Nova área verde de Belo Horizonte será cortada por córrego poluído

Ricardo Rodrigues e Igor Guimarães - Hoje em Dia
11/10/2015 às 08:54.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:00
 ( Lucas Prates/Hoje em Dia)

( Lucas Prates/Hoje em Dia)

Prainhas de areia branca, entrecortadas por um riacho sinuoso e repleto de corredeiras. Ao fundo, a cachoeira de 35 metros de queda compõe o ambiente bucólico. Um conjunto de belezas naturais potencialmente capaz de fazer do futuro Parque Linear do Ribeirão do Onça, com inauguração prevista para 2018, uma atração à parte em BH, não fosse por um detalhe: falta perspectiva de despoluição da água.

Estabelecido o cronograma de implantação da área de proteção, faltou a prefeitura combinar com a Copasa a limpeza do rio. A empresa de saneamento não tem previsão de quando finalizará a despoluição – iniciada há 14 anos –, mesmo mantendo, bem ao lado do local, a maior estação de tratamento de esgoto da América Latina, a ETE Onça. Assim, a cidade corre o risco de ganhar o “parque da água suja”.

Ao longo de 5,5 km de margens de um curso d’água estéril e malcheiroso, a prefeitura pretende implantar trilhas, pistas de caminhada, ciclovias, quadras poliesportivas, campo de futebol, playground, dentre outras atrações. O custo da obra, com início marcado para o primeiro semestre de 2017, é de R$ 442 milhões. Serão atendidas diretamente 145 mil pessoas de dez bairros da região Norte, como Ribeiro de Abreu e Aarão Reis.

A Sudecap argumenta que a função primordial do Parque Linear do Onça será preservar a várzea do ribeirão – mesmo que poluído –, garantindo que a população deixe de habitar locais inundáveis. Com a área verde, informa, a intenção não é incentivar a “balneabilidade” e ressalta que os equipamentos de lazer ficarão longe da água.

A implantação do parque depende ainda da desapropriação de 206 imóveis. A negociação com os proprietários está na fase inicial.

SUJEIRA

Apesar do enorme potencial de tratamento de esgoto, o desafio da Copasa é fazer esse rejeito doméstico chegar à ETE sem antes cair nos córregos da bacia do Onça, um emaranhado de cursos d’água que cobre uma área de 211 km², englobando a bacia da Pampulha (com 44% da área em BH e 56% em Contagem).

Conforme a empresa, os maiores desafios para reduzir a carga orgânica lançada nos corpos d’água são os factíveis e os clandestinos. No caso dos imóveis factíveis, a companhia, em parceria com as prefeituras, desenvolve ações para sensibilizar moradores a aderir ao sistema de esgotamento sanitário.

Sobre os lançamentos clandestinos, o Programa Caça-Esgoto tenta identificar e eliminar essas irregularidades.

A empresa ressalta os investimentos de R$ 675 milhões em ações de despo-luição da bacia do Onça desde 2001, e deixa claro que a responsabilidade é compartilhada com os municípios, responsável por prover infraestrutura urbana.

Numa terceira etapa do processo de interceptação de esgoto, a Copasa espera adequar lançamentos irregulares em córregos, tanto em Contagem quanto em Belo Horizonte

‘Peguei água aqui para beber, cozinhar e molhar a horta’


ÁGUA CRISTALINA – No entorno do Onça, Dona Júlia cuida de nascente há mais de 30 anos (Foto: Lucas Prates/Hoje em Dia)

O parque continua no papel, mas ganha contornos de realidade, diz Júlia Machado Amaral, de 62 anos, que cuida de uma nascente em área pública a menos de cem metros do Onça. “Quando fiz minha casa, em 1981, não tinha Copasa. Peguei água aqui pra beber, cozinhar e molhar a horta. Corro atrás para que a nascente seja cadastrada e cercada, para evitar o pisoteio de animais”, diz.

Perto dali, fica o salto do Onça, “a maior cachoeira em capital no país”, apresenta o vice-presidente do Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu (Comupra), Ricardo Zeferino. “O parque começa aqui”. Ele ressalta a importância de ações individuais de dona Júlia para abastecer o córrego de água limpa.

REDUÇÃO DA POBREZA

Porém, para o conselho, é essencial a requalificação socioeconômica da população. “Não tem jeito de melhorar o rio se não melhorar a vida dessas pessoas. A luta é pelo acesso a moradia digna”, explica o aposentado Itamar Santos, um dos coordenadores do Comupra e idealizador do movimento “Deixem o Onça beber água limpa”.
 
“O que propusemos é simples, mas chega a ser agressivo: não canalizar, não mexer na estrutura do rio, devolver para o rio o espaço do rio”, afirma Santos. O que está acontecendo no Baixo Onça, diz ele, é a oportunidade única de fazer um pouco de justiça social com equilíbrio ambiental. “O Onça só servia para tragédias. Agora, a comunidade tem um norte, as questões não se resolvem mais com colchonetes e cestas básicas”.

Também envolvido com o Comupra, o professor Saint Clair Marques utiliza esse cenário natural como campo para formar professores do projeto de educação ambiental da Escola Municipal Herbert José de Souza. A iniciativa discute a bacia do Onça a partir da história, geografia, cultura e intervenções para melhorar a vida da comunidade. “A escola vai se transformar em academia do parque, um espaço de discussões e estudos”, prevê.

PROCESSO

A licitação da prefeitura para tocar o projeto executivo do parque já foi concluída. Em setembro de 2012, a União liberou R$ 442,3 milhões para obras de controle de enchentes, previstas no Plano de Realocação de Famílias e Negócios Inseridos nas Manchas de Inundação do Ribeirão do Onça. No trecho entre a cachoeira do Novo Aarão Reis e a ETE Onça, estudos apontam a existência de sete áreas de risco.

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