Mães que mudam o mundo: histórias de inclusão, doação e acolhida

Carolina Fernandes
cfernandes@hojeemdia.com.br
11/05/2018 às 10:28.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:42
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Carlos Eduardo é um adolescente que, desde os seis anos, teve que enfrentar uma dura realidade: ambientes que não possuem acessibilidade, inclusive na escola. Letícia, de 12 anos, diagnosticada com autismo, conta com o suporte da mãe, que produz artesanato para ajudar na sustentabilidade da fundação em que a filha estuda. Felipe, de 21 anos, morreu atropelado, mas o desejo dele de fazer o bem permaneceu: vários órgãos e tecidos do jovem foram doados. O que todos esses personagens têm em comum? Mães que, por causa dos  filhos, passaram a lutar por ideais e a se engajar em causas que, em menor ou maior escala, contribuem para mudar o mundo.

Cristina da Silva Rosa Carvalho é a mãe de Carlos Eduardo, de 16 anos, conhecido também como Cadu. Pelo fato de ele ter deficiência física, Cristina enfrentou e ainda enfrenta várias barreiras com relação à acessibilidade na vida escolar do filho.Lucas Prates

Cristina e outras mães conseguiram, na justiça, adaptações estruturais na Escola Municipal Maria da Penha Santos Almeida, em Betim. Hoje, seu filho Cadu estuda em outra instituição e conta com o acompanhamento da mãe em sala de aula

Cadu tem paralisia cerebral, usa duas válvulas de hidrocefalia e começou a estudar aos 6 anos. "Por causa da deficiência dele, a escola dizia que não tinha estrutura física para recebê-lo. Por isso, eu me juntei a outras mães de alunos com deficiência da escola para pedir na justiça a instalação de elevador, adaptação nos banheiros e criação de rampas”, relata.

Segudo Cristina, diante dessa ação coletiva, as mudanças, que já estavam sendo demandadas pela escola com o município de Betim, aconteceram de forma acelerada na justiça, pois ganharam reforço com o pedido dela e de outras mães.

De acordo com o vice-diretor da Escola Municipal Maria da Penha Santos Almeida, Ricardo Queiroz, a instituição viu com bons olhos a atitude de Cristina. "Iniciativas como essa são bem-vindas e nós estimulamos. A base familiar é de suma importância para o processo escolar dos filhos e quando a família traz benefícios para a escola é melhor ainda", ressalta Ricardo.

Hoje, Cadu estuda em outra escola, pois está no Ensino Médio, e Cristina o acompanha diariamente em sala de aula. “Ele copia no ritmo dele, mas, às vezes, eu o ajudo. Outras vezes levamos o material para copiar em casa.", afirma.

Assim como Cristina, Tatiane Campos, 36, é ativista da inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais e fundadora da ONG Alegria, que tem como proposta unir o esporte com a arte por meio de atividades psicopedagógicas para o desenvolvimento de quem tem autismo. A organização está fechada desde o ano passado, mas o sonho dela é sua reabertura.Arquivo pessoal

"Hoje, a Letícia não fala, mas eu grito por ela", afirma Tatiane, que produz peças artesanais com o objetivo de ajudar financeiramente a Fundação Dom Bosco

Tatiane tem uma filha de 12 anos, Letícia (que significa alegria), e foi diagnosticada com autismo aos 4. De acordo com Tatiane, Letícia parou de falar e responder aos estímulos quando tinha 1 ano e 8 meses. “A gente chamava, mas ela não olhava, não interagia, até achei que fosse surdez no início. Ela ainda não fala, mas, hoje, eu grito por ela”, conta. 

Letícia estuda em uma escola especial, na Fundação Dom Bosco, e tem se desenvolvido. Como a fundação é longe de casa, Tatiane passa as tardes na escola e, enquanto está lá, ensina artesanato para outras mães, já que o local vive de doações. São produtos feitos com feltro, crochê e tricô, como chaveiros, bonecos, laços e arcos para o cabelo, tapetes, panos de prato bordados e material pedagógico para as professoras trabalharem com os filhos em sala de aula. “É uma forma de ajudar, a gente produz o material, vende e arrecada fundos para a Fundação Dom Bosco”, relata.

Doação que salva vidas

Rose Mary Guirado, 74, abraçou a causa da doação de órgãos quando perdeu o filho de 21 anos em um atropelamento, em 2004. De acordo com ela, Felipe Augusto Guirado sempre deixou clara a vontade de ser um doador de órgãos. “A gente sempre falou sobre isso, sempre pensamos em ajudar o próximo e eu disse para ele que não ia me esquecer, caso acontecesse alguma coisa”, lembra Rose.

