Prefeito de Aracaju prevê morte do rio São Francisco em um ano

Hoje em Dia*
27/05/2015 às 16:02.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:14
 (Dione Afonso)

(Dione Afonso)

O prefeito de Aracaju, capital do Sergipe, o engenheiro João Alves Filho, afirmou na manhã desta quarta-feira (27), em uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que o Rio São Francisco pode morrer em um prazo máximo de um ano. Para reveter o processo, ele sugeriu obras emergenciais para transpor as águas da bacia do Araguaia-Tocantins, para salvar o Velho Chico.   Apesar de concordar que a situação do Rio São Francisco é crítica, a afirmação foi considerada exagerada pelo presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda.   “Não concordo com a afirmação. O rio passa por muitos processos de degradação. Se for resolver crises como essa só com transposição, o que é traumático para a bacia doadora, em breve não teremos mais esse recurso. É uma solução de última instância”, afirmou Anivaldo.   Para Miranda, 2015 vai ser um ano crítico para o Velho Chico. “Se não for construída uma saída, as estiagens serão cada vez mais duras para o rio. É preciso um grande programa de revitalização”, disse o presidente do CBHSF.    Entre as medidas sugeridas por Anivaldo Miranda estão as mudanças na matriz energética, para que o sistema integrando de energia elétrica não dependa tanto da bacia do São Francisco. Além disso é necessário medidas em afluentes, como proteção de nascentes, recomposição de mata ciliar, saneamento básico em comunidades ribeirinhas, implantação da gestão hídrica, melhorar o sistema de outorgas e fazer o uso racional da água.   Audiência   O engenheiro João Alves Filho, prefeito de Aracaju (SE), apresentou dados que, segundo ele, indicam que o Rio São Francisco morreria em, no máximo, um ano a partir de agora. A audiência foi solicitada pelo deputado Gil Pereira (PP) e teve o objetivo de debater a revitalização do Rio São Francisco. O prefeito de Aracaju foi convidado por já ter realizado várias pesquisas sobre rios mortos ao redor do mundo e tem, há alguns anos, acompanhado a história do Velho Chico.   João Alves explicou que todo rio morre a partir da foz. “O Rio São Francisco chegava a avançar mais de 30 km para dentro do mar, tamanha era sua força. Agora, encontramos peixes de água salgada a mais de 250 km do oceano”, disse. Ele afirmou, ainda, que, recentemente, foi possível atravessar a pé o último trecho do rio. Para ele, essas são evidências certas de que o rio caminha para a morte.   As previsões do engenheiro são catastróficas. “Será a maior diáspora da história, com um milhão de sergipanos e um milhão de alagoanos abandonando suas terras pela completa falta de água”, afirmou. João Alves citou um trajeto de 500 km percorridos por ele ao longo de um trecho já seco do Rio Amarelo, na China, para explicar que esse é o efeito imediato da morte de um rio: a emigração. Segundo ele, dezenas de cidades foram abandonadas ao longo do antigo curso d'água.   No caso do São Francisco, João Alves explicou que foram várias as razões que poluíram e diminuíram a vazão do rio ao longo das últimas décadas, como o despejo de esgoto in natura, a construção de fábricas e a exploração de minérios. A maior causa, porém, teria sido a construção de hidrelétricas sem o devido cuidado.   Segundo ele, os projetos atuais são mais cuidadosos ao analisar os impactos da obra na vazão do rio, mas que essa prática é recente e as primeiras hidrelétricas teriam sido feitas com a única preocupação de gerar energia. “Os Estados Unidos tem uma lei de recursos hídricos desde 1921 e o Brasil só aprovou a sua no fim do século 20”, disse.   Revitalização é possível   João Alves se disse preocupado pela inexistência, segundo ele, de qualquer projeto de revitalização do rio no governo federal. Apesar disso, afirmou que há solução e apresentou alguns projetos já concluídos que poderiam servir como referência. Um deles seria a revitalização do Rio Tennesee, nos Estados Unidos, e outro seria o Rio das Velhas, em Minas Gerais.   A revitalização do Rio das Velhas, segundo ele, foi o melhor custo-benefício em projetos desse tipo no mundo. Ele lembrou que o principal indicador da recuperação de um curso d´água é o retorno dos peixes e essa era uma das metas no Velhas, que hoje teria, segundo ele, mais peixes em 500 km do que o São Francisco em 2.500 km. “O Velhas era o afluente mais poluído do São Francisco, agora já é possível nadar em muitos trechos”, disse.   