Presidente da Fundação Clóvis Salgado afirma que 'a população está consumindo mais cultura'

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
01/09/2014 às 07:01.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:01
 (Carlos Rhienck/Hoje em Dia)

(Carlos Rhienck/Hoje em Dia)

A ópera “Sonhos de uma Noite de Verão”, baseada em texto de William Shakespeare, é um dos projetos mais aguardados por Fernanda Machado, presidente da Fundação Clóvis Salgado, para o próximo ano. A razão principal é o local da apresentação: a Praça da Liberdade. Independentemente se continuará ou não no cargo, em função das eleições governamentais, a gestora está satisfeita com os frutos deixados após completar um ano à frente do maior complexo cultural da América Latina, representado pelo Palácio das Artes. Outro motivo de orgulho é a realização do Prêmio Fundação Clóvis Salgado de Estímulo às Artes Cênicas, cujo edital deverá ser anunciado nesta terça, com muitas novidades. Entre elas, a criação do prêmio Marcelo Castilho Avelar, no qual o vencedor ganhará uma temporada no Grande Teatro, subsidiada pela instituição.

Com um ano à frente da Fundação Clóvis Salgado, completado no mês passado, como você avalia a sua gestão no comando do maior complexo de cultura da América Latina, representado pelo Palácio das Artes?
Eu cheguei com um desafio muito grande, porque a Fundação está num ritmo intenso de programação, com a execução de 22 atividades diárias. Eram oito no início dos anos 2000. Além da preocupação de manter essas atividades com a mesma qualidade, outra área que foquei foi o Cefar (Centro de Formação Artístico), que tem a sua particularidade e é um dos mais importantes centros de referência artística de Minas Gerais, formando grandes nomes. Eu entendi que a escola precisava de um grande investimento. Como ela ficava aqui dentro, em nosso dia a dia os alunos se misturavam aos artistas e servidores, deixando o espaço mais limitado para eles. E um dos pontos que me agarrei foi a proposta de ocupar outro espaço do Estado. Com isso, conseguimos um imóvel na Praça da Liberdade. Assim que o recebemos, em dezembro, ele passou por uma série de readequações e, num ritmo intenso, mexemos na casa toda para ter a escola de música ali em um tempo muito curto. Costumo brincar que hoje temos o espaço mais barulhento da Praça da Liberdade.

E amplia-se a visibilidade em torno das atividades da Fundação.
É também uma forma de ocupar um dos grandes polos culturais que Minas Gerais tem. O Circuito (Cultural Praça da Liberdade) não é só uma referência mineira, mas também nacional e até internacional. E é muito importante a Fundação Clóvis Salgado estar dentro daquele meio, estrategicamente é muito bom. Sobre a escola, há um outro ponto: antes o aluno pagava uma taxa pelo curso e nós entendemos que o Cefar tem um dever público, principalmente o de dar acessibilidade. Construímos isso regularizando a escola junto ao Ministério da Educação. Ela já era regular, mas precisava de algumas atualizações para oferecer gratuidade nos cursos técnicos. Desde junho, os alunos que ingressam nos cursos técnicos de teatro e dança não pagam um real sequer à Fundação.

