'Nem todos os esquizofrênicos são agressivos e devem ser internados', defende psiquiatra

José Vítor Camilo
30/10/2019 às 19:14.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:28
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Diagnosticado com esquizofrenia - segundo relatos de familiares à polícia -, o rapaz de 25 anos que assassinou a facadas uma garotinha de apenas 5 anos na manhã desta quarta-feira (30), em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, estava em surto psicótico no momento do crime, conforme a prefeitura da cidade. Ferido, após ser agredido por moradores do bairro Vila Cristina, ele foi encaminhado para uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), onde o quadro de surto foi confirmado pelos médicos.  

Nas redes sociais, diante da comoção causada por um crime tão brutal, é comum que pessoas questionem o porquê do suspeito não estar internado. "Se o assassino era doente, porque ele não estava internado?", questionou uma internauta em uma publicação no Facebook. "Tratamento? Piada viu. Tratamento é queimar ele vivo, isso sim", disse outro. 

Entretanto, cerca de 1% da população mundial sofre da doença, que não tem cura, mas pode ser controlada por meio de medicações e, a grande maioria dos doentes, não apresenta surtos violentos. Por isso, especialistas defendem que o momento é de esclarecer à população que este foi apenas um caso específico e que, por isso, não se deve defender que todos os portadores da doença sejam internados.

Ismael Sobrinho, médico psiquiatra especialista em psiquiatria e psicogeriatria, explica que o surto pscótico em geral é decorrente da esquizofrenia. "Existem algumas características do surto. Uma delas é o que chamamos de delírio, que é um juízo falso da realidade, pode ser de perseguição ou de grandeza. Há também a alucinação, que é quando o paciente pode escutar vozes, ver vultos. Muitas vezes, nas alucinações auditivas, ele pode ter uma voz de comando, produzida pelo cérebro dele, que pode ser o gatilho para que tome alguma atitude agressiva", detalha o especialista. 

Ainda de acordo com o médico, mesmo que o esquizofrênico esteja sendo medicado, os surtos podem acontecer. Porém, os remédios reduzem significativamente o risco do quadro. "A maioria dos pacientes com esquizofrenia, tratados, consegue viver em família, em sociedade, sem necessidade de internação. Infelizmente é a minoria desses pacientes que tem surtos mais graves. Entretanto, o uso de drogas tende a ser maior entre os portadores desta doença do que na maioria da população. A droga pode ser um gatilho até para um paciente estável, ela exerce um efeito neurobiológico ruim", continua Sobrinho. 

Os pacientes com esquizofrenia podem, sim, ter uma vida normal, inclusive trabalhando. "Apesar disso, as pessoas não podem achar que todos os esquizofrênicos devem ser internados. Nem todos são agressivos. A internação só é necessária para um número pequeno e por um período curto, no máximo quatro semanas. Depois que o surto é estabilizado, ele volta para casa e passa a ser acompanhado. As pessoas precisam entender que a maioria absoluta dos esquizofrênicos não são um perigo para si e nem para a sociedade. Esse caso, em específico, foi uma ponta ruim do iceberg, já que há informações de que houve relação com drogas", defende.

Sintomas e opções de tratamento

Ismael Sobrinho explica ainda que, normalmente, os pacientes com esquizofrenia apresentam fases antes de entrar em surto, como ficar agitado, iniciar um discuso perseguitório, humor mais exaltado e agressividade. Quando isso ocorre, o primeiro passo a ser seguido é levar o familiar para o médico para que seja feito um ajuste nos remédios. 

"A principal causa de surtos é justamente envolvendo a má adesão ao tratamento. A primeira coisa que a família tem que entender é que ela tem que supervisionar o tratamento. Se o paciente se recusa a tomar um medicamento, por exemplo, existem mecanismos na rede pública, inclusive com tratamentos injetáveis mensalmente, o que garante o tratamento", explica. 

Os medicamentos para esquizofrenia podem ser obtidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sendo que existem duas classes: os de primeira e segunda geração. Os mais antigos podem ser obtidos nos postos de saúde e, os mais modernos, só são disponibilizados após a família requisitar, mediante protocolo médico, junto à Secretaria de Saúde do município. 

Sobrinho conta ainda que pesquisas científicas apontam uma associação entre a esquizofrenia e a genética, já que há uma incidência maior da doença quando há casos em parentes de primeiro grau. "Mas não quer dizer que todos vão ter. É uma doença incurável e que é preciso tratamento para o resto da vida. A maioria dos pacientes, quando chegam na dose certa do remédio, se mantém estável ao longo dos anos. Um terço deles acaba tendo que fazer ajustes na dose, mas a maioria responde bem e fica estável", conclui. 

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