Ela conta que Felipe foi doador universal, já que doou coração, rins, córneas, tecidos, e tudo o que foi permitido pela equipe médica. Depois de alguns meses, Rose começou a falar sobre a importância de ajudar a salvar outras vidas, dando palestras em faculdades, empresas e praças, além de se tornar parceira do MG Transplantes.

“Depois que a gente sente na pele, a gente dá mais importância. Fui tendo consciência de querer salvar vidas e comecei a conhecer pessoas que estavam na fila de transplantes. Como existem muitos mitos sobre o tema, eu tento levar a informação para o máximo de gente. Eu vou à Polícia, Corpo de Bombeiros, converso com o pessoal do Samu. A gente tem que mobilizar todo mundo, não adianta só eu tentar, porque um só não vence uma batalha.", conta.

Perda transformada em acolhida

Carla de Magalhães Pereira, por sua vez, fundou a Associação Lucas Magalhães Karam (Casa Lucas) depois de perder o único filho aos 10 anos devido a complicações de uma cirurgia nas amígdalas, em setembro de 2012. O espaço acolhe crianças de 0 a 6 anos em situação de vulnerabilidade social, sob medida protetiva determinada pela Vara da Infância e da Juventude e Conselhos Tutelares.Lucas Prates

A Casa Lucas abriga 10 crianças que estão sob medida protetiva determinada pela Vara da Infância e da Juventude e Conselhos Tutelares

Com a doação de roupas e brinquedos do menino, veio a ideia de fundar a casa, que surgiu em março de 2013 com o apoio de amigos e familiares. "Eu tinha duas escolhas: desistir da vida ou criar outra alternativa. Então, resolvi ajudar crianças que precisam de amor e cuidado. Se o Lucas não tivesse vindo ao mundo e não tivesse partido, a Casa Lucas não existiria", afirma Carla.

Ela explica ainda que as primeiras cinco crianças foram para a Casa meses depois da fundação do local, em setembro de 2013. Depois de um ano, com o auxílio da Prefeitura de Belo Horizonte, a estrutura foi ampliada e passou a contar com dez crianças e uma equipe de 13 funcionários, como cuidadoras, assistente social, psicóloga e serviços gerais.

"Mesmo com a ajuda da prefeitura, a gente continua contando com a doação de amigos e familiares. A gente leva para a escola, para a fonoaudióloga, ajuda nos deveres de casa e trabalhos escolares, enfim, são como se fossem nossos filhos", observa.

A hora do mamaço

Gabrielle Faria luta por outra causa: a da amamentação prolongada. Ela é representante, em Minas, do movimento “A Hora do Mamaço”, que visa estimular reflexões e discussões na sociedade a respeito da importância e os benefícios da amamentação.

Gabrielle tem dois filhos, uma de 11 anos e outro de 5, e afirma que já enfrentou inúmeros constrangimentos com relação à amamentação, seja por meio de olhares ou até mesmo de comentários inapropriados por parte de familiares e desconhecidos.

“Teve uma vez que eu estava no hospital com meu filho e a enfermeira disse que todos os problemas dele estavam ligados à amamentação, porque o leite não o sustentava mais, e que se eu desse mamadeira ele melhoraria”, afirma a ativista, que é coordenadora do Grupo de Apoio à Gestante (Gestar) na capital mineira.

O movimento, encabeçado por ela, participou da elaboração do projeto 1510/2015, apresentado pelo vereador Gilson Reis (PC do B) e sancionado por meio da Lei 10.940 pelo prefeito Marcio Lacerda (PSB), em 2016. A legislação prevê multa aos locais, em BH, que proibirem mães de amamentar. O valor é de R$ 500 e, em caso de reincidência, a multa dobra. Outra conquista do grupo Gestar foi contribuir com a lei estadual, que prevê  penalidade de R$ 903.

Empatia e ativismo

Histórias como essas são comuns e revelam uma característica que pode ser intensificada quando uma mulher se torna mãe: a empatia. Conforme a socióloga Corinne Davis Rodrigues, muitas vezes, o ativismo está diretamente relacionado às próprias experiências pessoais. “Ser mãe passa por isso, ter empatia para uma causa determinada. Isso faz com que ela priorize ações específicas que beneficiem o próprio filho”, diz Corinne.

Como ajudar:
Casa Lucas: www.casalucas.org.br / contato@casalucas.org / (31) 3491-0152​Fundação Dom Bosco: (31) 3386-1600

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