Maioria excluída: a cada 10 moradores em situação de rua em Belo Horizonte, oito são negros

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
12/06/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:02
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Se as políticas sociais das últimas décadas elevaram a qualidade de vida da população brasileira como um todo, a diferença entre a ascensão de brancos e negros ainda carrega o distanciamento de pelo menos dez anos.

Na Grande BH, a população negra só alcançou em 2010 o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) que os brancos já possuíam no ano 2000, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil.

 Flávio Tavares / N/A

Um retrato nítido dessa discrepância pode ser verificado na população de rua de Belo Horizonte, onde os pretos e pardos, que já representavam 79% desse grupo na última contagem oficial feita em 2014, passaram a equivaler a 82% do total, segundo dados da Secretaria Municipal de Políticas Sociais, relativos a março.

Em outras palavras, significa dizer que a cada 10 moradores de rua da capital, oito são negros. 

  

“Vim para a rua porque não consegui emprego e a situação dentro de casa ficou complicada demais. Cheguei até a morar com minha irmã durante um tempo, mas depois nós brigamos por causa de dinheiro e eu saí fora”Artur Abreu, 22 anos

  

  

  

  

 Os levantamentos do Pnud detalham, ainda, que a renda per capita dos negros equivale a menos da metade da renda per capita dos brancos, tanto no contexto de 2000 quanto em 2010. Da mesma forma, a taxa de analfabetismo entre negros é o dobro do mesmo indicador entre brancos. 

Comparativo

A secretária de Políticas Sociais da PBH, Maíra Colares, explica que os dados regionais reproduzem o contexto nacional. “As pessoas em situação de rua que representam o público mais vulnerável são um recorte social que tem predominância de negros. São pessoas que, na pirâmide, têm renda e escolaridade menores”, destaca. 

Realidade de Artur Abreu, negro, de 22 anos, com ensino fundamental incompleto, e Fábio Oliveira, branco, 30 anos, tecnólogo em edificações. Ambos são dependentes químicos e moradores de rua, mas possuem níveis de instrução e histórias de vida completamente diferentes.

Artur foi para a rua pela falta de emprego e a impossibilidade de enfrentar os conflitos familiares já motivados por um histórico de dificuldades financeiras. Fábio largou um emprego estável, a família e os três filhos por causa do vício no crack.

Reversão

A subsecretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Cleide Hilda de Lima Souza, explica que a população negra teve direitos negados historicamente, o que é chamado de racismo institucional. Por esse motivo, ela explica, só com ações afirmativas esse quadro será revertido.

“Na Grande BH, a população de rua é majoritariamente preta e pobre e aumentou porque os projetos voltados para esse público acabaram nos últimos governos. Esperamos que, agora, essa mentalidade mude”, analisa Cleide. Flávio Tavares / N/A

Ao calcular a probabilidade de cada cidadão sofrer homicídio, os autores do Atlas da Violência 2017 concluíram que os negros respondem por 78,9% dos indivíduos pertencentes ao grupo dos 10% com mais chances de serem vítimas fatais


Mapa evidencia probabilidade de homicídios no Brasil

As vítimas da violência também são mais numerosas entre os negros. O Atlas da Violência 2017, pesquisa que mapeia os homicídios pelo país, aponta que a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras.

Segundo o estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), “os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência”.

Em uma análise mais extensa, o cenário também é desolador. Na década de 2005 a 2015, a taxa de homicídios entre negros cresceu 18,2%, ao passo que o mesmo indicador entre não negros teve redução de 12,2% no mesmo período. 

Jovens

O mapeamento evidencia, ainda, um recorte por faixa etária destacando as maiores vítimas da violência no país. Mais de 318 mil jovens foram assassinados no Brasil de 2005 a 2015. Apenas no último ano, foram 31.264 homicídios de pessoas com idade entre 15 e 29 anos, uma redução de 3,3% na taxa em relação a 2014 apesar do índice ainda elevado. Flávio Tavares / N/A

“Eu vim de Balneário do Camboriú, depois que saí de casa por causa do crack. Tenho três filhos, era casado e tinha emprego, mas não consegui manter essa vida”Fábio Oliveira, 30 anos

Os homens jovens continuam sendo as principais vítimas: mais de 92% dos homicídios acometem essa parcela da população. Em Alagoas e Sergipe a taxa de homicídios de homens jovens atingiu, respectivamente, 233 e 230,4 mortes por 100 mil homens jovens em 2015. 

De 2005 a 2015, a taxa de homicídios entre negros cresceu 18,2%, já entre não negros a redução foi de 12,2%

Melhoria

Apesar do cenário ainda desigual, os dados desagregados do Pnud apontam que o IDHM da população negra, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, melhorou mais do que o mesmo dado para os brancos.

Entre os negros, o índice passou de 0,603 em 2000 para 0,738 em 2010 – uma taxa de crescimento de 22,39%, enquanto que o IDHM de brancos passou de 0,723 em 2000, para 0,825 em 2010, apresentando uma taxa de crescimento de 14,11%. 

O hiato de desenvolvimento humano de negros, ou seja, a distância entre o IDHM desta população do município e o limite máximo do índice, que é 1, foi reduzido em 65,99% entre 2000 e 2010. Já o hiato de desenvolvimento humano de brancos foi reduzido em 63,18%, no mesmo período. 

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