Igreja Católica busca aproximação com pobres

Raquel Ramos - Hoje em Dia
23/12/2013 às 08:17.
Atualizado em 20/11/2021 às 14:58
 (Carlos Rhienck)

(Carlos Rhienck)

Ele nasceu na Bahia, em 1954. Mas foi em Minas Gerais que iniciou o ministério. Primeiro em Juiz de Fora, na Zona da Mata, onde estudou no Seminário Menor Santo Antônio. Depois passou por São João del-Rei, para concluir o curso de filosofia. Após uma temporada em Roma, retornou a terras mineiras. Mas, dessa vez, para a capital, onde assumiu como arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, em 2004. Há quase dez anos à frente da arquidiocese, dom Walmor Oliveira de Azevedo fala com humildade sobre os audaciosos projetos que cuida, como a construção da Catedral Cristo Rei, no bairro Juliana. “Foi uma ideia que começou com meus predecessores”, afirma. Ressalta também que a construção de um templo daquele porte só tem sentido se for utilizado como um instrumento para servir. Essa, aliás, é uma palavra-chave. Tanto para ele quanto para a Igreja Católica. Um dos maiores desafios é construir uma “igreja pobre, com os pobres e para os pobres, como o próprio papa Francisco diz”. Na entrevista, faz outras referências ao líder do Vaticano, sempre elogiando o trabalho desenvolvido por ele desde que assumiu o cargo. “Ele está marcando um novo ciclo”.

Fazendo uma retrospectiva de 2013, vimos que a Igreja Católica viveu momentos importantes neste ano, como a ascensão do papa Francisco e a Jornada Mundial da Juventude, no Brasil. O que esses momentos representam para a igreja?

A eleição do papa Francisco fechou um ciclo importante na história da igreja. Agora, ele está abrindo e marcando um novo ciclo. Não sem desafios ou resistência. Mas, de maneira leve e alegre, estamos todos empenhados em voltar, cada vez mais, às raízes do evangelho. Esse novo ciclo significa mudanças, novas respostas, mais coragem e disponibilidade. Mas é um momento de grande esperança. E, nessa perspectiva, a realização da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, foi uma luz muito brilhante. Tanto pela presença amorosa e hospitaleira do papa Francisco, quanto pelo testemunho bonito dos jovens, de buscar algo mais consistente e forte nesse encontro pessoal com Jesus Cristo. Mostrando que, mesmo quando contemplamos um horizonte de muitas sombras, nós podemos procurar o tesouro do coração de cada pessoa.

O papa vem realizando reformas e enfrentando problemas delicados da igreja. O senhor considera que está acontecendo uma revolução na instituição? Para onde isso vai?

É uma revolução leve e alegre, porque vem do evangelho. E toda vez que nos voltamos para o coração do evangelho, reencontramos força e frescor no caminho. Creio que isso esteja acontecendo. Por isso que, antes de responder às várias perguntas polêmicas que lhe são feitas, o papa Francisco nos convida a ir às raízes do evangelho, ao diálogo, à escuta das pessoas. Não há negação da doutrina da fé cristã católica, mas ele mostra uma capacidade de se debruçar sobre a vida de cada pessoa, sobre seu sofrimento e suas lutas. Penso que, assim, o caminho vai se fazer. E com a iluminação do Espírito Santo que conduz a igreja, por meio das indicações do papa Francisco, e com a colaboração de todos nós, fazemos o caminho adiante que a igreja precisa sempre fazer.

Com relação aos assuntos mais delicados, como uma crise no Banco do Vaticano, pedofilia e até a união homoafetiva. Há uma nova abertura para esses temas?

O papa Francisco nos ensina, diante de todos esses desafios, a evitar radicalismo. Mas ele mesmo tem reafirmado que sua posição não é nenhuma negação à fé ou a princípio moral da fé cristã católica. Quando o evangelho é vivido, podemos contemplar cada situação. É isso o que o papa tem feito. De modo a corrigir o que precisa ser corrigido, fazendo mea culpa no que precisa ser feito. E abrindo caminhos sem comprometer princípios morais e verdades da fé. Apenas buscando o que Jesus Cristo fez: a salvação de todos. Esse é o nosso grande compromisso. E essa busca de salvação não se consegue com rigidez, passando por cima de ninguém. Mas com diálogo, misericórdia, compreensão.

Qual seria hoje o maior desafio da Igreja Católica?

É uma rede de desafios. Posso citar, em primeiro lugar, a exigência de efetivarmos mais a nossa opção preferencial pelos pobres. A presença junto deles, a ponte com poderes públicos, com formadores de opinião, com pessoas que são construtoras da sociedade pluralista. Para construirmos, de fato, uma igreja pobre, com os pobres e para os pobres, como o próprio papa Francisco diz. Esse é um enorme desafio, porque não significa barrar o desenvolvimento, mas trabalhar por essa sensibilização. Por uma vivência e compreensão que supere o consumismo, hedonismo, a mesquinhez que nasce da ganância e do lucro. Não basta distribuir para os pobres. Pode até dar mais voto. Mas precisamos de um serviço que não seja meramente assistencialista. E, sim, algo que ajude a sociedade a compreender que, se existe pobreza e miséria, é responsabilidade de todos combatê-las. Outro elemento da rede de desafios é sermos uma igreja mais próxima, onde as pessoas sintam-se acolhidas. A igreja deve se tornar um lugar de celebração da fé, mas também um lugar que serve, o lugar do diálogo e do crescimento interpessoal. Também há o desafio de sermos uma igreja que forma, educa, na perspectiva da acessibilidade social e política para uma cidadania comprometida com a verdade e com a justiça. Sermos uma igreja que dê às pessoas a oportunidade de uma espiritualidade profunda.

