Permissão do uso de cancelas em ruas de BH pode ser revogada por projeto em tramitação na Câmara

Ricardo Rodrigues - Hoje em Dia
22/08/2015 às 07:11.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:27
 (Wesley Rodrigues/Hoje em Dia)

(Wesley Rodrigues/Hoje em Dia)

Tema polêmico, que interfere no direito de ir e vir, motivo de processo judicial em várias cidades, o fechamento de ruas é regra em condomínios de luxo, com o pretexto de aumentar a segurança. Em Belo Horizonte não é diferente. Na região Centro-Sul, seis vias foram fechadas por moradores, segundo a Secretaria Municipal de Administração.   Em toda a cidade, são mais de 20 pontos com guaritas, cancelas ou portarias nas ruas. “Devemos instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar essa imoralidade, que não nasceu nesta gestão”, afirma o presidente da Câmara de Vereadores, Wellington Magalhães (PTN).   Ele se refere à legislação atual, que permite essa prática. “As leis 8.768, de 2004, e 10.068, de 2011, promoveram a espoliação do patrimônio público para uns poucos favorecidos, que fazem o uso exclusivo do espaço viário”, critica.   Para a abertura da CPI, são necessárias 14 assinaturas (entre os 41 vereadores). Além disso, o presidente da Câmara apresentou o projeto de lei 1.526/2015, para coibir o fechamento de ruas sem saída. O texto revoga a legislação vigente, determinando a retirada de portarias, guaritas e cancelas, sob pena de multa de R$ 10 mil, por dia.   Aprovado em 1º turno nas comissões de Legislação e Justiça (CLJ) e de Meio Ambiente e Política Urbana (CMAPU), o projeto precisa ser analisado por mais duas antes de ser votado em plenário. Na CLJ, recebeu emenda proposta pelo vereador Pedro Patrus (PT), que veda ao município outorgar permissão de direito real de uso de ruas.   Relator da matéria na CLJ, o vereador Sergio Fernando (PV) deu parecer favorável à proposta. Contudo, ele se manifesta contrário à iniciativa de retirar os equipamentos já instalados com permissão da prefeitura.   Acesso prejudicado   O objetivo do projeto de lei é impedir que esses bens coletivos sejam destinados ao uso exclusivo de grupos privados. Um dos alvos de Wellington Magalhães é o condomínio Fazenda da Serra, na Pampulha, que impede o acesso do público ao Parque Municipal Cássia Eller, como mostrou o Hoje em Dia. Criada em 2000, a unidade de conservação ambiental está longe de ser popular por causa da guarita, cancelas e porteiros, que exigem documento de identificação dos frequentadores.   “O parque, hoje, serve só a moradores do empreendimento, que tem 350 residências de alto padrão. Se o condomínio quiser, vamos desafetar (torna um bem público apropriável) a via e eles compram a área de lazer da prefeitura”, adverte o vereador.   Ele critica o benefício a um grupo restrito de moradores. “O acinte chega ao ponto de permitir a esses favorecidos o fechamento das ruas, de forma que só eles possam passear e praticar esportes em um espaço que é de toda a comunidade”.   STF vai apreciar legalidade do fechamento de via em Brasília   O imbróglio relacionado ao fechamento de ruas de BH divide a opinião de juristas. “Há muita polêmica sobre a questão, que não foi prevista na legislação federal. Enquanto não há definição sobre isso, o melhor é ter cautela”, recomenda a professora de direito administrativo da UFMG e da Fumec Maria Tereza Fonseca Dias.   Ela ressalta que as leis federais 6.766/79 (de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo) e 10.257/01 (Estatuto da Cidade) não contemplam o tema. “O legislador tem de avaliar o risco de o Supremo (Tribunal Federal) declarar inconstitucional essa questão”, acrescenta.   Está prevista para as próximas sessões do Supremo o julgamento do recurso extraordinário 607.940, analisando se há legalidade e constitucionalidade nesse tipo de norma. O recurso foi motivado por lei semelhante editada em Brasília.   “Em BH, a legislação está sendo usada de forma hipotética e acaba no fechamento de bairros, como no caso do condomínio Clube dos Caçadores (no Mangabeiras)”, atesta a ouvidora do Estado, Maria Elisa Braz Barbosa. No entanto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) obrigou os moradores a retirar a cancela, mantendo apenas o porteiro.    “Se comparadas as políticas contra a violência urbana adotadas para o Clube dos Caçadores e para o vizinho aglomerado da Serra, vamos constatar que a cidade é única, mas as políticas são diferentes para a cidade formal e para a cidade informal”, ressalta a ouvidora.   Instrumento legítimo   Na opinião do advogado João Gilberto Goulart, da Comissão de Direito da Construção da OAB-MG, a Câmara de BH está combatendo um instrumento legítimo que existe em outras cidades. “A lei institui o direito real de uso por particular de área pública. Outros municípios fazem essa permissão em ponta de rua, em situações de confinamento, que não interfiram na ligação viária a nenhuma outra área da cidade”, explica.   Segundo Goulart, a permissão deve ser feita por meio de decreto do Executivo com a justificativa de destinação da área, desafetada do uso comum. “O uso especial não pode impedir o acesso das pessoas, desde que identificadas. Essa restrição é prevista em lei, tem fundamentação no direito e as permissões podem ser canceladas a qualquer tempo, com a exigência aos moradores de conservar o local”, diz.    Moradores se sentem mais seguros e defendem equipamentos    Moradores de vias da capital onde foram instaladas cancelas criticam a iniciativa da Câmara de Vereadores. “Não há cancela, isso é um absurdo. Temos um vigia na entrada da rua, que oferece ajuda aos desconhecidos. À noite, ele pede para parar o veículo e olha a parte de trás, mesmo que seja morador”, argumenta o engenheiro de minas Olintho Pereira da Silva, de 81 anos.   Ele preside a associação formada por moradores de 33 imóveis da rua João Camilo de Oliveira Torres, no Mangabeiras. “A cabine não custa nada à prefeitura, quem paga somos nós”.   Representante dos moradores da rua Oscar Versiani Caldeira, no mesmo bairro, o engenheiro civil Cipriano Antônio de Oliveira, de 60 anos, lamenta não ter sido ouvido pelos vereadores. “Em hipótese alguma, ninguém é impedido de entrar. Sou contra a iniciativa da Câmara de privar o cidadão de buscar alternativas de segurança. Também sou contra impedir a livre entrada de qualquer pessoa na rua, mesmo sem se identificar”.   Cipriano liderou a instalação de guaritas nas ruas Oscar Versiani Caldeira e Engenheiro Otávio Goulart Penna depois que a mulher e a filha dele foram feitas reféns por quase três horas por homens armados que invadiram a casa onde moram, em 2004. “O valor dos bens roubados é significativo, mas o terror causado pelos bandidos deixou traumas na família”, diz.   Segundo ele, após a instalação houve apenas uma ocorrência policial. “Acabou a distribuição de drogas na rua, onde circulavam 200 veículos, e hoje são trinta”. O custo mensal com a segurança é de R$ 15 mil.   Escolha da sociedade   Presidente da Associação de Moradores do Belvedere, o engenheiro civil Ubirajara Pires Glória, de 67 anos, afirma que não há rua fechada por cancelas no bairro. Mas ele não condena a iniciativa. “Por que a sociedade não pode se proteger dos assaltos? O plenário da Câmara é condomínio fechado, onde o povo não entra”, critica.   Presidente do Sindicato dos Condomínios Comerciais, Residenciais e Mistos (Sindicon), o advogado Carlos Queiróz rebate o vereador Wellington Magalhães. “A briga dele é com o Fazenda da Serra, loteamento vendido como condomínio exclusivo. As pessoas fizeram aquilo (fecharam a rua) de boa fé. O melhor é tentar regularizar a situação junto à municipalidade”, defende.   - A polêmica deve se prolongar na Câmara, já que pelo menos dois vereadores moram em condomínios que fecharam ruas com cancelas.

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