João Batista: educação no Brasil perdeu muito em qualidade

Letícia Alves - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
13/10/2014 às 07:24.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:35
 (Eugênio Moraes)

(Eugênio Moraes)

O Brasil ainda não acertou um modelo de educação de qualidade. A afirmação é de João Batista, referência nacional em educação e presidente do Instituto Alfa e Beto, ONG que fundou em 2006 para atuar na área da alfabetização. Nesta entrevista ao Hoje em Dia, ele explica que o problema começou em 1950 com um modelo de expansão a qualquer custo e, até hoje, o país continua no “vício de que fazer educação é fazer mais”. A questão, segundo ele, não é dinheiro, mas, sim, o fato de o Brasil não saber fazer “nada bom para a massa”. “O problema é que se gasta muito mal. Joga-se dinheiro fora, desperdiça”, disse.

João Batista foi secretário-executivo do MEC (1995) e idealizou o programa Acelera Brasil, que pretende dinamizar e corrigir o fluxo escolar. É psicólogo e Ph.D em Educação pela Florida State University (EUA) e já publicou dezenas de livros, entre eles, “Reforma na educação: por onde começar?” (Alfa Educativa, 2006).

Por que o Brasil não acertou ainda um modelo de educação de qualidade?

O Brasil tem uma entrada tardia na educação. Só começamos a mexer com educação de massa entre 1950 e 1960, quando os outros países do mundo já tinham universalizado o ensino. Entramos em um contrapé de uma explosão urbana e demográfica. Para atender todos, adotamos uma vertente de educação pública que é de expansão. Com isso, pegamos um vício de que fazer educação é fazer mais e até hoje não paramos. Assim, a educação no Brasil perdeu muito a qualidade. Esse é um lado da questão.

A classe média estava na escola pública e quando ela saiu a qualidade se perdeu?

Não é bem isso. Tinha pouca gente na escola e, possivelmente, era gente que gostava de estudar. Agora, outra coisa que aconteceu, que é importante entender, é que a educação, como outros serviços públicos, não é boa. O Brasil não sabe fazer nada bom para a massa. A educação não é exceção. Transporte urbano é ruim, segurança e saúde também. Então, o Brasil é ruim em fazer coisas públicas. Ele é ruim de eficiência e é ruim de equidade. Então, a educação não é exceção.

E por que não há uma pressão popular para melhoria da educação?

Porque ela é até melhor do que outros setores. Hoje, por exemplo, nas preferências públicas, educação está no sexto lugar. Porque segurança pública é muito mais grave, mobilidade é muito mais grave. A maioria dos filhos tem condição de educação melhor do que dos pais. Tem mais escolas, tem vaga, tem merenda. Então, se a escola é muito melhor do que eu tive, por que eu vou reclamar? Por isso, você não tem na sociedade brasileira pressão para melhorar uma coisa que alguns acham que está ruim. Essa é outra questão.

Onde foi que o governo brasileiro perdeu a mão? Quais foram os erros capitais?

Foi a estratégia de expandir a qualquer custo. Em 1960, a luta era para o primário ter quatro anos. Dez anos depois, em 72, já passaram para oito. Então, é essa coisa de se querer mais ao invés de ser melhor. Eu acho que perdeu por aí. Muita quantidade, você não tem dinheiro para fazer, e acaba perdendo critérios.

Qual seria o caminho para a educação no Brasil?

Os países desenvolvidos têm uma clareza de que o capital humano é a única coisa que eles possuem. Hoje tem um consenso internacional de que para o indivíduo ter direito a ser cidadão do mundo ele tem que saber as coisas que estão no Pisa (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). É uma exigência da sociedade do conhecimento. No Brasil, isso não é levado a sério. Os pais brasileiros não têm noção de que precisa melhorar a educação. É muito difícil o Brasil melhorar porque não tem pressão. O empresário é o que mais perde com educação ruim. Quer dizer, você tem consciência clara do custo da má educação e monta um sistema, chamado sistema S, para fazer o que a educação não faz. O empresário que paga essa conta não tem nenhum envolvimento para reclamar do governo. O povo que mais sabe a importância de uma boa educação não pressiona para que a mudança aconteça.

Então, não tem saída para a melhoria da educação no país?

Sim, mas para isso seria preciso uma força externa para alavancar, e eu não vejo isso. É preciso mobilizar a sociedade para essa mudança. Tem que ter pressão, mas não tem. Para você ter ideia, a classe média pega carona. Se ela está na frente dos outros, já garante entrar em boas universidades. Quanto pior para os outros, mas fácil para ela ter acesso às bolsas. Então, a classe média não está incomodada.

É uma questão de investimento?

O Brasil gasta tanto para educação como gasta todo mundo. Gasta-se muito. A proporção do PIB está razoável. O problema é que se gasta muito mal. Joga dinheiro fora, desperdiça. Para se ter uma ideia, 20% dos alunos que estão na escola hoje são repetentes. Então, todo ano você tem 20% a mais de gastos por uma ineficiência e isso é muito dinheiro.

Existe alguma região do Brasil que tenha um ensino modelo?

O brasileiro não entendeu ainda que uma andorinha não faz verão. Educação boa é quando qualquer escola é boa. O único modelo que você tem no Brasil na educação de algum padrão é o Senai.