O que chama a atenção hoje é a facilidade como a Fundação Clóvis Salgado consegue arregimentar o Estado e a esfera privada em torno de seus projetos, uma realidade completamente diferente de dez anos atrás, em que alguns departamentos tinham muitos problemas para manter uma programação de qualidade.
Hoje é diferente, até porque os resultados que a gente entrega são mais atrativos. A partir do momento que a gente vem de um trabalho nos últimos quatro anos de entregas efetivas, os investimentos do Estado também foram muito significativos. Foi um trabalho de quebra de paradigmas mesmo, com o entendimento de que a Fundação Clóvis Salgado é uma instituição importante. O cenário cultural de Belo Horizonte mudou muito, o que foi muito favorável para a gente. Com a abertura de novos espaços, muitas pessoas disseram que era concorrência. Mas vi nisso algo bom, pois nos levou a realizar investimentos, por exemplo, nos camarins e na iluminação cênica. Tudo isso tem um custo e um peso para o produtor. A partir do momento em que você investe em novas tecnologias de infra estrutura, a queda do custo da produção é que torna o espaço mais atrativo. E é o que torna possível a vinda de alguns espetáculos que a população de Belo Horizonte e Minas Gerais não teriam acesso de outra forma. É um diferencial. Um musical como “Elis”, que está vindo agora, por exemplo, precisa de uma estrutura de camarins para mais de 50 pessoas. E hoje temos condições de fornecer isso. Temos oito camarins completamente revitalizados. Vamos deixar também um grande projeto para a acústica do Grande Teatro. São conquistas não só da gestão como também de todo o corpo da casa. Aqui ninguém trabalha sozinho. É todo mundo muito passional com a Fundação Clóvis Salgado e o Palácio das Artes.

A Fundação Clóvis Salgado não administra apenas o Palácio das Artes, mas também a Serraria Souza Pinto, o Centro de Arte Contemporânea e Fotografia e o Centro Técnico de Produção (CTP). Como está sendo o trabalho com esses espaços?
Outra conquista foi a reabertura, no mês passado, da Serraria Souza Pinto, após passar por uma readequação muito importante, que durou seis meses. Como é um prédio antigo, ele precisa dessas modernizações, até por ser muito utilizado. Fizemos uma nova estrutura de caixa de água, com capacidade para 30 mil litros. A capacidade instalada lá já não atendia à demanda. E a cor da fachada mudou, deixando de ser um rosa claro para mudar para o laranja terroso, que era a sua cor original. Quem ia à Serraria, para olhar o espaço e propor a realização de um evento, jurava que não íamos entregar no prazo, mas a gente bateu na tecla e entregou a obra sem atraso. A programação de eventos já está se restabelecendo, com outubro, novembro e dezembro sem disponibilidade de datas.

O CTP já está de malas prontas para a região central?
Responsável por todos os nossos figurinos, adereços e cenários das óperas e dos espetáculos da Companhia de Dança, o Centro Técnico de Produção é o maior desafio da Fundação Clóvis Salgado para os próximos anos. Hoje ele fica numa edificação tombada pelo Estado, na Vila Marzagão, em Sabará, na antiga fábrica da Marcel Philippe. Numa parceria com a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), recebemos quatro galpões num terreno ao lado da Serraria e da fábrica da Itambé, que abrigará uma série de atividades para tornar esse acervo mais acessível para a população. Com isso, vamos criar uma nova forma de trabalho, com a possibilidade de visitas guiadas de alunos, mostrando toda essa parte de marcenaria e confecção de figurinos, e realização de cursos. Entendemos que temos uma mão-de-obra muito específica na área cultural, como iluminação, maquinaria, cenotecnia e figurino, e com o novo espaço poderemos aumentar o número de cursos. Com a abertura de novos espaços, como Teatro Bradesco, Sesc Palladium e o Cine Brasil, eles levam profissionais que saem de nosso centro de formação. Somos o grande formador de mão-de-obra. Ofereceremos espaços expositivos e implantaremos um palco para ensaios, para entender como ficará os elementos em cena e fazer os ajustes necessários, sem precisar vir tanto para o Grande Teatro. Quando chegar aqui, no Palácio, (o espetáculo) já estará bem redondo em termos de produção. Costumo dizer que a nova edificação é um presente que a Fundação recebeu.

