Morte de neto de Lula por meningite promove corrida por vacina e já há postos com estoque esgotado

José Vítor Camilo*
11/03/2019 às 15:48.
Atualizado em 05/09/2021 às 17:44
 (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

(Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Um estoque de cerca de 500 doses de vacina esgotado em apenas três dias e aumento de até 300% na procura pelo medicamento. Este foi o balanço da comercialização de vacinas contra a meningite em Belo Horizonte, uma semana após a morte do pequeno Arthur Araújo Lula da Silva, de 7 anos, neto do ex-presidente Lula, vitimado pela doença no último dia 1º de março. A tragédia promoveu uma corrida de pais aos laboratórios, onde os preços das vacinas variam bastante. No caso da mais procurada delas, do tipo meningocócia B, o valor vai de R$ 518 a R$ 597. 

No bairro São Francisco, na região da Pampulha, o Centro de Excelência em Saúde do Sesc, é um dos pontos onde é possível encontrar doses das vacinas contra a meningite com preço mais competitivo. Renato Romano, gerente da unidade, relata que, após a morte do neto do ex-presidente, o estoque de quase 500 doses da vacina meningocócica B acabou em três dias. "Nós já pedimos para a empresa repor o nosso estoque, o que deve ocorrer ainda nesta semana", garante. 

Na unidade, qualquer pessoa pode comprar a vacina, porém, trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo, com a carteirinha do Sesc em dia, possuem um subsídio que reduz ainda mais o preço da vacina. "Todas as vacinas do calendário público a gente oferece também - infantil e adulto. Nesse caso basta a pessoa levar a carteira de vacinação, um documento da criança e CPF. A diferença é que, nos postos de saúde, esse atendimento acontece só de segunda a sexta, enquanto nós atuamos também aos sábados", aponta Romano. O Centro de Excelência em Saúde do Sesc, localizado na rua Viana do Castelo, 645, bairro São Francisco, funciona de 7h às 18h durante os dias de semana e de 7h ao meio-dia aos sábados. 

Já nas 19 lojas do laboratório Hermes Pardini que oferecem o serviço em BH, foi registrado um aumento de 80,32% nas vendas das vacinas contra meningite nos seis primeiros dias de março, mesmo coincidindo com a data do Carnaval, período em que a procura por vacinação costuma ser menor. Se em março de 2018 a média de venda foi de 39 vacinas por dia, com um total de 1.212 vendidas em todo o mês, nos primeiros dias de março deste ano a média registrada foi de 70 vacinas ao dia.  "Não vi ainda nenhuma confirmação de morte de meningite nas secretarias estadual e municipal, então eu acredito sim que essa notícia (da morte de Arthur) pode ter influenciado", avalia o epidemiologista e mestre em doenças tropicais José Geraldo Leite Ribeiro, assessor científico em vacinas do Hermes Pardini.

Ele explica que os casos da doença atualmente são considerados pouco comuns, porém, quando ocorrem, são muito graves. "É uma doença que se manifesta muito rápido e, quando não mata, pode deixar sequelas. Por isso é tão importante fazer essa imunização. Felizmente, desde que a vacina menigocócica B foi incluída no calendário de vacinação nacional os casos da doença diminuíram bastante", completa. 

Procurado, o laboratório Lustosa afirmou que a procura pelas vacinas que previnem os vários tipos de meningite sofreu um aumento de 300% nos primeiros dias de março. Conforme a assessoria da empresa, números das vendas da vacina não seriam divulgados por questões estratégicas.

Entenda como funciona o calendário de vacinação

No calendário do Ministério da Saúde, as vacinas gratuitas contra a meningite são ministradas de acordo com a idade das crianças, sendo disponível somente a do tipo C, que é a mais comum no país. A primeira dose é dada aos 2 meses e novas doses são ministradas a cada mês da criança até que ela complete seis meses. Depois disso, uma nova dose é dada quando a criança completa 1 ano. Depois a vacina contra a meningite só volta a ser disponibilizada para adolescentes de 11 a 14 anos. A partir daí, a vacinação só é recomendada em casos específicos, como portadores de doenças que diminuem a imunidade e idosos. 

BH já registrou 12 casos da doença em 2019, mas nenhuma morte

Em 2019, segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), foram registrados 12 casos de meningite em Belo Horizonte, sendo um deles meningocócico, o mesmo que matou o neto do ex-presidente. Entretanto, até  momento, não foi registrada nenhuma morte na capital mineira. 