O Brasil tem mais ou menos umas mil escolas com uma nota muito boa na Prova Brasil. A maioria é escolas de aplicação, colégios militares, escolas técnicas federais etc. Essas escolas não são típicas, pois possuem um processo de seleção. Então, não é a escola que é boa, mas, sim, os alunos.

Temos apenas 706 escolas muito melhores do que o nível de seus alunos e elas estão espalhadas em 650 municípios. Isso mostra que nós não temos rede de ensino que consiga fazer padrão como rotina. Possivelmente, essas escolas são boas porque não obedecem à Secretaria de Educação. Se a exceção é que é boa, a regra deve estar errada.

E em Minas Gerais?

Minas está melhor do que a média porque consegue, tanto a rede estadual quanto municipal, estar muito acima do que deveria se esperar com base no nível socioeconômico do Estado. Ninguém sabe o que explica isso. Mas que claramente Minas tem um desempenho melhor do que o Brasil isso não há dúvidas.

Qual é sua avaliação sobre o nível do magistério no Brasil?

A melhor forma de avaliar é pelo resultado – o que os alunos aprendem – e, partir disso, está muito ruim. Você pode avaliar também pelo processo de formação. A maioria dos professores hoje tem curso superior. Nos últimos dez anos, aumentou 40% o número de professores com curso superior e isso não teve nenhum impacto na melhoria do ensino.

Mas por que a formação do professor não tem resultado na educação? Não temos muito déficit de conhecimento de professores, mas, sim, de entrada de professores no magistério. Nos concursos públicos, a concorrência é pouca. Então, você vê que não está entrando gente muito boa. Outra questão é que quem está entrando nas faculdades para virar professor não tem boa nota no Enem. Então, quando você junta essas questões, quando você pega os piores caras e coloca nos piores cursos, é lógico que o resultado não é bom. E, sem melhorar isso, o reto não vai melhorar.

É correto dizer que o modelo de escola pública ajuda a manter as nossas marcas de desigualdade social?

Espera-se que a educação seja um instrumento de promoção da equidade, um instrumento de mobilidade social. Historicamente, essa é a área mais polêmica da educação. Não se consegue isso. É muito difícil. Estudos da década de 70, mostram que a escola acaba um pouco reproduzindo as desigualdades sociais. Quem é bom, continua bom, e quem está mal continua mal. Não muda muito a relação. Tem estudos recentes que mostram isso. O que pode acontecer é uma mudança antes da escola. Se você faz uma ótima escola, antes da escola, é possível que aí você consiga mudar a sorte do indivíduo. A época que as pessoas mais mudam de patamar é antes de entrar na escola. Então, o que é possível fazer é melhorar o cara para ele entrar no patamar melhorzinho, porque depois disso é só com muito esforço individual. Tem como promover, sim, mas, possivelmente, fora da escola e antes da escola, mas é obvio que a escola tem que ser boa.

Por que você considera a alfabetização uma das etapas mais importantes?

Porque se a criança começa mal, as chances dela diminuem. Quanto mais você atrasar esse processo, pior vai ser para ela.

O Brasil está atrasado na questão da alfabetização?

É um modelo burro, empacado. As faculdades de educação são as responsáveis por isso. O governo não age, com medo de desagradar os professores. E o país perde.

Por que esse método está errado?

No caso da alfabetização, a teoria construtivista aplicada à educação defende que a criança aprenda a ler lendo. A criança seria capaz de aprender a ler pelo contexto da leitura. Vendo aquelas letras que mudam de lugar na palavra, ela seria capaz de fazer hipóteses. Desde que isso foi falado em 1975, no ano seguinte já provaram que não é assim.

O que a ciência mostra é que o que permite aprender a ler é a capacidade do cérebro de identificação visual. Só que ele só nos ensina a ver imagens e a palavra não é uma figura. A palavra é um conjunto de letras e cada uma tem um valor próprio. O cérebro não sabe decifrar esse código e não dá pra aprender visualmente.

Você criou o Instituto Alfa e Beto para preencher essa lacuna educacional. Como foi esse processo?

A ideia do instituto surgiu de um problema concreto que me deparei no meu trabalho anterior, onde eu trabalhei com alunos repetentes. Isso era muito grande no Brasil e agora é um pouco menos visível, mas ainda tem bastante. Quando eu comecei a trabalhar com esses alunos eu não tinha uma teoria, porque eles repetiam o ano. Eu comecei a perceber que a grande causa da repetência é o cara ser analfabeto. Então, se você não resolver primeiro a questão do analfabetismo, você não irá chegar nos outros problemas. O instituto nasceu um pouco dessa tentativa e com essa causa: a alfabetização das crianças. A gente desenvolveu uma série de ações e fomos buscar a evidência científica na alfabetização. Então, comecei a entender o construtivismo e vi que poderia dar certo. Fizemos um seminário internacional, convidamos pesquisadores e vimos que estava tudo errado. A marca da atividade é sempre essa. Tem que ter um problema sério que não está sendo visto pelos outros, tem que buscar evidências de como lidar com aquilo e tem que fazer algo que funcione no Brasil.  

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