O senhor já disse algumas vezes que “Minas é o coração católico do Brasil”. E que a Igreja Católica ajudou a formar o “ser mineiro”. O que significa essa troca?

Essa expressão eu guardei no meu coração, mas ela não foi dita por mim, e, sim, por dom Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana. Ele falou isso comigo logo que cheguei. Bem baixinho, como quem sussurra ao meu coração. Minas é o coração católico do Brasil. Não por número, mas pelo enraizamento, pelos traços da cultura mineira. Dom Luciano quis me dizer que é preciso cuidar para que esse grande tesouro não se perca. Nós estamos trabalhando para isso. O significado do povo mineiro no cenário brasileiro, com sua cultura, com essa religiosidade enraizada, tornou-se um grande tesouro humanístico, fundamental para o futuro da sociedade. Na sua catolicidade, na sua experiência bonita de fé em Cristo, na sua devoção profunda, Minas Gerais tem, de fato, grande missão e vocação.

Dados recentes do IBGE mostram que o número de evangélicos em Minas Gerais teve um salto de 62%, segundo o último censo, passando de 2,4 milhões para 3,9 milhões. O senhor vê esse crescimento com preocupação?

É importante dizer que, nós, católicos, ainda representamos mais de 70% da sociedade mineira. Mas o crescimento do número de evangélicos, naturalmente, nos faz refletir com tranquilidade. São pessoas que também fizeram a sua opção por Jesus Cristo. E isso é fundamental. O que nos preocupa mesmo é o crescimento do número daqueles que não creem. Como igreja, é claro, nos perguntamos: por que tantas pessoas deixaram de crer? Fazemos uma reflexão se servimos como deveríamos, se acolhemos essas pessoas, se estivemos presentes nos momentos mais importantes da vida delas, sobretudo de sofrimento e luta. Não queremos simplesmente recuperar um número ou dizer que somos a maioria. O que nos importa é o anúncio do evangelho. A centralidade na pessoa de Jesus Cristo e a promoção do encontro de cada pessoa com Ele. Estamos sempre juntos, abertos ao diálogo e à cooperação. Por isso, nossa igreja muito investe no ecumenismo. É um enorme desafio. Temos um trabalho em relação a outros grupos religiosos, não buscando uniformidade, mas pela afirmação da vida e oração. Se lutarmos pela vida, vamos construir um mundo marcado pela fraternidade.

Mas o senhor acha que seria necessária uma postura junto aos fiéis para reconquistá-los?

Eu não pensaria em uma estratégia de reconquista. Eu acentuo a perspectiva de que o evangelho de Cristo seja anunciado e que as pessoas tenham a chance, na comunidade igreja, de passar por essa experiência do acolhimento, da fraternidade, da solidariedade. Se isso resultar no retorno dessas pessoas, em aumento de número, deverá ser para nós apenas uma consequência. E se alguém não está conosco, nas nossas coisas, no nosso ambiente, mas estiver vivendo o evangelho, tudo bem. É isso que importa.

Falando sobre os planos futuros da Arquidiocese de Belo Horizonte, como a construção da Catedral Cristo Rei. O que um projeto audacioso como esse representa para a instituição?

Esse não é um projeto meu. Foi uma ideia que começou com meus predecessores, como dom Antônio dos Santos Cabral que, na década de 40, pensou nessa construção na praça Milton Campos. Em razão das dificuldades, no entanto, teve que deixar esse projeto de lado e priorizar outros. Quando cheguei a Belo Horizonte, em 2004, muitas pessoas me perguntaram que eu iria fazer a catedral. Mas sempre questionei: há necessidade de uma catedral? Essa pergunta se estendeu até 2010, quando resolvemos, de fato, retomar esse projeto. Desde o início, porém, percebi que construir uma catedral de Belo Horizonte só valeria a pena se ela servisse como um lugar da espiritualidade. Não me interessaria se fosse apenas um templo que consegue abrigar muita gente. Um equipamento como esse só tem importância se permitir à arquidiocese servir mais e melhor. Até o momento, temos 20% do valor necessário para a construção (estimada em R$ 100 milhões). Diferentemente de uma obra pública, nunca construímos uma igreja tendo quase todo o dinheiro necessário para a obra. Não por falta de planejamento ou de visão gerencial. Mas porque é importante ter o apoio das pessoas. Quem acredita na nossa ideia, ajuda livremente.

Em uma palavra, ou frase, qual a opinião do senhor sobre:

Aborto: A vida respeitada acima de tudo, nunca atentar contra ela, por nenhuma razão.

Casamento Homossexual: Não é um casamento. Entendemos um casamento como a união conjugal entre homem e mulher para constituir família. Respeita-se as opções que as pessoas fazem sobre sua orientação sexual, procurando anunciar a elas o evangelho de Cristo.

Celibato: É um dom desafiador para a vida da igreja.

Pedofilia: Abominável. Na igreja, na sociedade, na família ou em qualquer lugar.

Ordenação de mulheres: Não é a opção da igreja. O papa Francisco tem reafirmado isso.

Atlético ou Cruzeiro: Alvinegro Celeste Verde.

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