No ano passado, foram 190 casos da doença, sendo nove deles meningocócicos. Deste total, 23 evoluíram para morte. "Em 2018, a cobertura vacinal da meningocócica C foi de 88,5% para menores de 1 ano e de 80,8% em crianças de 1 ano de idade. A meta do Ministério da Saúde é a cobertura vacinal de 95% dessa população. A vacina meningocócica está disponível nos 152 Centros de Saúde de Belo Horizonte", concluiu a secretaria.

O Hoje em Dia conversou com o coordenador de Doenças e Agravos Transmissíveis da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Gilmar José Coelho Rodrigues. Segundo ele, somente em janeiro e fevereiro deste ano foram 109 notificações confirmadas de meningite em Minas Gerais, sendo que seis desses casos evoluíram para óbito. No mesmo período de 2018 foram 329 casos confirmados e 28 óbitos, o que representa uma diminuição de 33,1% dos casos confirmados e 21,4% nas mortes. 

"Estamos falando de uma doença que pode ocorrer em qualquer município, mas que a maioria dos casos está na Região Metropolitana de BH por conta do porte habitacional. Existem vários agentes causadores da meningite, mas a de maior incidência, que é a bacteriana, está incluída no calendário de vacinação", disse o coordenador. 

Rodrigues afirma que, para evitar a meningite, algumas medidas podem ser adotadas, mas a principal delas é manter o cartão de vacina em dia. "Evitar locais com pouca ventilação e ter cuidados com a alimentação e com a saúde são algumas das coisas que também podem ser feitas para evitar", alerta. 

O coordenador afirma ainda que, em Minas Gerais, o índice de cobertura das vacinas de meningite está abaixo dos 95% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). "A nossa cobertura básica é feita por grupos: crianças e adolescentes. Em 2018, para menores de 1 ano conseguimos atingir 88% e o primeiro reforço está em 85%. Já para adolescentes de 11 a 13 aos, este índice está muito abaixo do recomendado para proteção, com 35% apenas vacinados".

A doença

De acordo com o Ministério da Saúde, a meningite consiste basicamente no processo inflamatório das meninges, que são as membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal. A enfermidade pode ser causada por vários agentes diferentes e, também, por processos não infecciosos, como medicamentos e tumores. Entre os agentes infecciosos, são considerados mais importantes as meningites bacterianas e virais, por terem um capacidade maior de causar surtos e, no caso da bacteriana, também por sua gravidade. 

O médico infectologista Rodney Martins Neto explica que a doença é considerada endêmica, quando casos são esperados ao longo de todo o ano, com ocorrência de surtos e epidemias vez ou outra. "No caso do neto do ex-presidente foi uma meningite meningocócica, que é bacteriana. Essa doença tem a característica de transmitir de uma pessoa para outra e, por isso, também é considerada a mais comum", explica o especialista. 

A meningite possui uma taxa de letalidade considerada alta, principalmente quando há demora no diagnóstico, já que se trata de uma efermidade que evolui de forma muito rápida. "Tem gente que agrava o quadro de um dia para o outro, outros ficam cerca de três dias com os sintomas antes de piorarem. Mas geralmente evolui muito rápido, principalmente na meningocócica", completa o médico. 

Como existem vários tipos diferentes da doença, não há uma forma específica de prevenção, mas, felizmente, existem vacinas para todos os casos. "São vários os tipos e, por isso, são várias as vacinas que são disponiblizadas tanto na rede pública como privada. Não é uma vacina que todo mundo tem que tomar, normalmete são crianças e populações especiais, portadores de doenças que baixam a imunidade. A não ser em casos de surto em alguma região, pois aí vacina-se a população toda, inclusive adultos", lembra Neto. 

Apesar das vacinas não terem garantia de prevenção de 100% da doença, o risco de infecção é muito pequeno, sendo considerado desprezível pelos médicos. "O problema é que existem vários tipos diferentes desta bactéria: Meningococos A, B, C, D. A gente não pode afirmar que o neto do Lula não tomou a vacina, mas o que pode ter ocorrido é dele ter se imunizado contra uns dos tipos da bactéria e ter sido infectado por um que não estava protegido", pondera o médico. 

O médico explica ainda que a contaminação é feita por meio do contato com secreção respiratória da pessoa doente. "Se falar muito perto, tossir no rosto ou se dormir no mesmo quarto. Não é o contato eventual, tem que ser contato de tempo prolongado. No caso de pais dessas crianças e colegas de escola, por exemplo, existe uma forma de prevenção que é o uso de antibióticos de forma preventiva", conclui. (Colaborou Renata Evangelista)

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