Idosos precisam reencontrar a paz e reconstruir a vida após a lama que devastou Brumadinho

Simon Nascimento
31/01/2019 às 21:22.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:20
 (FLÁVIO TAVARES)

(FLÁVIO TAVARES)

Da varanda da casa, cercada por pés de limão, jabuticaba e manga, Alaíde Fernandes, de 82 anos, observa a movimentação de helicópteros que buscam por vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho. O semblante cabisbaixo e os olhos marejados escancaram a nova realidade da moradora do Parque da Cachoeira, na zona rural da cidade da Grande BH. A paz e a tranquilidade foram varridas pela lama.

A mulher é o retrato de muitos idosos que criaram a família e construíram uma história de décadas nos pacatos vilarejos atingidos pelo desastre. Pessoas que perderam a criação de galinhas, o sossego dos quintais e até as sombras das árvores. Gente que já passou por tantos desafios na vida e, agora, se veem na maior das provações. 

Na residência de apenas cinco cômodos, a 500 metros da área atingida pelos rejeitos, Alaíde ainda tenta assimilar tudo que passou nos últimos dias. Enquanto aguarda a água ferver no fogão a lenha para coar o café, fala sobre o sobrinho de 30 anos, que era funcionário da Vale e está entre os desaparecidos. “Meu sentimento é de tristeza, por ele que se foi, e por tantas famílias que perderam pessoas queridas e sequer conseguiram ver os corpos. Elas estão com os corações magoados”. 

O bairro Córrego do Feijão, também um dos mais destruídos pela lama, concentrava grande parte das famílias que perderam as casas

Ex-moradora de Porto Seguro, na Bahia, a dona de casa veio para Brumadinho em 1999, após perder um filho que se envolveu em um acidente de trânsito. Esse foi o sétimo, entre os 14, que viu morrer. O marido, de quem se separou há dez anos, vive em um asilo e a idosa mora com a neta Poliane Fernandes, de 14. 

“Minha cabeça está ruim. Fico ouvindo esse ‘zumbido’ do helicóptero e só piora. Para conseguir dormir, tomo três remédios”. A mulher precisou ser levada para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Brumadinho, na última segunda-feira, após passar mal. “Foi por causa dessa confusão toda”, garante.Flávio Tavares“A gente morou a vida toda de aluguel. Agora que aposentamos e compramos um terreno e construímos nossa casinha vamos abandonar?”(Halcira Gonçalves)

Sem arredar o pé

Tomados pelo temor que ronda a região, principalmente após rumores de que uma nova barragem da Vale poderia se romper, um dos filhos de Alaíde a chamou para morar em Belo Horizonte. “Se minha saúde estivesse boa, voltaria para a Bahia para morar com minha irmã porque a nossa cidade acabou. Agora, só saio daqui para o cemitério”, lamenta a idosa.

Se da varanda Alaíde reflete sobre o desastre, Maria Aparecida Cordeiro, de 83 anos, acompanha, desde a sexta-feira, o mar de lama que se formou no quintal da chácara em que mora com uma filha, o genro e um neto, há quatro décadas. O imóvel está em uma parte alta do Parque da Cachoeira e, por isso, não foi preciso desocupá-lo, mesmo estando a cerca de 200 metros de casas devastadas pela lama. Flávio Tavares“As famílias estão com os corações magoados”, diz Alaíde

Da janela da cozinha, ela viu a nuvem de poeira causada pelo rompimento da barragem que se formou no terreno. No trecho em que corria um córrego, onde já se refrescou, agora a mulher só vê troncos, sedimentos, escombros e até corpos. “Já encontraram duas pessoas aqui”. 

Ainda impactada com a magnitude da tragédia, Maria Aparecida não se esquece de vizinhos que se foram. “Eu saí de Formiga (Centro-Oeste de Minas) para morar aqui. Jamais imaginei que passaria por essa situação. A minha tristeza é absoluta porque vi esse bairro crescer, ser povoado, e tudo acabou em minutos”, relembra a idosa, que oferece café, água, lanches e o banheiro da residência para um grupo de policiais militares que estão na região para evitar saques aos imóveis isolados. 

O bairro Parque da Cachoeira fica na zona rural de Brumadinho; local foi um dos mais atingidos pelo desastre após o rompimento da barragem

'A gente não merece isso'

Um dos imóveis que teve recomendação da Defesa Civil para ser esvaziado foi o de Lacir Monteiro, de 81 anos, e Bernarda Maria da Cruz, de 80. Também no Parque da Cachoeira, a casa está próxima a uma área atingida pelo tsunami de barro. Os cômodos são cercados por um galinheiro e algumas árvores.

“Vou sair daqui para ir morar de favor com a minha filha? A cidade está abalada, destruída, mas vou continuar aqui. Deus vai ajudar que nada mais vai acontecer, já sofremos demais”, diz Bernarda. O marido, Lacir, também insiste em permanecer. “Não vou deixar meus dois cachorros, minhas galinhas aqui”, garante. 

Além dos problemas gerados pelo rompimento da barragem, como a destruição da estrada que levava os moradores do bairro a Córrego do Feijão, Casa Branca e ao Centro de Brumadinho, eles também viram a residência ser destelhada após o temporal de vento e granizo que atingiu a cidade na última quarta-feira. “Foi uma coisa horrível. Achei que essa cidade ia acabar de vez”, frisa. Flávio Tavares“Saí de Formiga para morar aqui. Jamais imaginei que passaria por essa situação. A minha tristeza é absoluta porque vi esse bairro crescer, ser povoado, e tudo acabou em minutos” (Maria Aparecida Cordeiro)

“Vou pra onde?”

O drama de conviver em um lugar devastado pelo desastre não pode ser amenizado. Pelo menos para Halcira Gonçalves, de 70 anos, e o marido Idalino Silva Santos, de 67. “A gente morou a vida toda de aluguel no Centro de Brumadinho. Agora que aposentamos e compramos um terreno e construímos nossa casinha vamos abandonar?”, questiona Halcira. 

Idalino conta temer um novo desastre. Ele está muito infeliz com a rotina que tem vivido desde a tragédia, principalmente devido às dificuldades de locomoção para outras regiões de Brumadinho. “A gente não merece isso. Estou desanimado de viver nesse lugar, não tem nada que volte com a minha alegria. Mas, não tenho dinheiro para sair”, revelou o aposentado.

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