Mulheres unidas contra o assédio: casos de repercussão ajudam a romper barreira do silêncio

Tatiana Lagôa
tlagoa@hojeemdia.com.br
04/04/2017 às 20:20.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:00

“Mexeu com uma, mexeu com todas”. Com essa bandeira, várias mulheres, incluindo famosas, tentam dar um basta à violência de gênero que é histórica e acontece diariamente no país. A ação, motivada por assédios e agressões praticadas por pessoas públicas, como o ator José Mayer e o cantor sertanejo Victor, marca um novo ciclo. O movimento de ruptura do silêncio poderá, a longo prazo, reduzir a estatística de 12 mil mulheres vítimas de investidas contra a integridade física delas no país a cada dia, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Segundo um estudo do Centro Integrado de Informações de Defesa Social do governo de Minas, todos os dias, no Estado, 367 mulheres sofrem algum tipo de agressão. Isso é só uma parte do problema, uma vez que a maioria (89%) não procura uma delegacia após o ocorrido, segundo estudo do FBSP e não entra nas estatísticas.

“A Lei Maria da Penha cita cinco tipos de agressão: moral, social, sexual, física e psicológica. Mas abre espaço para que outros tipos sejam motivo de punição. Normalmente, porém, são denunciadas só as físicas, que deixam marcas”, afirma a desembargadora e superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência, Karin Emmerich. 

coordenadora da ABM)

Mas essa realidade tem mudado aos poucos. Ontem, por exemplo, foi um dia emblemático para a causa feminista no país. De um lado, o ator José Mayer foi a público pedir desculpas pelo assédio sexual que teria praticado contra uma figurinista da Rede Globo. Ele foi suspenso pela emissora por tempo indeterminado em decorrência do episódio. Da mesma forma, o cantor Victor, suspeito de agredir a esposa grávida, foi indiciado pela Polícia Civil e tentou se justificar em um vídeo.

Repercussão

Em resposta, dezenas de mulheres famosas, como as atrizes Tatá Werneck, Débora Falabella e Bruna Marquezine, dentre outras, comemoram nas redes sociais o fim do silêncio feminino frente à violência. O slogan “Mexeu com uma, mexeu com todas” foi citado e estampado em camisas pelas artistas.

“Acredito que passamos muito tempo caladas, aceitando o que era posto. Agora, nós mulheres de diferentes idades reencontramos nossa força e sabemos que somos muitas”, comemora uma das administradoras da página na internet que leva o nome do slogan, a fotógrafa Cristina Maranhão.
O perfil da iniciativa dela tem mais de mil curtidas. “O feminismo não sumiu de 1970 para cá. Mas as redes sociais possibilitaram que as mulheres se organizassem e percebessem que não estamos sozinhas”, afirma.

Para a coordenadora da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, Tetê Avelar, é início de um novo ciclo. “Quando o sujeito põe a mão no órgão genital de uma mulher e ela tem coragem de denunciar, como aconteceu no caso do José Mayer, dá força para outras pessoas abrirem a boca. E quando uma empresa de comunicação se posiciona e o suspende, mostra que há consequências desse tipo de ato. Isso nunca aconteceria no passado”. 

Coordenadora estadual da União Brasileira de Mulheres (ABM), Renata Adriana Rosa também comemora o avanço. Porém, lembra que é só o início. “Estamos começando a romper com o processo de opressão histórica das mulheres no país. Mas continuamos sofrendo violências de todos os tipos. Muitos ainda acreditam que exista uma superioridade masculina a ser respeitada. Temos que dar um basta nisso também”, afirma.

‘Pela minha filha, o que eu fiz eu faria de novo’, diz cantor

Após ser indiciado pela Polícia Civil, o cantor sertanejo Victor Chaves se pronunciou pela primeira vez sobre as denúncias de agressão contra a mulher dele, Poliana Bagatini, grávida do segundo filho do casal. Segundo o artista, ele agiu em um ato de desespero e, pelas circunstâncias, faria tudo novamente.

“Fui indiciado legalmente por vias de fato, contravenção, ou seja, não machuquei ninguém. O quepratiquei foi um ato de desespero para conter uma pessoa que estava completamente fora de si, de pegar uma criança de um ano. E, pela minha filha, o que eu fiz eu faria de novo. Tudo está sendo apurado devidamente”, afirmou o cantor em um vídeo publicado no Instagram.

Dias depois da denúncia à polícia, Poliana voltou atrás e, em uma postagem no Instagram, disse não ter havido agressão

Em comunicado à imprensa, a Polícia Civil informou que o cantor foi indiciado por contravenção penal, prevista no artigo 21 do Decreto Lei 3.688/41, por vias de fato - que pode ser com a utilização de tapas, chutes ou outras agressões que não deixam a vítima lesionada. A decisão foi baseada nas análises das imagens das câmeras de segurança do prédio onde o casal mora e no depoimento de Poliana Bagatini.

Relembre o caso

A esposa de Victor procurou uma delegacia em BH, em 24 de fevereiro, para prestar queixa contra o marido. Ela contou ter sido agredida pelo cantor, jogada no chão e recebido chutes. A confusão teria começado quando o artista levou a filha do casal, de um ano e um mês, para a casa da mãe dele sem autorização de Poliana. 

Em 13 de março, a Divisão Especializada no Atendimento à Mulher, ao Idoso e à Pessoa com Deficiência anunciou que o laudo do Instituto Médico-Legal sobre lesão corporal contra Poliana deu negativo. Na época, entretanto, a polícia deixou claro que ainda aguardava o resultado da perícia realizada nas câmeras de segurança do prédio para concluir a investigação. 

Movimento nas redes sociais

Ontem, diversas personalidades usaram as redes sociais para se manifestar contra o assédio. No Instagram, artistas postaram fotos com camisetas escritas “Mexeu com uma, mexeu com todas #chegadeassédio” ou publicaram imagens com a mesma mensagem. 

Apesar de nem todas declararem a razão da manifestação, alguns nomes, como Astrid Fontenelle, deram indícios de estarem se referindo ao ator José Mayer. “Às vezes começa com um olhar, passa pro ‘como você é linda’, depois coloca a mão na sua cintura... São piadinhas, situações constrangedoras... Chega!”, escreveu.

Bela Gil foi mais direta e falou sobre o caso em postagem no Instagram. “No último dia 31 minha amiga e figurinista Su Tonani publicou um texto admirável pela coragem, força e detalhes sobre o assédio moral e sexual que sofreu do ator José Mayer”, escreveu. “Não podemos mais engolir o constrangimento, a raiva, o medo, a dor, a vergonha, o trauma ou a vontade de gritar. Su Tonani, tô com vc até o fim!”

Atrizes como Bruna Marquezine, Mariana Xavier e Luisa Arraes postaram fotos nas redes sociais. Funcionárias da Globo, como figurinistas e maquiadoras, também participaram da campanha.Editoria de Arte 

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