Organização garante moradia a 55 mil em terrenos invadidos

Renata Galdino - Hoje em Dia
20/07/2014 às 08:50.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:27
 (Samuel Costa)

(Samuel Costa)

As várias ocupações irregulares que surgiram em Belo Horizonte na última década aparentam precariedade e improviso, mas por trás desse cenário está um trabalho articulado, que passa pela escolha do terreno, a mobilização de interessados e, no ápice, a invasão em si. Um processo que pode levar meses para ser consolidado.

Como resultado, 44 mil pessoas vivem hoje, ilegalmente, nos 11 principais acampamentos de sem casa. Uma população 28% superior à do bairro mais adensado da cidade, o Sagrada Família, na região Leste, com 34.300 habitantes.

Se consideradas as quatro mais importantes ocupações irregulares da região metropolitana, o número de moradores em ocupações sobe para quase 55 mil. Segundo lideranças dos acampamentos e de movimentos sociais, na maioria, são pessoas que não têm condições de arcar com aluguel ou comprar a casa própria.

“Cansadas de humilhação, decidiram tentar as moradias ocupando espaços sem função social”, diz Felter Rodrigues, um dos líderes do acampamento Dandara, criado em 2009 no bairro Céu Azul, na Pampulha.

Para conseguir o intento, ao menos dez dessas ocupações foram formadas a partir de um processo elaborado. Além dos que garantem não ter moradia, as ações são coordenadas por movimentos sociais, como a Brigadas Populares, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, o Movimento de Luta Popular e a Pastoral da Terra.

O procedimento inicia-se com a escolha do terreno a ser invadido. No cartório, checa-se a propriedade, se pública ou particular, a existência de impostos em atraso e a “função social” – um terreno vazio há anos é um potencial alvo. Tudo é avaliado com o auxílio de advogados voluntários.

O próximo passo é reunir as famílias interessadas em apoderar-se da área. Nesses encontros, os futuros moradores são orientados sobre a divisão dos lotes, a convivência entre vizinhos e o que devem levar para iniciar a ocupação (lona, madeira, ferramentas, dinheiro etc). Até a data de invasão pode ser estratégica. “O Dia das Mães, por exemplo, quando as pessoas estão maís sensíveis”, ressalta Felter.

Para a ocupação em si, mais apoio. “Aí, entramos com um aparato que nos dá suporte, como por exemplo o Ministério Público”, conta Felter. Assim, a Dandara levou nove meses para ser consolidada.

Já as invasões espontâneas, em que as pessoas se instalam de forma lenta, mas gradativa, acabam tendo apoio, mesmo que tardio, quando se firmam como ocupação. É o caso da Rosa Leão, criada em abril de 2013 na região Norte de BH. Meses depois, formaram-se as lideranças, dando início à remarcação dos terrenos.

Uma das estratégias dos grupos organizados é elaborar projetos urbanísticos, com vias nas dimensões padrão. Estudantes de arquitetura da UFMG assumem a autoria. Acredita-se que essa seja uma maneira de pressionar o município a incorporar os loteamentos à cidade formal.

Mesmo sem endereços oficiais, lanchonetes, padarias, bares e mercearias despontam nas ocupações. “Aqui passa carro, caminhão de entrega”, diz a educadora social Charlene Egídio, coordenadora e moradora do Rosa Leão.

Segundo a Pastoral da Terra, além do Rosa Leão, os acampamentos Dandara, Esperança, Camilo Torres, Irmã Dorothy e Eliana Silva já têm projetos urbanísticos. “A prefeitura nem precisa gastar dinheiro aqui. As casas já estão sendo construídas. É só ela urbanizar, colocar saneamento básico, água e luz”, diz o pedreiro Giovane Pereira de Aguilar, de 53 anos, morador do Dandara há cinco anos.

