Moradores e bombeiros conseguiram evitar que a tragédia de Mariana tivesse dimensão maior

Ernesto Braga
eleal@hojeemdia.com.br
04/11/2016 às 20:51.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:31
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

“Quem nos salvou foi Deus”. O líder comunitário José do Nascimento de Jesus, de 70 anos, se apega à fé ao expressar o sentimento que carrega por ter escapado da morte no dia em que Bento Rodrigues foi engolido pela lama. Mas, além da mão divina, Zezinho do Bento, como ele é chamado, teve papel decisivo para que a tragédia não tivesse proporções ainda maiores.

Era uma tarde de quinta-feira, 5 de novembro de 2015, quando a tranquilidade do distrito de Mariana foi quebrada abruptamente pela notícia de que a barragem de Fundão havia estourado. “Minha primeira providência foi entrar em contato com uma rádio de Ouro Preto, para que a notícia chegasse mais rápido ao Corpo de Bombeiros”, relembra Zezinho.

No encerramento da série de reportagens sobre um ano da maior tragédia socioambiental do Brasil, o Hoje em Dia destaca gestos heróicos como a do líder comunitário diante do desastre. Antes da chegada do socorro, ele foi para as ruas espalhar o sinal de alerta e ajudar a levar as pessoas para o ponto mais alto do vilarejo.

400 homens do Corpo de Bombeiros chegaram a atuar juntos na busca por sobreviventes e corpos em Bento Rodrigues

“Foi uma mobilização grande. De moto, uma moradora foi de casa em casa dando o aviso. Funcionários da empresa que faziam uma nova captação de água também ajudaram demais, transportando muita gente em um caminhão”, destaca.

As professoras do grupo escolar também tiveram atuação fundamental. “Conseguiram retirar as crianças e levá-las para o local seguro com muita rapidez”, diz Zezinho.

Pelo ar

Por volta das 16h40 daquele fatídico dia, o tenente Leonard Farah, comandante da Companhia de Buscas e Salvamentos do Corpo de Bombeiros, recebeu o comunicado da tragédia. “Seguimos em dois helicópteros para o local, com quatro bombeiros em cada aeronave”. 

Pelo alto, o oficial viu um dos cenários mais desoladores nos 13 anos de carreira dele. “Pensei que todo mundo tivesse morrido. Um dos helicópteros desceu em Bento Rodrigues e o outro, em que eu estava, seguiu o fluxo da lama para avisar as pessoas em outras comunidades”.

Graças a essa iniciativa, os bombeiros conseguiram salvar os moradores de Paracatu de Baixo. “Quando chegamos lá, as pessoas acenavam para a gente, sem saber o que estava acontecendo. Era uma comunidade com cerca de 250 pessoas, com muitos idosos e crianças de colo. Quando falamos do rompimento da barragem, começou o desespero. Felizmente, conseguimos levar todo mundo para a parte alta do distrito”, conta o tenente Farah, que coordenou as buscas. 

Os moradores foram levados para a área onde fica o cemitério do povoado, que não foi atingida pela avalanche de lama. “Sem dúvida, a tragédia teria sido maior se não tivesse dado tempo de chegarmos a Paracatu de Baixo”, avalia o oficial.

“De moto, uma moradora foi de casa em casa dando o aviso. Funcionários de uma empresa que faziam uma nova captação de água transportaram muita gente em um caminhão” (Zezinho do Bento, líder comunitário)

Líder comunitário de Bento Rodrigues recebe homenagem pelo ato de bravura no desastre

O ato de heroísmo de Zezinho do Bento foi reconhecido pelo Corpo de Bombeiros. “Ele foi essencial no trabalho de buscas pelos moradores no momento de pânico. Por ser líder comunitário, conhecia todo mundo e indicou onde ficavam as casas dos moradores de Bento Rodrigues”, destaca o tenente Leonard Farah.

Pelo gesto de bravura, Zezinho do Bento foi homenageado pela corporação. “Me levaram para Belo Horizonte, onde recebi a homenagem. É gratificante, apesar de tudo que aconteceu”, emociona-se o morador de Bento. 

Depois que ajudou a retirar as pessoas da rota da lama em Paracatu de Baixo, o tenente Farah seguiu para o distrito vizinho. “De 188 casas de Bento Rodrigues, apenas 33 não foram atingidas. Conseguimos salvar três pessoas que estavam sendo arrastadas”, relembra.

Começava no início daquela noite um árduo trabalho que duraria dois meses ininterruptos. “Sem a luz natural, o helicóptero não pode sobrevoar. A aeronave foi embora e ficaram dez militares para ajudar as pessoas. O acesso por terra estava interrompido. Conseguimos um trator e passamos a madrugada cavando, sem luz nem água, para abrir uma comunicação com Mariana”, diz o oficial.

Na manhã do dia seguinte, os moradores foram levados para a cidade. 

Resgate ameaçado pelo risco do rompimento de outra barragem

Além de toda a dificuldade para ajudar os moradores de Bento Rodrigues que ficaram ilhados na madrugada do dia posterior ao vazamento da lama, os homens do Corpo de Bombeiros precisaram ter sangue frio para lidar com uma ameaça. 

“Fomos comunicados que havia o risco de a barragem de Germano, que é muito maior que a de Fundão, também se romper. Se isso acontecesse, morreríamos todos, porque o rejeito chegaria ao ponto onde estávamos”, diz o tenente Leonard Farah.

Depois que as pessoas que perderam as casas foram levadas para Mariana, os militares iniciaram as buscas pelos desaparecidos. “Tivemos que esperar até as 13h do dia 6 (de novembro de 2015) a confirmação técnica de que a lama que vazou não era tóxica. Havia essa dúvida, e antes dessa confirmação não poderíamos começar o trabalho de campo”, destaca o oficial.

As buscas pelos mortos foram encerradas dois meses depois. Dezoito corpos foram localizados, sendo 14 de funcionários da Samarco. Uma das vítimas não foi encontrada.

“Houve localização de corpo a mais de 130 quilômetros de distância de onde ocorreu o rompimento da barragem. Algumas áreas ficaram com mais de 30 metros de lama, que se solidificou, tornando humanamente impossível encontrar a 19ª vítima”, explica Farah. 

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