barragem.

Como o senhor disse, a cidade depende da empresa, ou da mineração. Porém, depois dessa tragédia, há clima para a Samarco continuar em Mariana?
Precisa ser melhor medido. Quando se fala em Samarco e Vale, a Samarco sempre foi bem vista na cidade. O tratamento com o funcionário... As pessoas tinham prazer em falar que era Samarco. Claro que tudo isso está abalado, mas não consigo dimensionar, hoje, se a empresa vai continuar. Para você ter uma ideia, assumi um município que tinha uma despesa de R$ 25 milhões e estava arrecadando R$ 19 milhões. Nesse exato momento do desastre, a empresa ajudou o município com R$ 3 milhões, com a perfuração de poços artesianos, limpeza de poços profundos, com escolas. Era uma empresa de fácil acesso. Agora, se ela vai sobreviver a tudo isso, temos que aguardar mais um pouco para dizer.

O senhor usou a Vale para dizer que a Samarco é prestigiada na cidade. Qual o problema com a Vale, que é uma das donas da Samarco?
Um exemplo: nós entramos em crise (preço do minério em queda) e a Samarco não demitiu. A Vale dispensou e tem dispensado pessoas com uma certa regularidade. A Samarco sempre trabalhou com valorização do funcionário e de tentar segurar o máximo possível os trabalhadores. É absurdamente diferente uma empresa da outra. Quando você conversa com o funcionário de uma empresa e um de outra, você percebe que o da Samarco tinha orgulho de dizer que é Samarco, o da Vale precisava mais de carinho.

A Samarco tem uma dívida de royalty da mineração que o município tem direito a receber. Como está essa cobrança?
Essa dívida estava judicializada. A empresa chegou até o município depois de ter sido acionada (na Justiça) e disse que entendeu que deveria pagar porque era responsabilidade dela. Mariana teria a receber mais ou menos R$ 23 milhões de uma dívida de R$ 38 milhões. O restante será dividido entre Estado e União. Duas parcelas já foram pagas, uma de R$ 6 milhões (outubro) e uma de R$ 4 milhões (novembro). Ainda faltam duas parcelas (dezembro e janeiro). Todo esse dinheiro já foi gasto e todo dinheiro que entrar esse ano tenho que usar com restos a pagar.

O senhor cita essa dependência da cidade com a mineração, mas Mariana é uma das cidades que mais recebem recursos do royalty da mineração. Em 2014 foi a segunda cidade que mais recebeu dinheiro de royalty. Isso não é suficiente para diversificar a economia?
É uma falha existente há 50 anos, e me coloco entre os que falharam. Não temos até hoje um distrito industrial, e a cidade tem grande potencial para isso. Com a Vale e a Samarco aqui, empresas eram doidas para vir para cá. Mariana sempre foi uma cidade que arrecadou muito, uma cidade rica, e nós não tivemos visão de sair dessa dependência. Nos acomodamos porque tínhamos muito recurso.

Qual o tamanho dessa dependência?
Hoje são gerados 4 mil empregos na mineração. Quatro receitas são principais, a Cfem (royalty do minério), o ISS (Imposto sobre Serviço), o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços). Tirando o FPM, os outros três advém da mineração. Oitenta por cento da arrecadação total vem da mineração seja de forma direta ou indireta. Cortamos muita coisa e já não tem mais gordura para cortar. Baixei (a despesa) com lixo de R$ 800 mil para R$ 400; com a Cooperativa de Veículos, de R$ 2,5 milhões para R$ 1,7 milhão, e unificamos secretarias. Cortamos FGTS de funcionários nomeados, cortamos vale-alimentação, demitimos funcionários. O que tinha para ser cortado, foi. Vou mostrar essa situação para BHP Billiton e Vale, junto com a Samarco, e cobrar que eles não demitam. Preciso de garantias que não vão demitir e que mantenham minha receita para o que é básico. A situação é muito desesperadora.

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