(Riva Moreira )
Pelo menos 26 reclamações de desrespeito à Lei do Silêncio foram registradas diariamente na capital no primeiro bimestre. Bares, boates e casas de show respondem por 70% das queixas, segundo informações da Secretaria de Políticas Urbanas de Belo Horizonte.
Na maioria dos casos, o incômodo dos moradores vem do volume do som utilizado nos estabelecimentos, sempre acima dos limites fixados pela legislação municipal.
Na Pampulha, o bairro Ouro Preto – que está entre os cinco que mais registram reclamações junto à PBH – concentra o problema na avenida Fleming, principal reduto de bares da região.
Reginaldo Andrade, de 75 anos, e a esposa Laura Andrade, de 73, moram há quase três décadas no local e contam que as noites tranquilas e silenciosas deram lugar a uma agitação sem controle, que acabou trazendo insônia ao casal.
Vizinhos do bar Altas Horas, eles afirmam que há cerca de dois anos são obrigados a conviver com o barulho que, nos fins de semana, atravessa a madrugada. A reportagem do Hoje em Dia visitou a residência, acompanhada do engenheiro de segurança do trabalho Geraldo Soares, da PS Controles, empresa especializada em medição de ruídos, e constatou o excesso. Riva Moreira / N/AEXCESSOS - Após às 22h, ruídos em casa de moradores do Ouro Preto ultrapassa os 81 decibéis
Dentro do quarto dos idosos, o decibelímetro chegou a medir 81,3 decibéis após as 22h, 35% mais do que o limite permitido para o horário. De acordo com a prefeitura, o bar possui nove multas por poluição sonora e sete por desobediência à interdição. O caso “está sendo analisado pelo Ministério Público”.
“Só durmo à base de remédios”, relata Laura. “O que mais nos revolta é a omissão dos órgãos responsáveis diante desse desrespeito”, destaca.
Generalizado
O problema atinge também moradores de ruas paralelas à Fleming. É o drama da coordenadora de comunicação Fernanda Marques, que afirma já ter protocolado mais de 70 reclamações no Disque Sossego, em um período de aproximadamente um ano.
Ela conta que o Beb’s Bar foi um dos primeiros estabelecimentos a adotar música ao vivo como atrativo, influenciando outros comerciantes.
Localizado do lado oposto da avenida, quase em frente ao Altas Horas, o Beb’s tem nada menos que 17 autuações por poluição sonora, segundo informações da PBH. A casa conta com liminar judicial, que garante a continuidade das atividades.
Fernanda afirma que, apesar de os fiscais do município já terem constatado as infrações inúmeras vezes, nenhuma atitude efetiva foi tomada para sanar o problema. “Como esses bares ainda têm alvará de funcionamento depois de tantas multas?”, questiona. Riva Moreira
Bar na avenida Fleming tem nove multas por ruído e sete por desobediência à interdição
Contravenção
Professor de direito civil da UFMG, o advogado César Fiúza explica que a perturbação do sossego alheio consta na Lei de Contravenções Penais e pode motivar prisão e multa, independentemente do nível de decibéis em questão.
“O problema é que a norma não é cumprida. Se um desses estabelecimentos fosse fechado, possivelmente haveria mudança na postura dos outros”, afirma Fiúza.
Posicionamento
Proprietário do bar Altas Horas, Pedro Henrique Anchieta afirmou, por telefone, que o local está passando por obras para reduzir o nível de ruídos emitidos. “Sempre dialogamos com os moradores, mas não adianta. Até a conversa dos clientes e o som do exaustor da casa é motivo de reclamações”, ressalta.
Gustavo Vilela, proprietário do Beb’s, afirma que o estabelecimento tem projeto adequado para utilização de som e que medições anteriores já provaram que os limites da lei estão sendo respeitados. “A população tem que entender que a cidade muda e ruído zero jamais vai existir”, pondera.
Em Santa Tereza, som chegou a 78,4 decibéis após as 23h, 30% a mais do que o limite
Nos bairros de tradição boêmia na capital, o problema é recorrente. No Santa Tereza, na região Leste, um dos alvos de reclamação recente é o Déjà-vu Santê, localizado na rua Mármore, nos arredores da Praça Duque de Caxias.
Um morador que pediu para não ser identificado afirma que fiscais da PBH já fizeram a medição de ruído no local e constataram a infração. No entanto, os excessos permaneceriam.
A reportagem do Hoje em Dia visitou o apartamento do morador em uma noite de sexta-feira e verificou que o nível de ruído chegou a 78,4 decibéis após as 23h, 30% a mais do que o limite permitido.
“O problema é que hoje não há nenhum mecanismo que faça com que eles obedeçam à lei”, protesta o morador. “Não somos contra a diversão, o problema é a falta de respeito”, diz. Segundo a Secretaria Municipal de Políticas Urbanas, o bar já recebeu três multas por poluição sonora.
Segundo Tiago Guedes, proprietário do Déjà-vu, o estabelecimento não tem mais colocado música ao vivo desde que foi multado. Ele afirma que o local passará por obras de adaptação para que o nível de ruídos seja reduzido.
“O que mais incomoda os vizinhos não é nem a música, mas a conversa das pessoas que o bar reúne por ser muito atrativo”, diz. “São fatores externos que fogem ao nosso controle”, completa Guedes.
Legalidade
Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas (Abrasel-MG), Ricardo Rodrigues ressalta que, em muitas regiões de BH, o “barulho de fundo da própria cidade” ultrapassa o volume de ruído emitido pelos bares.
Ele afirma, ainda, que a conversa dos clientes dentro desses locais pode causar mais barulho do que a música. Rodrigues pondera, no entanto, que a orientação da associação é a de sempre primar pelo que está estabelecido em lei.
“O estabelecimento que desrespeitar a legislação deve, sim, ser advertido. Já fizemos um trabalho intenso na rua Alberto Cintra (bairro União, na região Nordeste) e deu certo. Na avenida Fleming ainda não fomos solicitados”, explica.
Segundo a PBH, as reclamações relativas à perturbação do sossego se concentram no Centro, Savassi, Lourdes, Ouro Preto e Santa Tereza.
As queixas relativas ao descumprimento da Lei do Silêncio podem ser feitas junto à prefeitura pelo telefone 156, no endereço pbh.gov.br/sac ou ainda no BH Resolve, que fica na avenida Santos Dumont, 363, no Centro da capital.Editoria de Arte
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