Presas provisórias em Minas sonham em conseguir benefício dado à ex-primeira-dama do Rio

Tatiana Lagôa e Bruno Moreno
horizontes@hojeemdia.com.br
31/03/2017 às 21:42.
Atualizado em 15/11/2021 às 13:58

A legislação que a Justiça se baseia para determinar a prisão de infratores é a mesma que prevê que mães presas de maneira provisória possam cumprir a medida em casa para cuidar dos filhos de até 12 anos. O benefício previsto no Código de Processo Penal desde o ano passado possibilitou, por exemplo, que a ex-primeira dama do Rio de Janeiro, Adriana Ancelmo, voltasse para casa mesmo cumprindo prisão preventiva. Mas outras milhares de anônimas no país e em Minas Gerais – onde existem 2.774 detentas provisórias – têm tido dificuldades de fazer valer esse direito. 

A lei, de março de 2016, diz que mulheres presas preventivamente podem pedir a conversão para regime domiciliar, assim como fez a esposa de Sérgio Cabral. Para isso, a criança tem que ter até 12 anos incompletos e é preciso comprovação de que a mãe é essencial para os cuidados dela. As gestantes também podem buscar o benefício. 

“Sofro por não ter contato com meus filhos. Só uma ligação a cada 15 dias”Aparecida Esteves da Silva

“O código não fala nada sobre a natureza do crime. Sendo assim, independentemente de qual acusação pese sobre essas mulheres, elas têm o direito”, explica o especialista em direito criminal, André Myssior. 

Em Minas Gerais, existem 4.410 detentas das quais 63% são provisórias, segundo dados da Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap). Não existem estimativas de quantas delas têm filhos. Mas um levantamento do Departamento Penitenciário Nacional, de 2013, mostrou que 80% das detentas brasileiras são mães.

Desigualdade
Entretanto, como lembra o advogado criminalista e mestre em Ciências Penais (UFMG), Warley Belo, conseguir o benefício não é tão simples. “Nós temos uma lei que não é aplicada a todos deforma igualitária”, questiona.

Constatação fácil de ser feita após contato com as mulheres que vivem essa realidade. A reportagem esteve no Centro de Referência da Gestante Privada da Liberdade, em Vespasiano, na Grande BH. Lá, mães, bebês e gestantes vivem a angústia da separação. 

Será assim daqui a seis meses com Paula Augusta Teixeira Silva, de 21 anos, e a filha Camile de quatro meses. A pequena só poderá ficar com a mãe até completar um ano. “É ruim pensar que ela vai embora. Mas também é muito difícil saber que ela está aqui dentro pagando por algo que não fez”, lamenta. 
Sem conseguir a prisão domiciliar, ela ainda amarga a saudade de outros dois filhos, de 3 e 4 anos. Eles estão agora com a avó materna já que o pai também está preso. O casal, de Belo Horizonte, foi acusado de roubo. Lucas Prates / N/A

 Quem também sonha com o dia em que poderá cumprir a pena em casa é Aparecida Esteves da Silva, de 28 anos. Grávida de seis meses e presa há cinco e meio, ela deixou quatro filhos para trás de quatro, sete, nove e 12 anos. “Eles precisam muito de mim. Estão com minha mãe, que é aposentada. Como ela assalariada, está passando muita dificuldade”, conta, aos prantos. 

Ela até entrou com um pedido de conversão da prisão preventiva para a domiciliar, mas o juiz negou. “Ele disse que meus filhos não precisavam de mim”, conta. Agora o advogado está recorrendo dessa decisão, uma vez que, independentemente dos quatro filhos, ela teria esse direito por estar grávida. “Tenho fé em Deus que vou conseguir”. 

“Se tudo der errado e eu não conseguir sair daqui, espero que minha família fique com meus filhos. Mas ainda tenho esperanças”Lara Ferreira Araújo

 Destino de mães encarceradas depende de definição do juiz

O Código Penal abre a possibilidade de detentas com filhos cumprirem pena domiciliar. Porém, deixa a definição para os magistrados. É a visão de quem for julgar o pedido que define o futuro de mães e filhos. 

“O juiz não entende que é um benefício automático. Um argumento do poder judiciário é que os filhos nem sempre estão sob a guarda ou custódia das mães”, afirma o defensor público Luís Henrique Guimarães de Oliveira. Lucas Prates / N/A

E é justamente essa a explicação da juíza da Vara de Execução Penal de Ribeirão das Neves, Miriam Vaz Chagas. “Não é um direito público subjetivo que deve ser aplicado independentemente da visão do magistrado. É preciso estar evidenciada a necessidade do menor”, afirma. Além disso, segundo ela, por ser uma lei muito recente, os pedidos que chegam aos tribunais ainda são poucos. 

O fato é que a privação do contato do bebê ou criança com a mãe pode acarretar sérios danos ao desenvolvimento dos pequenos. “Tem uma pesquisa que aponta que haveria uma certa perda relativa a coeficiente intelectual de uma criança que teve uma privação muito longa”, explica a mestre em psicologia Cynthia Tannure. Há casos em que elas podem desenvolver um quadro depressivo em resposta a essa situação. 

Foi o que aconteceu com a filha da detenta Uana Dias dos Santos, 30 anos. Presa acusada de tráfico de drogas e grávida de sete meses, a mulher tem outros três filhos, que moram com a avó dela. “De tanto sofrimento, minha filha está com dislexia”.

Já os filhos de Lara Ferreira de Araújo, de 20, não tiveram a mesma sorte de conseguir um aconchego na própria família quando ela foi presa. Inicialmente, as crianças, de 2 e 3 anos, foram levadas para um abrigo inicialmente. Agora, estão provisoriamente na casa de uma família que os recebeu. A mãe sofre por não saber onde elas estão. “Quero muito sair daqui e ficar com meus filhos, mas o juiz negou tudo que pedimos”. 

“O advogado fez pedido para prisão domiciliar e nem resposta eu tive. E não é só minha situação que é difícil. Muitas mulheres sofrem isso”Uana Dias Santos

De família humilde do Vale do Jequitinhonha, Lara estava “tentando a vida” em BH com os filhos. Trabalhou como doméstica, se prostituiu, fez de tudo um pouco para arcar com os custos de viver na capital. Até que começou a namorar um traficante. Presa pela polícia com o companheiro, em um hotel, foi acusada de tráfico de drogas. A detenta aguarda julgamento ao lado do bebê Miguel, quase três meses. 

Juliene Moreira Maia, de 38 anos, aguarda o julgamento sobre a prisão domiciliar para cuidar do bebê Lucas, de sete meses, que está na prisão com ela, e de Bruna, de 11 anos. Saudades já bastam as que ela carrega pela morte do primogênito, Felipe Augusto. Ele foi assassinado aos 16 anos, em 2013, em um baile funk.


 

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