Na contramão das leis antitabaco, boate anuncia festa com cigarro liberado na Savassi

Ana Clara Otoni (*) - Hoje em Dia
14/03/2013 às 15:15.
Atualizado em 21/11/2021 às 01:53
 (Facebook/Reprodução)

(Facebook/Reprodução)

Uma festa organizada por uma boate na Savassi, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, vai na contramão das leis antitabagistas e campanhas contra o fumo, e promete cigarros liberados no evento marcado para esta sexta-feira (15). Intitulada “Smoking Gun” (arma fumante, na tradução livre) a festa anunciada desde terça-feira (12) nas redes sociais tinha cerca de 90 pessoas confirmadas em um evento criado no Facebook. A responsável pelo marketing da Velvet Club, Lorena Lacerda, explicou que é proibido fumar dentro da boate, que a casa possui uma área de fumante externa para este público, sendo a entrada proibida a menores de 18 anos, e que há seguranças para monitorar o local. Que o evento é uma ação de um dos promoters da casa. "É uma brincadeira, e ninguem é obrigada a fumar. Um dos nossos promoters trouxe essa proposta", revelou Lorena.

Com a proposta de “incendiar a pista” e “cigarro à vontade”  até a 1h, a Velvet Club promovia, em seu site, o evento como uma oportunidade para aqueles que “curtem um cigarrinho”. O médico pneumologista Eliazor Caixeta, porém, classificou a festa de modo bem diferente. “É um desprestígio a todos os esforços que o pais tem feito para conter o tabagismo, que é uma doença grave e que interfere não só no pulmão, mas em todo o organismo”, indignou-se.

Veja a descrição da festa no perfil da boate no Facebook:

Descrição da festa anunciada na página oficial do Facebook da boate Velvet Club (Reprodução/Facebook)

O mesmo defendeu Nathan Araújo, um dos convidados para a festa, no evento publicado pela boate no Facebook. “É uma ótima ideia mesmo, estão indo contra anos de campanha contra o fumo”, publicou na rede. Outro convidado identificado como Vinix Rocha também criticou a iniciativa da boate. “Bom senso passou longe. Tão de parabéns pela sacada genial de marketing (só que ao contrário)” (sic), publicou o internauta.  

O tabagismo é considerado a principal causa de morte evitável em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).O tabagismo vai matar 8 milhões de pessoas ao ano até 2030, conforme a OMS. “Enquanto todo mundo trabalha para diminuir as lesões de cigarro essa festa vem na contramão de tudo o que tem sido feito. É lamentável que exista uma festa pensando dessa forma”, disse o pneumologista.

O médico ainda comparou a proposta da festa na capital mineira à tragédia na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. “Nós acabamos de ver aquilo em Santa Maria. Aqui, as pessoas vão estar expostas ao mesmo tipo de lesão causada pela fumaça. É claro que não deve haver queimadura das vias aéreas como houve lá, onde o calor queimou até a pele das pessoas, mas a irritabilidade das vias respiratórias é a mesma”, explicou.

O estabelecimento  informou, por meio da assessoria de imprensa, que possui autorização da Prefeitura de Belo Horizonte para ocupar o espaço da calçada. Procurada pela reportagem do Hoje em Dia, a administração municipal não informou sobre a liberação do documento para a boate.

Riscos

O médico pneumologista Eliazor Caixeta alerta para os riscos aos quais os jovens estarão correndo ao frequentar uma festa na qual o cigarro é liberado, já que isso pode incitar um comportamento abusivo do fumo. “Pode acontecer uma irritabilidade aguda nas vias áreas devido à exposição muito grande a fumaça. Um jovem que tiver uma tendência a uma asma bronquial pode desencadear uma crise, isso sem falar em alergias, irritação nas vias áreas e sensação de mal estar”, explicou.

Na descrição da festa, o perfil da boate ainda anunciava “E antes de mais nada, já garantimos que não teremos aquele que causa impotência sexual. (UFA!)”. Caixeta é categórico ao dizer que não há nenhum tipo de cigarro com menor efeito nocivo à saúde. “Nem mesmo o cigarro de baixa nicotina, isso é bobagem e já está comprovado. Tanto é que o cigarro faz mal não só para quem fuma, mas para quem é exposto à fumaça”, afirmou o médico.

Segundo o médico, as lesões causadas pelo tabaco são dose/dependente, ou seja, quanto maior o tempo e dose de cigarro, maior será o índice de lesão à saúde. De acordo com ele, os frequentadores do evento poderão sentir os efeitos maléficos da exposição à fumaça dias depois. “É uma agressão brutal ao organismo, não só ao aparelho respiratório, sem contar as consequências crônicas como lesão no pulmão, coração, memória e pele”, afirmou Caixeta.

O que diz a lei?

 

Diversas leis pelo Brasil tentam reduzir o consumo de cigarro e derivados do tabaco. O país conta, há 17 anos, com uma legislação que restringe o uso e a propaganda desses produtos. Em São Paulo, um dos estados mais avançados na temática, a Lei 13.541, de 07 de maio de 2009, proíbe o uso do material no interior de bares, boates, restaurantes, casas de shows, áreas comuns de condomínios e hotéis, dentre outros locais.

Em Minas, algumas ações no mesmo sentido já foram feitas. A Lei 18.552/2009 impede o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de produto semelhante em áreas fechadas de uso coletivo, como danceterias, bares e restaurantes.

Os fumódromos não são previstos na lei federal, embora sejam liberados na legislação estadual e municipal,  devem ser áreas isoladas por barreira física e devem ter arejamento suficiente, ou seja, equipados com aparelhos que garantam a exaustão do ar para o ambiente externo. Os estabelecimentos que descumprirem a lei estão sujeitos a multa de R$ 2 mil a 6 mil. Em caso de reincidência, será fixada em dobro. A multa é direcionada ao dono do estabelecimento, mas ele tem o direito de ingressar com uma ação regressiva contra o fumante que provocou a autuação, que passaria ser responsável pelo pagamento da multa.

Nessa mesma linha, Belo Horizonte também busca aumentar o cerco aos fumantes. Para o vereador Joel Moreira (PTC), autor de um Projeto de Lei em tramitação na Câmara Municipal da capital mineira (CMBH), que prevê a proibição do uso de derivados do tabaco em praças e parques públicos, a ideia da festa chega a ser bizarra.

"As pessoas vão ter que pagar para entrar no evento. Cada um sabe da sua capacidade de se expor ao cigarro", comenta o parlamentar.

Além da questão de saúde, Joel acrescenta que é necessário verificar se o estabelecimento possui realmente capacidade para suportar o encontro de fumantes. "É preciso ver se o local está preparado, para evitar, assim, que haja uma tragédia como outras que já ocorreram pelo país, a exemplo de de Santa Maria", alerta.

Após a repercussão da matéria, o evento criado no Facebook foi alterado, onde acrescentaram "Proibido fumar dentro da boate".

Matéria atualizada às 16h58

(*) Com Milson Veloso e Amanda Paixão.

Confira repercussão da festa no Facebook





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