Para conseguir revitalizar o São Francisco, João Alves afirmou que será necessário criar um rio doador de água em quantidade abundante. A sugestão é que essa água seja transposta da Bacia Araguaia-Tocantins, já que em certos trechos dessa bacia, os rios alcançariam uma vazão tão alta que acabariam causando problemas, como inundações. Assim, parte da água poderia ser transposta sem causar prejuízos locais.   João Alves explicou o projeto de transposição, que mostra que, devido à localização de Tocantins em uma posição geográfica mais elevada, aumentaria o potencial de geração de energia elétrica do rio e só isso já faria com que o projeto fosse, de acordo com ele, autofinanciável.   Ele defendeu, ainda, o uso de uma tecnologia de geração de energia inventada pelo físico brasileiro Raimundo Santos. Com o nome de hidrogerador, a tecnologia seria capaz de usar as águas dos rios para geração energética com um impacto ambiental muito menor que as hidrelétricas e a preço também mais acessível.   Recuperação de área degrada é o desafio   O assessor da presidência da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Athadeu Silva, destacou que a seca que se observou na Serra da Canastra revelou a necessidade de preservação dos solos, que são a principal fonte de captação de água. Somado a isso, segundo ele, as chuvas caíram em locais que, historicamente não caem, graças ao desequilíbrio ecológico.   Em sua fala, Athadeu Silva afirmou que os rios que alimentam o São Francisco devem ser o principal alvo de ações de revitalização. “A recuperação de área degradada é o nosso maior desafio, uma vez que, em geral, ficam em áreas de propriedade particular. Hoje, 95% dos sedimentos vêm do alto e médio São Francisco, por meio das Bacias do Paraopeba, Pará, Indaiá, Abaeté, Urucuia, Paracatu e Acari”, disse. Ele afirmou, também, que Minas Gerais foi o estado que mais recebeu investimentos na recuperação do rio.   A diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Maria de Fátima Chagas, reforçou as palavras do representante da Codevasf e lembrou que mais de 70% das águas do rio nascem em Minas Gerais, por isso a importância da revitalização. Ela destacou que o governo do Estado assinou um pacto pelas águas com os comitês de bacias, além do programa Cultivando Água Boa, para recuperação de bacias, gestão de nascentes e áreas de recarga. “Precisamos administrar os recursos para aplicar da forma mais eficiente”, salientou.   O engenheiro ambiental da Cemig, Renato Junio Constancio, defendeu que há soluções possíveis para o Rio São Francisco, desde que sejam feitas ações nos locais que mais o prejudicam. Ao lamentar que o projeto apresentado pelo prefeito de Aracaju não foi direcionado à sua equipe, afirmou que o rio está morrendo pela foz, mas a causa está na produção de sedimentos do Alto São Francisco.   Neste sentido, o coordenador do Comitê de Bacia do Alto São Francisco, Márcio Tadeu Pedrosa, disse que o debate sobre a revitalização acontece há 14 anos e que o caminho é a preservação ambiental. “Para termos retorno, é preciso ações integradas dos comitês com os ministérios do Meio Ambiente e da Integração, a Codevasf e a Agência Nacional das Águas”, pediu.   Ambientalista defende mudança de paradigma político   O criador do Projeto Manuelzão e um dos responsáveis pela revitalização do Rio das Velhas, Apolo Heringer, fez duras críticas à gestão política brasileira que, segundo ele, reflete na questão ambiental. Para ele, os rios estão morrendo no Brasil inteiro. Em sua participação, disse que as ações governamentais e privadas não estão ajudando a revitalizar o rio. “Estamos vendo o poder econômico destruindo os recursos hídricos, a educação brasileira em crise e a prioridade a grandes obras que não levam a nada”, lamentou.   Apolo destacou, ainda, que é preciso uma mudança política que dê chance para a natureza se recuperar. “Estamos vivendo um colapso ambiental em Minas. A responsabilidade é do Estado, que não protege o meio ambiente e a sociedade”, disse. “Podemos recuperar o rio, aumentando o volume de água, com potencialização de infiltração pelo solo. A crise hídrica é prova de relaxamento histórico e, por isso, deve haver uma política de investimento em água”, concluiu.   (* Com ALMG)

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