(Lucas Prates)
Lagoa da Pampulha, Mercado Central, Praça da Estação e Mangabeiras são alguns dos lugares mais famosos de Belo Horizonte. Mas o que poucos moradores sabem é que a capital dos mineiros também ‘esconde’ bairros, praças e ruas que são praticamente desconhecidos até mesmo por quem vive na cidade há décadas.
Com ruas que remetem a deuses da mitologia greco-romana, como Baco, Medeia e Posseidon, o bairro Cenáculo, em Venda Nova, ganhou esse nome na década de 1970, devido a uma casa de retiro católica instalada no local.
Antes, a região fazia parte do vizinho Jardim Europa e era chamada de Vila Capri. Com o tempo, até as ruas identificadas por numerais, como Dezenove, mudaram de nome. O pintor letrista Denes Duarte, de 41 anos, morador do Cenáculo desde que nasceu, acredita que as alterações ocorreram em função da expansão do bairro.
A cabeleireira Bianca Sigmaringa, de 34, afirma que muitas pessoas não conhecem o local. “Quando me perguntam, sempre dou uma referência: próximo à Caixa Econômica Federal”.Lucas Prates
O comerciante Valdeir Martins mostra que uma rua separa o Alpes do Pantanal
Na divisa
Trabalhando há uma década como diarista na mesma casa, Marielza Guimarães, de 70, passa pela Praça JK, no Sion, Centro-Sul, todos os dias. Porém, só há um mês ela descobriu que a área de lazer faz divisa com outro bairro, o Comiteco. De classe alta, muitas pessoas que não o conhecem acreditam que o local, que abriga o Mirante da Caixa d’Água e a Escola Guignard, da UEMG, faz parte do Mangabeiras.
Dentre a lista de desconhecidos também estão o Alpes e o Pantanal. Os dois ficam perto do aglomerado do Morro das Pedras, na zona Oeste. Quem vive nas comunidades precisa sempre explicar onde fica. É o caso da estudante Tainara de Paula, de 15 anos. Lá, as correspondências chegam com o nome antigo do Alpes: Chácara Leonina.
A garota lembra que se refere ao local com a denominação atual só quando vai pedir um carro por aplicativo. “Tirando isso, falo que moro no Morro das Pedras ou Leonina, e sempre tenho que explicar que é perto da Umei (Unidade Municipal de Educação Infantil) Vila Leonina”, diz.Lucas Prates
A cabeleireira Bianca faz questão de estampar no cartão de visitas a localização do salão de beleza que tem no bairro Cenáculo; ela diz que é preciso dar ponto de referência para quem vai até o local
Nomes populares
Reduto boêmio tradicional de BH, a Savassi ganhou esse nome porque a população não o reconhecia como Funcionários, região vizinha. O nome que batizou o bairro era de uma padaria. A principal praça, a Diogo de Vasconcelos, é mais conhecida como Praça da Savassi.
Ainda na Centro-Sul, poucos sabem que Boa Viagem é o bairro onde está a igreja de mesmo nome. A região integrou o Funcionários. Professora da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da UFMG, Beatriz Couto explica que a relação com o espaço público se assemelha à que as pessoas têm com os próprios nomes. “Às vezes, a gente tem uma relação mais forte com o apelido”.
Alteração oficial não muda referência dada por moradores
Pequenos sobrados com flores nas janelas circundam uma enorme e antiga árvore. Nas ruas do entorno, moradores trabalham e batem papo em volta da castanheira. A cena, que parece ocorrer no interior de Minas Gerais, faz parte do dia a dia da Vila dos Marmiteiros, em plena metrópole. O pequeno lugarejo fica perto do bairro Padre Eustáquio, na região Noroeste de Belo Horizonte.
Para quem não conhece o espaço, as pessoas que lá vivem se referem somente à “vila do Padre Eustáquio”. Mas a área, que agora retomou o nome original, também já foi chamada de Vila São Vicente. Há, inclusive, uma placa colocada pela prefeitura em frente à árvore identificando a comunidade com essa denominação, embora os moradores chamem o local de Marmiteiros.Lucas Prates
Vila dos Marmiteiros tem esse nome por causa dos primeiros moradores; Morgana reproduz, hoje, o cenário de antes
A urbanista Luciana Bragança, professora da Faculdade de Arquitetura da UFMG, explica que as relações de pertencimento são mais fortes em espaços onde a convivência entre vizinhos é maior. Por isso, muitas regiões mantêm os nomes antigos mesmo que tenham sido alterados oficialmente.
“As denominações têm a ver com uso cotidiano, familiaridade, raízes históricas e status, além de ser pessoal. A identificação passa de pai para filho e pelo uso repetitivo. Esses fenômenos vêm de um pertencimento, de uma relação afetiva, e dão sentido ao espaço urbano”, ressalta a especialista.
Explicação
A partir dessa explicação é possível entender o nome Vila dos Marmiteiros. Segundo a autônoma Daniela Felisberto, de 37 anos, que vive na região desde que nasceu, os habitantes mais antigos contam que os primeiros moradores saíam muito cedo de casa para trabalhar e, debaixo dos braços, levavam as marmitas que garantiam a alimentação do dia.
De certa forma, Morgana França, de 53, segue reproduzindo a cena que era bastante comum décadas atrás. Dona de um restaurante na comunidade, ela se reconhece nesse cenário. “Entrego marmitas por todo os lugares daqui”, conta.
(Colaborou Anderson Rocha)