Poluição e assoreamento reduzem vida útil de lagoa que abastece meio milhão na Grande BH

Ricardo Rodrigues - Hoje em Dia
15/06/2015 às 06:27.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:28
 (Marcelo Prates)

(Marcelo Prates)

A Área de Proteção Ambiental (APP) Vargem das Flores produz água para abastecer meio milhão de pessoas na Região Metropolitana de Belo Horizonte, mas a lagoa diminuiu com a expansão imobiliária e atividades econômicas incompatíveis com sua preservação.

O espelho d’água que atende a 10% da população da Grande BH encolheu e está cada vez mais poluído.

Principal afluente da represa, o ribeirão Betim só é um fiozinho d’água bem em frente ao portão da adutora da Copasa. O reservatório, raso – profundidade média de 5,8 metros e máxima de 20,6 metros –, compõe um cenário que beira à desolação: lixo, eucalipto e pinus ao longo da orla, erosão desde as encostas, estradas esburacadas, desmate em nascentes e topos de morro, extração de brita, gado bovino, cavalos e animais domésticos em trechos onde a água sumiu faz tempo.

“Em dez a 12 anos, Vargem das Flores vai perder até o volume morto, porque sofre impactos mais dramáticos que a Pampulha”, alerta o professor Ricardo Motta Coelho, coordenador do Laboratório de Gestão de Reservatórios do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, em referência à reserva de água profunda, armazenada abaixo do ponto de captação. Esse volume não pode ser retirado por gravidade, precisa ser puxado por bombas, que custam dezenas de milhões de reais.

“Uma vistoria para prevenir a instalação do caos”, diz o coordenador de equipe da Semad, Sérgio Alberto Souza de Morais, sobre a fiscalização na APA.

A ocupação ilegal das margens da lagoa é tolerada pelo poder público há pelo menos dez anos, quando foi criada, por lei estadual, a APA Vargem das Flores, com área de 12,2 mil hectares.

ASSOREAMENTO

O prognóstico para a represa, inaugurada em 1972, capaz de armazenar 44 milhões de metros cúbicos de água, consta na dissertação de mestrado de Simone Santos sobre o tempo de vida útil da lagoa.

“Em cada braço (dos córregos que a formam), tem uma assinatura química diferente. Vargem das Flores é a Pampulha de ontem. Vai acontecer com ela processo análogo ao ocorrido na Pampulha. Os problemas são os mesmos: assoreamento, lançamento de esgoto e efluentes, contaminação por metais pesados”, resume Coelho, orientador do estudo de Simone, mostrando que todos os afluentes sofrem com acúmulo de lixo, esgoto, desmatamento e atividades agrícolas.

“Muitas nascentes estão degradadas. O ribeirão Betim e o córrego Água Suja são os mais comprometidos da APA. Vargem das Flores é uma lagoa esquecida, mesmo sendo o dobro da Pampulha e muito mais importante para a região metropolitana. Não podemos deixar que evolua para a situação terminal da Pampulha”, diz Coelho.

A pedido da Copasa, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e a Polícia Militar Ambiental desencadearam, na última semana, operação especial de fiscalização. O balanço será divulgado hoje.
Rodoanel deve contribuir para aumentar impacto ainda mais
O reservatório de Vargem das Flores faz parte da bacia do rio Paraopeba, sendo um divisor natural entre as cidades de Betim (13%) e Contagem (87%). Inserida no vetor de expansão urbana da RMBH, a APA criada por lei estadual em 2006 é cortada por três eixos viários: Via Expressa, LMG 808 e BR-381. Porém, deve receber também o Rodoanel, conectando os dois trechos da Fernão Dias (Vale do Aço-São Paulo), o que dará impulso à urbanização no entorno da lagoa.

A fiscalização da APA cabe ao Instituto Estadual de Florestas (IEF), mas a criação de um conselho gestor, previsto em lei, só foi efetivada neste ano. Falta ainda a regulamentação, pelo Estado, das atividades que podem ser desenvolvidas na unidade de conservação.

De acordo com os estudos da UFMG, a perda de volume em decorrência do assoreamento, entre o ano de início de operação do reservatório (1972) e o ano de 2000 foi de 1,33% ao ano. De 2000 a 2009, a taxa foi de 3,32% ao ano. Na última década, a lagoa teve incremento de quase três vezes no volume de deposição de sedimentos em relação aos primeiros 30 anos.

Segundo a pesquisa, nos primeiros 12 anos de funcionamento da represa (1972-1984), o assoreamento foi relativo a 370 mil metros cúbicos, mas, no período 1984-2000, esse valor foi de 5,2 milhões de metros cúbicos.

RITMO ACELERADO

A diferença indica que há uma carga média de deposição de sedimento dez vezes maior no período de 1984-2000 que em seus primeiros doze anos de funcionamento. Nesse ritmo, o volume morto remanescente estaria comprometido nos dez anos seguintes.
A estimativa é de que em menos de 28 anos o reservatório perderá o equivalente a 50% do seu volume útil.

Sitiantes tentam preservar e lamentam ausência do Estado

“Isso é a praia da Grande Belo Horizonte. A lagoa não está interditada, mas com a notícia da Copasa de que estava fechada no Carnaval, acabou para nós”, reclamou Eustáquio Pereira da Silva, de 48 anos, que preside a associação de comerciantes de Várzea das Flores (Ascovar), em Contagem. Há 17 anos no local conhecido como Solar do Madeira, ele é dono de restaurante e pousada na orla, com marina para lancha e jet ski.

Silva afirma que sitiantes captam água da lagoa com bomba, mas acredita que os comerciantes da orla estão mais conscientes em relação ao meio ambiente. “Mexeu aqui a gente liga para a Polícia Militar Ambiental e a Copasa”.

O professor Ricardo Coelho critica a ausência do poder público na gestão de conflitos que se avolumam na bacia Vargem das Flores. “Não tem dinheiro para monitoramento. A situação é de abandono. O caso demanda urgência do Estado, não só das prefeituras. Não existe regulamentação sobre as atividades na APA” (tarefa que compete ao Estado). “APA, se criar e não tiver plano de manejo, é o mesmo que nada”.

PRESSÃO ECONÔMICA

Segundo ele, com a escassez hídrica é chegada a hora de uma repactuação das atividades econômicas, com a reprecificação do minério e do eucalipto, por exemplo. “O preço da água é ínfimo para os principais setores econômicos e não entra no preço de custo das commodities”.
 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por