Em relação aos cursos de formação, a FCS está voltada mais para o teatro, a dança e as artes plásticas. Já o cinema não tem esse tipo de atividade, ficando restrito mais à exibição de filmes e a realização de palestras e seminários no Cine Humberto Mauro.
O Cine Humberto Mauro tem hoje um papel de muito destaque em nosso cenário, com um crescimento de público muito significativo a partir de 2012. Primeiramente, no esforço de se trabalhar com um cinema de repertório. Em Belo Horizonte, apenas o Humberto Mauro e o Belas Artes atuam nessa linha. Essa parte de formação é feita por meio das mostras. Cada uma que a gente executa tem, geralmente, um curso, discutindo o olhar do diretor sobre a produção. A maratona de 35 horas do (Stanley) Kubrick (ocorrida em 8 de agosto) levou duas mil pessoas. E foi na noite mais fria da cidade no ano. A mostra do (Alfred) Hitchcock teve 12 mil espectadores. De toda forma, é um processo e ainda temos que buscar outras alternativas. Dentro do nosso escopo de atuação, para fazer um curso de cinema pela escola teríamos que ter aprovação no Conselho Nacional de Educação e visita das inspetoras do MEC. Para esse tipo de curso ainda não temos as qualificações necessárias.

Com esse incremento de público, o Palácio das Artes já deixou para trás o estigma de ser um espaço frequentado apenas pela elite? Há pesquisas que mostram essa mudança de perfil?
A gente vê essa mudança pelo nosso tipo de público, principalmente em relação às produções da casa, em que temos a obrigação de colocar um preço mais acessível ou mesmo com entrada gratuita. A ópera é um grande exemplo. Antigamente, tinha-se o entendimento que ópera era apenas uma atividade dirigida a quem teve uma educação de qualidade. Hoje não. Em nossas óperas, vemos públicos jovens e mais velhos e de classes sociais diversificadas. Um outro aspecto é que, quando realizamos os ensaios, eles são abertos e o público vem. As pessoas estão consumindo mais cultura. Um trabalho que mostrou que o Palácio das Artes é para todos foi a exposição “A Magia de Escher”, que serviu como momento de reflexão para a Fundação. Porque foi aquela loucura de público, com 203 mil visitantes? Um recorde que hoje me faz perguntar quem irá bater esse número. O que aconteceu foi que, com esse trabalho educativo com as escolas, a criança conta o que passou aqui, retornando com o pai e a mãe. Percebemos que era um público, principalmente, familiar. Após esse fenômeno, repensamos a nossa grade de forma a aproveitar melhor esse nicho. Eu credito isso não apenas à democratização do acesso, mas também a uma mudança comportamental da capital. A população está consumindo mais cultura. Hoje, esse medo de que é elite não existe mais.

Quais são os principais projetos culturais para 2015?
Temos algumas perspectivas bacanas. Teremos, por exemplo, as apresentações do Prêmio Fundação Clóvis Salgado de Estímulo às Artes Cênicas. Deveremos lançar o edital terça-feira (terça-feira), no qual contemplaremos quatro categorias nas áreas de teatro e dança. Esse ano o diferencial vai ser o Prêmio Marcelo Castilho Avelar (crítico de cinema e teatro, falecido em 2011), em que o vencedor, uma produção inédita em Belo Horizonte, receberá um valor maior e fará sua temporada no Grande Teatro. Esse edital foi recuperado em 2013, a partir de uma solicitação da classe artística. Agora vai, não só abrir o grande palco de Belo Horizonte para esses espetáculos, que antes eram apresentados apenas nas salas Juvenal Dias e João Ceschiatti, como também aumentaremos o valor do edital.

A grande novidade para 2015 é a apresentação de uma das óperas ao ar livre, na Praça da Liberdade?
Em parceria com o Circuito Cultural Praça da Liberdade, estamos trabalhando na execução de uma ópera na Praça da Liberdade. A gente já tentou fazer isso nesse ano, mas, como não é uma atividade que é continuada na Fundação, tivemos que deixar para 2015 devido à restrição eleitoral. A gente pensou em praça por causa da Copa e, a ideia era mostrar a Fundação de um ponto de vista diferente, na capital e também para o turista. O título que hoje casa muito bem com a Praça é “Sonhos de uma Noite de Verão”. Estamos trabalhando para apresentá-la no primeiro semestre de 2015. 

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