Desapropriado da Vila da Paz, por causa da construção da Linha Verde, ele soube da invasão por militantes da Brigadas Populares. Os seis primeiros meses dele na ocupação foram debaixo de um barracão de lona. Depois, começou a construção da casa de alvenaria, onde mora com os quatro filhos e um neto de oito anos. “Foi a melhor coisa que me aconteceu”.

Quem aguarda na fila dos programas de habitação se sente prejudicado

Se por um lado há quem defenda a ocupação irregular como única forma de conseguir moradia, por outro, existe quem acredite que a forma de resolver o problema é buscando os dispositivos legais.

É o que compartilham cerca de 9 mil famílias que, em Belo Horizonte, fazem parte do Núcleo Organizado Sem Casa, entidade sem fins lucrativos que participa das discussões referentes às políticas habitacionais na cidade. Todos os membros são cadastrados no programa Minha Casa, Minha Vida.

A associação é contrária às ocupações. “Querem ganhar terreno no grito, o que não vamos permitir. Buscamos os programas disponíveis. Por que eles também não fazem assim?”, questiona Laurita Ferreira Gomes, de 64 anos. A idosa espera há 12 anos ser contemplada com uma casa própria, por meio de projetos sociais disponibilizados pelo poder público.

Hoje, ela mora em um imóvel cujo aluguel de R$ 500 é pago pelo filho. “Nunca tive um cantinho meu, e quero realizar esse sonho antes de morrer, mas fazendo do jeito certo”, diz Laurita, que também exerce a função de coordenadora de um dos 184 núcleos do grupo organizado.

Para essas famílias, outra forma possível de conseguir a moradia é por meio da modalidade “entidade”, do programa Minha Casa, Minha Vida. São instituições sem fins lucrativos que podem se habilitar no Ministério das Cidades e intermediar a casa própria aos seus inscritos, com renda familiar bruta de até R$ 1.600.

Mas ter verba federal nem sempre é a solução. Que o diga Benedita Souza, coordenadora de um dos núcleos cadastrados como “entidade”. Com R$ 3 milhões disponíveis desde o ano passado, para a construção de 500 apartamentos, ela não encontra terreno na capital para erguer as habitações, por meio de mutirão. O dinheiro estará disponível só até março de 2015. Para Benedita, a saída será construir 50 unidades na capital e ver a possibilidade de fazer o restante na Grande BH.

Ocupantes querem loteamentos regularizados

A alternativa de imóvel próprio oferecida pela Prefeitura de Belo Horizonte é o Minha Casa, Minha Vida – programa federal adotado pelo município como política habitacional. Essa, no entanto, não é a opção dos sem casa, cuja maioria não admite morar nos apartamentos oferecidos pelo programa por causa do tamanho diminuto. As unidades têm cerca de 44 metros quadrados.

O que os ocupantes querem é que os loteamentos sejam regularizados da forma como foram formados: com casas construídas. O presidente da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel), Genedempsey Bicalho, adianta que a gestão não “fará políticas públicas em cima de ilícitos”. “As ocupações são ilegais”, frisou.

Como o Minha Casa, Minha Vida oferece apartamentos, os ocupantes não querem participar do processo. “Há pessoas que vieram do interior, mantendo o costume de cultivo de plantações e fogão de lenha”, afirma Felter Rodrigues, do Dandara.

E está exatamente nesse ponto um dos questionamentos polêmicos. Baseada em um levantamento parcial de fevereiro, a Urbel apontou que, das 2.507 famílias cadastradas nas ocupações da região do Isidoro, 52% não são oriundas da capital. Já no Dandara, 49% dos 1.062 cadastros. “Uma das regras do Minha Casa, Minha Vida é que o último endereço seja da cidade que concede o benefício, e isso nos últimos cinco anos”, explicou Bicalho.

O gestor garante que é a intenção é solucionar o déficit habitacional na cidade, hoje em 62.500 moradias. “Mas quanto mais invasões, menos oferta de unidades habitacionais”, comenta.

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