Michele Arroyo: Patrimônio sob nova perspectiva

Renato Fonseca - Hoje em Dia
30/03/2015 às 08:53.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:26
 (Frederico Haikal)

(Frederico Haikal)

Em 2015 ela completa duas décadas de atuação na área de patrimônio cultural. Graduada em história e com mestrado e doutorado em ciências sociais, Michele Abreu Arroyo coordenou por 13 anos a Diretoria de Patrimônio Cultural de BH e foi superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Aos 43 anos, casada e mãe de dois filhos, assume novo desafio: a presidência do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG). “Nosso foco é recolocar o Iepha em uma discussão contemporânea e, ao mesmo tempo, fortalecer as políticas públicas de patrimônio em consonância com as de cultura”.

Você ocupava um cargo de destaque em âmbito nacional (superintendente do Iphan). Por que a opção, agora, de assumir o Iepha?

Primeiro, por uma questão de proximidade e afinidade. Fiz parte da equipe do atual governador quando ele era prefeito de Belo Horizonte. Agora, temos uma perceptiva de reencontrar essa equipe, mas em outro lugar, sob a perspectiva do Estado, e com novos conhecimentos adquiridos. Segundo, a importância do Iepha e a busca pela volta da centralidade do órgão.

Centralidade?

Um dos nossos desafios é retomar esse lugar de centralidade. Por vários motivos, nos últimos anos, isso se perdeu. Não só em relação à discussão de uma política estadual de cultura quanto de patrimônio. O Iepha acabou assumindo apenas trabalhos de rotina, com pouca visibilidade.

Quais os primeiros passos para se fazer isso?

Uma sinalização importante foi a retomada da gestão do Circuito Cultural da Praça da Liberdade. Não podemos só dizer que este é um projeto estruturador. Tem que concebê-lo. Não é simplesmente ocupar prédios públicos com equipamentos culturais, fazendo parcerias. É compreender o espaço e elaborar um plano de gestão.

Qual o principal desafio do Circuito Cultural?

Temos que pensar não apenas no público já atendido, formado por pessoas da zona Sul da capital, mas na cidade como um todo. Para pessoas que sequer sabem o que é a Praça da Liberdade, ou sabem porque passam de ônibus ou vão lá apenas durante a decoração de Natal. Temos que potencializar a apropriação simbólica e prática do local com outros atores e grupos sociais que vivem em BH. Em seguida, ir além, pensando na proposta de regionalização. Incorporar novos valores, discussões e desejos trabalhados em outras regiões do Estado. E deve se pensar, também, no aspecto nacional e até internacional como espaço importante de fomento do turismo.

Como conciliar o grande volume de público em eventos como o Carnaval e a preservação da Praça da Liberdade?

O uso de espaços tombados não prejudica a conservação. Ao contrário, a preservação do patrimônio pressupõe que esses locais sejam cada vez mais utilizados. Mas, para isso, é preciso se pensar em regras para a boa convivência. É preciso também pensar em como esses usos, durante os eventos, podem ser incrementados dentro do próprio circuito. O Carnaval não é um problema. Porém, temos que iniciar uma discussão de como a festa vai se apropriar dentro da área como outra atividade do circuito.

Alguma mudança já prevista?

O Iepha tem um papel articulador e não impositivo. Tudo precisa ser discutido. Talvez a concentração de blocos na praça não seja tão interessante, pois quando isso ocorre se tem um acúmulo de pessoas naquele espaço ao mesmo tempo. Uma opção seria os cortejos só passarem pela praça, pois o impacto seja menor. O Carnaval tem que ser entendido como um potencializador da apropriação, uso e conhecimento do Circuito. A festa é um exemplo de importante manifestação e precisa ser valorizada.

Atualmente, existem em Minas os registros de bem imaterial do modo artesanal de fazer queijo, da festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Chapada do Norte e da comunidade dos Arturos, em Contagem. Qual será a linha de atuação para preservar novas manifestações?

O procedimento será mantido o mesmo: o inventário e o registro. O que estamos tentando é dinamizar a atuação. A ideia é não trabalhar as manifestações de forma isolada, mas pensar o Estado como um todo. Ou seja, quando formos fazer um inventário, que ele seja não só de uma comunidade. Quais são as outras tradições que se parecem ou têm a mesma estrutura? Assim, se consegue mapear o Estado e se constrói um banco de informações com proteção mais abrangente.

Dentro dessa perceptiva de proteção, os conselhos municipais de patrimônio têm papel fundamental, principalmente para cobrar das prefeituras a preservação dos bens. Como fortalecer esse diálogo?

Quando se pensa no patrimônio imaterial é preciso retomar as discussões dentro dos conselhos formalmente criados e vinculados à administração pública. É preciso potencializar as políticas de salvaguarda, ou seja, uma gestão para manter viva aquela atividade dentro da comunidade que detém o saber. Os órgãos de proteção têm que dar sustentabilidade a esse bem.

Hoje as prefeituras se preocupam mais com a questão do patrimônio ou ainda faltam equipes técnicas qualificadas?

As ações que dizem respeito ao patrimônio cultural têm uma construção lenta. Não se dá como passe de mágica. Temos um discurso comum, mas, na prática, sabemos que as dificuldades são grandes. Acho que demos um salto, mas ainda há uma série de desafios, como falta de quadros especializados, monitoramento e acompanhamento das ações, atuação dos conselhos, recursos públicos para dar fim a projetos de restauração. Enfim, tudo depende da prefeitura e da realidade administrativa do município.

Como está o processo de candidatura da Pampulha a Patrimônio Mundial?

A Pampulha é uma área que tem todos os tipos de proteção possíveis: tem tombamentos municipal, estadual e federal. É uma Área de Diretrizes Especiais. Ou seja, tudo para proteger a Pampulha já existe. Mas, ao mesmo tempo, temos vários desafios. O dossiê foi concluído e entregue à Unesco. Os próximos passos são a análise do dossiê e a visita técnica da Unesco, entre julho e setembro. O resultado deve ocorrer durante reunião prevista para julho de 2016.

Nesse prazo de pouco mais de um ano será possível sanar os principais desafios?

Há dois tipos de desafios: gestão e restauração e conservação e manejo das edificações. O primeiro está em curso. É o dever de casa. Os três órgãos envolvidos (PBH, Iepha e Iphan) têm que colocar em funcionamento esse plano de gestão. Já as intervenções físicas estão bem encaminhadas. A igrejinha e o museu estão com obras previstas e recursos assegurados, a Casa do Baile já teve a restauração concluída, o jardim de Burle Marx está encaminhado por meio de uma medida compensatória, alguns inclusive já foram restaurados. A lagoa é um problema complexo, mas está bem equacionado. Foi feito todo um plano de manejo e o importante é que todas as etapas sejam concluídas. Desafios importantes estão sendo superados.
 

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