Pato-Mergulhão é estrela de campanha pela conservação das águas

Ricardo Rodrigues - Hoje em Dia
23/03/2015 às 14:08.
Atualizado em 18/11/2021 às 06:27
 (Adriano Gambarini/Divulgação)

(Adriano Gambarini/Divulgação)

Em defesa da boa qualidade da água para a população e a conservação da natureza, o Instituto Terra Brasilis inicia hoje a campanha Decisão Consciente, para sensibilizar agentes políticos e técnicos responsáveis por licenciamentos ambientais, por autorizações de obras e de atividades que impactam os recursos hídricos. A estrela dessa iniciativa é tão bela e rara quanto tinhosa e exigente, na descrição de cientistas que há 14 anos estudam o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus), uma das dez espécies de aves aquáticas mais ameaçadas de extinção no mundo. 

A ação vai abranger 23 cidades do Sudoeste do Estado na tentativa de orientar os tomadores de decisão, em âmbito público e privado, no sentido de evitar a aprovação de empreendimentos que possam ameaçar o habitat dessa ave, que tem na Serra da Canastra, divisor natural das bacias hidrográficas dos rios São Francisco e Grande, o principal de seus três últimos refúgios no planeta. A maior preocupação dos pesquisadores é com a aprovação de projetos para implantar pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) nos rios Samburá, Araguari (bacia do Grande) e outros cursos d'água.

A principal ameaça é proveniente da destruição do ambiente em que vive: os rios e riachos de águas limpas, com corredeiras e matas ciliares. Por essa razão, a campanha pretende cobrir "de Araxá até Furnas". Em todos os tributários do rio Grande foi registrada a presença dessas aves, que na estimativa dos cientistas estejam reduzidas a 250 espécimes, restritas em três áreas: a região da Canastra, onde vive o maior número delas, e os parques nacionais do Jalapão (TO), e da Chapada dos Viadeiros (GO), onde "há poucos indivíduos".

A iniciativa pretende inserir o pato-mergulhão na rotina das pessoas. "A água que você precisa é a mesma que ele precisa. O pato é o mote, mas o que está por trás disso é algo ainda mais importante: a conservação da água, necessidade básica de todos os seres vivos. Queremos trazer as questões ambientais para a nossa realidade, para que as pessoas percebam que a água, o ar têm de ser cuidados", afirma a presidente do Terra Brasilis, Sônia Rigueira.

Sonia explica que no rio Samburá, divisa natural dos municípios de Medeiros e São Roque de Minas, fica a nascente geográfica do rio São Francisco, que tem dentro do Parque Nacional da Serra da Canastra a sua nascente simbólica. Porém, as cabeceiras mais altas do velho Chico estão no Samburá, que da nascente à foz corre em área particular e sem proteção legal. Nesses locais o pato-mergulhão pesca por contato visual. "Se a água fica turva, ele muda (de lugar) ou morre. Nos rios com corredeiras é onde estão os pesqueiros. O negócio dele é proteína".

Como a maioria das pessoas não tem conhecimento da ave em águas mineiras, destaca Sônia, a campanha é voltada para empresários e políticos, conselheiros de meio ambiente, além de setores como o turismo, comitês de bacias hidrográficas (CBHs), prefeitos e vereadores, dirigentes e técnicos das Superintendências Regionais de Meio Ambiente (Supram), membros do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH) e do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), secretários de meio ambiente e de turismo.

ESTUDOS

O Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação do Pato-mergulhão implantado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) é importante reforço para que a espécie se torne mais conhecida e, por isso, amplie a sua conservação. O PAN visa assegurar a manutenção e a distribuição geográfica dessa ave no médio e longo prazo; promover o aumento tanto do efetivo populacional e do número de populações. O PAN é composto por um objetivo geral, cinco objetivos específicos e 22 ações, supervisionadas pelo Centro Nacional de Pesquisa para a Conservação de Aves Silvestres (Cemave).

A bióloga Lívia Lins, coordenadora técnica do projeto Pato Aqui, Água Acolá do Terra Brasilis, explica que o represamento das águas correntes e a turbidez elevada destruíram os habitats dessa ave que, originalmente, ocupava extensas áreas do Brasil, Argentina e Paraguai. "Com a perda da qualidade das águas nesses três países, o pato-mergulhão está diminuindo a área de ocorrência. Por ser uma espécie exigente em termos ambientais, não há mais registros dessas aves nesses dois países vizinhos", diz Lívia. A bióloga, que acompanhou casais dessa ave durante seis anos, verificou que a reprodução da espécie é anual, com ninhadas de 7 a oito filhotes. A metade ou menos chega à idade adulta.

O Terra Brasilis desenvolve, desde 2001, programa ambiental para estudar a ave e sensibilizar a sociedade quanto à preservação dos recursos hídricos da região da Canastra, uma vez que a espécie é um indicador natural da qualidade da água. Hoje há pesquisas sendo desenvolvidas na USP e na UFMG, onde é feita a análise genética dessas aves com base em material colhido pela equipe da ONG. Pesquisa e monitoramento ajudam a conhecer melhor a biologia da espécie, bem como as áreas de ocorrência, aspectos comportamentais e reprodutivos que possam subsidiar ações de manejo e conservação.

FRENTES

O trabalho do Terra Brasilis para garantir a conservação do pato-mergulhão é lastreado em três frentes: pesquisa e conhecimento, pois há poucos registros da espécie; educação ambiental da comunidade e dos produtores rurais do entorno da serra; recuperação de áreas degradadas e proteção de nascentes e matas ciliares.

O eixo da sustentabilidade rural busca minimizar as ameaças à sobrevivência da espécie, impactada pelo assoreamento e poluição dos rios, com ações junto ao produtor rural para promover práticas de uso sustentável da terra. A ONG dá apoio aos plantios em áreas de preservação permanente, com a doação de mourões e arame para o cercamento das áreas de nascentes
e matas ciliares, que deve ser feito pelo proprietário.

"Temos muitos produtores rurais na fila de espera, para fazer a recuperação de nascentes e matas ciliares em suas terras", diz Sônia Rigueira. Segundo ela, a educação ambiental é um trabalho de várias mãos, na base do café com prosa com os produtores rurais na discussão de temas de interesse desse público, e com a instalação de projetos para melhorar a qualidade de vida rural, como os modelos de fossa séptica e de biodigestor.

As ações também são direcionadas ao público escolar e trade turístico, entre outros, para apresentar temas relacionados à manutenção do ecossistema, em especial os recursos hídricos, fundamental para a sobrevivência do pato-mergulhão e para a melhoria da qualidade de vida da população. 

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