Lama que contaminou o rio Paraopeba tira o sustento dos índios e impede rituais

Simon Nascimento
06/02/2019 às 20:25.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:25
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

  

Naó Xohã é o nome da aldeia fincada entre Brumadinho e São Joaquim de Bicas, na Grande BH, e significa “espírito guerreiro” na língua dos índios que estão no local. Vivendo há um ano e meio em terras mineiras, após sair do Sul da Bahia, os pataxós tentam encontrar forças para enfrentar um enorme desafio: sobreviver sem o bem mais precioso que tinham, o rio Paraopeba.

O curso d'água contaminado pelos rejeitos de minério, após o rompimento da barragem Córrego do Feijão, alimentava as famílias e servia como ponto de encontro para a realização de rituais. Sem o recurso hídrico, eles têm contado com doações para substituir as piabas e tilápias que eram pescadas.

“É uma tristeza profunda. Perdemos a liberdade de entrar e sair do rio. De repente, a gente chega na beira e só vê aquele ‘chocolate’ poluído, azedo”, diz o cacique Txonãg Pataxó, de 40 anos. Segundo ele, a vinda para Minas ocorreu justamente pela proximidade com o Paraopeba, algo com o que não contavam na Bahia.

Sagrado

Ao todo, são 80 índios que ficam em uma área de mata a menos de 200 metros do rio. O grupo se reunia à margem para cantar, dançar e manifestar gratidão. O ponto alto das celebrações ocorre em 5 de outubro. “Nesse dia, o povo pataxó faz o ritual da água, no qual agradecemos a nossa existência, pois foi da água que surgimos”.

Conforme o cacique, eles já avaliam a possibilidade de buscar outro local para manter a tradição. “Temos um lago sagrado perto da nossa aldeia mãe em Carmésia (na região Central, a cerca de 250 quilômetros de distância). Nossos familiares fazem a festa lá”. 

A comunidade, no entanto, garante que não pretende abandonar a aldeia em Brumadinho. “A gente batizou e consagrou nosso terreiro. Já morreu índio aqui e o espírito está plantado na terra, juntamente com o umbigo de nossas crianças”, ressalta o cacique.

Mesmo recebendo doações, que estariam sendo feitas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), o clima é de apreensão. “Não sabemos até quando irão chegar”, afirma Txonãg Pataxó. Além dos donativos, eles têm mandioca, banana e cana de açúcar no terreno. A venda de artigos de artesanato em BH, como cocar, pulseira e colar, também ajudam a custear a alimentação da comunidade.

O cacique disse que ninguém da aldeia foi procurado pela Vale. A mineradora, porém, garante que já iniciou a conversa com os indígenas e prestará assistência. Procurada, a Funai não se manifestou até o fechamento desta edição.Flávio Tavares /Hoje em Dia

“Papel sujo”

Ao observar o tom marrom do Paraopeba, o cacique Hãyó Pataxó, de 28 anos, não acredita que o manancial possa retornar à normalidade. “É culpa do tal ‘papel sujo’, o dinheiro. O pensamento negativo que o homem tem de querer mais do que tem”, diz. “A natureza já nos falou que o rio não volta mais”, lamenta Hãyó.

Com lágrimas nos olhos que permaneciam fixados à água turva, o cacique Soyn Pataxó, de 54, também manifestou indignação. “Falam que o índio é destruidor, mas são as pessoas, as entidades, que matam a natureza”, acrescenta.

Assistência

Em nota, o governo de Minas informou que técnicos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social estiveram em Naó Xohã, em 29 de janeiro, após o rompimento da barragem, para fazer o registro dos atingidos, escutar as lideranças e levantar as demandas emergenciais. A pasta diz ter articulado com “órgãos parceiros” o atendimento aos índios, principalmente o abastecimento de água e alimentos.

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