'Não é não': mulheres querem distribuir 10 mil tatuagens contra assédio no Carnaval de BH

Juliana Baeta
16/01/2019 às 18:16.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:04
 (Paula Molina e Henrique Fernandes)

(Paula Molina e Henrique Fernandes)

Apesar de parecer simples e óbvia, a afirmação de que "não é não" ainda precisa ser repetida constantemente em paqueras que se tranformam em assédio. A frase vai estampar muitos corpos femininos no Carnaval de BH deste ano - independentemente de como estiverem vestidos -, graças a um grupo de mulheres cariocas que disseminou a iniciativa em 2017 e a tornou moda em BH desde o ano passado.    

Em 2018, cerca de cinco mil tatuagens temporárias com os dizeres "não é não" foram distribuídas durante a folia momesca na capital; a meta agora é dobrar este número no Carnaval de 2019, distribuindo pelo menos 10 mil tatuagens entre as foliãs. Para isso, foi criada uma campanha de financiamento coletivo que pretende arrecadar R$ 15 mil até esta sexta-feira (18), no endereço benfeitoria.com/naoenaomg.

Segundo a advogada Lívia Maris, de 35 anos, uma das mulheres à frente da iniciativa, o projeto que nasceu no Rio de Janeiro em 2017 acabou se pulverizando por outros estados, incluindo Minas, onde o Carnaval da capital vai arregimentar nada menos que 590 blocos neste ano. "No ano passado a aceitação destas tatuagens temporárias no Carnaval de BH foi incrível, chegando ao ponto de os estoques acabarem e as pessoas continuarem nos procurando e perguntando onde encontrar", conta.

A novidade deste ano é que a campanha está sendo tocada pelos próprios Estados, em vez de serem encabeçadas pelo grupo de criadoras cariocas, como aconteceu em 2018. "No ano passado, o financiamento coletivo era nacional e o dinheiro arrecadado, distribuído entre as cidades. Mas este ano o coletivo entendeu que os carnavais das regiões do Brasil são diferentes", explica Lívia.

Além de Minas, também estão participando da campanha os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Paraná e Pará, cada um com sua própria campanha de financiamento. 

Em BH, a iniciativa conta com a parceria de 37 blocos - até essa quarta-feira - e 15 marcas administradas por mulheres. As doações para a campanha podem ser feitas em valores a partir de R$ 10,00 e as recompensas variam entre canecas, ecobags e camisetas estampadas com dizeres de posicionamento contra o machismo, adereços de Carnaval, além de serviços como cursos de automaquiagem e ensaios fotográficos. Lívia lembra que todas as recompensas são produzidas e oferecidas por mulheres. 

As tatuagens temporárias serão distribuídas gratuitamente para as foliãs e também para as integrantes mulheres dos blocos durante a folia. Outra forma de garantir a marca "não é não" no corpo é fazer alguma doação para a campanha, já que o item também integra as recompensas.    Saulo Duarte 

'Tatuagens' serão distribuídas apenas às mulheres 

Rede de proteção

O coletivo mineiro de mulheres que toca a campanha pretende lançar ainda, até o fim deste mês, uma cartilha de sugestões para os blocos parceiros sobre como agir em casos de assédio durante os cortejos. 

"Com a campanha, nós queremos criar uma espécie de barreira de proteção entre as mulheres. Quando carregamos essa 'bandeira' na pele, criamos uma identificação entre elas e nos sentimos seguras. Infelizmente, no Carnaval, muita gente ainda confunde assédio com paquera e pensa que os corpos de mulheres e pessoas da comunidade LGBTQI são públicos. Uma das sugestões que trazemos para as mulheres que passarem por situações de assédio na folia, por exemplo, é procurar por outras mulheres que estejam próximas, onde com certeza elas encontrarão acolhimento", conta Lívia. 

Só no Carnaval do ano passado, pelo menos 80 mulheres foram parar na delegacia denunciando violências como assédio, tentativa de estupro, agressão e abusos domésticos em BH, o que representou 16 relatos por dia durante a folia. 

O major Flávio Santiago, porta-voz da Polícia Miltar de Minas Gerais, lembra que desde o ano passado a corporação tem uma Companhia de Prevenção à Violência Doméstica, que trata também destes casos de assédio. "Estaremos ávidos no Canraval em pontos estratégicos para que todas as mulheres que se sentirem ameaçadas ou sofrerem qualquer tipo de assédio sejam atendidas e que as providências sejam tomadas imediatamente. Neste grandes eventos, a PM, inclusive, mantém equipes em condiçõe de que as solicitações sejam atendidas por um aceno de mão", conta. 

Carnaval politizado 

A produtora Renata Chamilet, de um dos blocos parceiros da campanha, o Chama o Síndico, lembra que para o Carnaval ser, de fato, uma festa democrática, ele tem que ser seguro e confortável para todos, inclusive, para as mulheres. "Há uma cultura de que no Carnaval tudo é permitido, mas isso só é válido se todas as partes envolvidas estiverem de acordo. É bom lembrar também da própria construção do Carnaval de BH, que renasceu em meio a protestos e luta pela ocupação das ruas". 

Ela também ressalta que as mulheres foram determinantes nesta construção e que, inclusive, estão à frente, regendo, conduzindo, ou na bateria de muitos dos blocos da cidade. "Por isso é bom ter campanhas como esta do 'não é não' para situar também as pessoas que estão chegando de outras cidades onde talvez não exista a mesma cultura do Carnaval de BH, que é de luta e politizado", conclui. 

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