Pioneiros, eles acreditaram no desenvolvimento de BH

Letícia Alves - Hoje em Dia
22/12/2014 às 07:37.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:27

Localizados em uma área considerada nobre na nova capital de Minas, os quarteirões do entorno da antiga Praça 14 de Fevereiro – hoje Praça da Rodoviária – atraíram os olhares dos primeiros interessados em fincar raiz na promissora Belo Horizonte.   Em levantamento realizado no livro de compra e venda da Comissão Construtora da Nova Capital, o Hoje em Dia identificou os cinco primeiros lotes adquiridos na cidade. Todos datam de 1895, dois anos antes da própria inauguração oficial de BH.   Inicialmente, os terrenos abrigaram sobrados, que, ao longo das décadas, foram demolidos para dar lugar a prédios residenciais e comerciais. Hoje, poucos ainda preservam características históricas.    Exemplo disso é o primeiro lote vendido na cidade, a Américo Diamantino Lopes, na rua Carijós, esquina com rua Curitiba, em setembro de 1895. Terrenos vizinhos acabaram incorporados para dar lugar a uma loja de uma grande rede de roupas e acessórios.    A história sobre como a área passou das mãos de Diamantino a outros proprietários é um tanto obscura, até mesmo para técnicos do Arquivo Público Municipal.    Porém, em relação ao 5º lote da lista, há algumas pistas. O imóvel, na esquina das ruas Tamoios e São Paulo com avenida Amazonas, foi adquirido por Lourenço Del Carlo, três dias depois de Diamantino fechar negócio.    Na década de 1950, a estrutura original deu lugar ao edifício residencial Itaúna, com três andares. O prédio pertenceu ao médico Dorinato Lima por mais de 50 anos, segundo conta o ex-porteiro Antônio Vitorino, de 78 anos. “Morei em um cômodo no terraço e, depois, nos anos de 1960, os moradores começaram a desocupar o imóvel. Acabei indo para o apartamento 23, onde morava Dorinato”.   Também saudosista, José Maria da Circuncisão, de 65 anos, disse que veio de Senhora de Oliveira, na Zona da Mata, para trabalhar na banca do irmão na capital, em frente ao edifício – onde morou por cerca de dois anos. “Era muito agradável. Todo mundo se conhecia”. Hoje, ele é proprietário da banca, que permanece no mesmo lugar.    Antônio e José Maria saíram do prédio quando o imóvel foi vendido para Luiz Almeida Luder, na década de 1960, que estabeleceu comércios no local. “Lembro que havia muitos herdeiros, e meu marido precisou negociar a venda. O que era um prédio residencial virou um edifício comercial”, conta a viúva do investidor, Maria Clélia Moura Costa, de 74 anos. Com a aquisição e a instalação da Camisaria Luder no térreo do imóvel, o prédio recebeu o nome do novo proprietário.   Principal acesso da cidade atraiu os investidores para a região nobre   Ao ser construída, Belo Horizonte foi dividida em sete seções urbanas para receber os primeiros 30 mil moradores. De acordo com o historiador Tito Flávio Rodrigues de Aguiar, não foi ao acaso que os primeiros proprietários escolheram terrenos nas seções 1 e 2. “Elas estavam mais perto da estação ferroviária, que era o principal acesso da cidade. Cargas e mercadorias saíam e chegavam por ali. Inicialmente, o mercado também ocupava a região onde hoje é a rodoviária. Lá era o ponto de articulação da cidade com seu entorno”.    O estudioso ressalta que alguns lotes foram desmembrados para abrigar repartições públicas, e outros, vendidos para servidores transferidos da antiga capital (Vila Rica, atual Ouro Preto). Os demais terrenos, colocados à venda. “Esses foram comprados por particulares na medida dos interesses e possibilidades. Algumas áreas que tinham melhor localização foram comercializadas a um preço mais alto”, ressaltou.   Preços altos por lotes na rua São Paulo evidenciam importância da área   Três dos lotes “pioneiros” foram comprados em um único quarteirão. Por 600 mil contos de réis, um deles foi comercializado na rua São Paulo, a José Santino Repetto. O valor, considerado alto na época, evidencia a importância da localização nos preços do loteamento. O lugar escolhido fica próximo à avenida que faria a ligação entre os vetores Norte e o Sul da cidade: a Afonso Pena.    Na década de 1940, no terreno comprado por Repetto foi construído o edifício Thibau. Em estilo art déco, o prédio possui sete pavimentos e hoje é ocupado por comerciantes e prestadores de serviço. A edificação foi tombada pelo Patrimônio Municipal em 1994. Os outros dois lotes foram parar nas mãos de Luiz Borselli. Os registros estão no primeiro livro de compra e venda da Comissão Construtora da Nova Capital, formada para planejar a cidade. Os documentos, tombados pelo Patrimônio Municipal, são manuscritos e assinados pelo primeiro prefeito de Belo Horizonte, Adalberto Ferraz.   Favelas começaram a ser formadas nos primeiros anos de criação da nova capital   Enquanto investidores procuraram lotes mais próximos ao principal acesso a BH para se estabelecerem, quem não tinha como pagar por áreas nobres teve que se acomodar como pode na cidade. Dessa forma, as favelas – conhecidas como cafuas – surgiram logo nos primeiros anos da capital.   Uma delas, a Alto da Estação, situava-se no que hoje se tornou o bairro Floresta, entre as avenidas Francisco Sales e Assis Chateaubriand. A do Leitão ficava perto da parte baixa do córrego de mesmo nome, onde hoje é o Barro Preto.   Além dos aglomerados, os mais pobres foram encontrando outras formas de se fixarem na nova cidade. “Os barracões foram outra alternativa, principalmente na área central. Muitas pessoas começaram a erguer construções mais precárias e simples para alugar para a população de baixa renda”, afirmou o historiador Tito Flávio Rodrigues de Aguiar.    Essa solução de habitação incomodou os governos municipal e estadual, que acabaram criando leis para barrar a expansão. De acordo com Tito, o Executivo tentou urbanizar áreas, como a do Barro Preto, e comercializá-las a preços mais acessíveis. Os lotes foram vendidos a dez réis o metro quadrado.“Chamavam lá de bairro operário”.   EXPANSÃO   De acordo com o historiador, a ideia de que a cidade extrapolou o limite da avenida do Contorno, que seria a delimitação estabelecida para a criação da nova capital, é incorreta. O especialista afirma que, dirigida por Aarão Reis, a Comissão Construtora planejou sete seções urbanas dentro da área da via para abrigar os primeiros 30 mil habitantes. Ao redor, as seis divisões suburbanas dariam conta da expansão da população em até 200 mil moradores.    Para que o projeto se tornasse realidade, o Governo do Estado desapropriou 430 fazendas do antigo arraial, existente há pelo menos 150 anos. Os proprietários foram obrigados a vender os terrenos em troca de indenizações em dinheiro ou loteamentos em BH. “O valor pago foi muito baixo. Não dava para comprar espaços nem na parte suburbana. Os moradores acabaram indo para os arredores da cidade, hoje as regiões de Venda Nova, Calafate e Pampulha”, contou. 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por