Presidente do Conselho Regional de Medicina relata desafios da categoria e do apoio emocional

Renata Galdino
rgaldino@hojeemdia.com.br
07/04/2020 às 13:35.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:13
 (Divulgação)

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No terceiro ano à frente do Conselho Regional de Medicina – Minas Gerais (CRM-MG), Cláudia Navarro Carvalho Duarte Lemos se vê às voltas com um dos maiores desafios da carreira: ajudar os profissionais da linha de frente no socorro aos pacientes de Covid-19 a manter a saúde mental e física. Graduada em Medicina pela UFMG há mais de três décadas e especialista em reprodução humana, a presidente afirma que estratégias para auxiliar os médicos estão sendo debatidas nas câmaras temáticas da entidade. Cláudia Navarro também demonstra preocupação com a falta de equipamentos individuais nas unidades de saúde em meio à pandemia. A médica reforça, ainda, a necessidade de manutenção do isolamento social que, para ela, é essencial para evitar a sobrecarga nos atendimentos e na rede de saúde. Nesta entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, a titular do CRM comenta sobre esses e outros assuntos. Confira.DivulgaçãoCláudia Navarro, presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM)

A Covid-19 avança cada dia mais. A rede médica, principalmente a vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS), está preparada para lidar com o aumento desses casos?
O que temos avaliado é que, do ponto de vista das secretarias de Saúde do Estado e Municipal de Belo Horizonte, existe uma preocupação enorme com a crise e com o caos que pode ser instalado. Pelo nosso acompanhamento, os gestores públicos estão tomando as medidas cabíveis e possíveis neste momento para uma crise que já assolou outros países. Por outro lado, existem dificuldades que independem da própria vontade dos gestores públicos, como a falta de EPIs (equipamentos de proteção individual). Há dificuldade de compra tanto por parte dos hospitais públicos quanto dos privados. Mas acreditamos que a saúde pública e suplementar tem tomado medidas que esperamos serem suficientes para evitar a instalação de um caos.

O isolamento social, principal aposta para reduzir a velocidade do pico do novo coronavírus, virou alvo de polêmica em várias frentes. Qual a recomendação do CRM?
O isolamento social deve ser feito, é a experiência de outros países e a medida mais segura para evitar a disseminação do novo coronavírus. O isolamento é para proteção não só da pessoa que está dentro de casa, mas também para os contatos dela e para os profissionais na linha de frente nesse enfrentamento, como os da saúde, da segurança. A gente pede para que as pessoas sigam essa quarentena.

“A partir do momento que se consegue uma ferramenta que permite o atendimento ao paciente sem que nem ele nem o profissional saiam de casa, estamos contribuindo para evitar a disseminação do vírus”

Por falar em profissionais na linha de frente, como os médicos estão lidando com toda essa situação?
É importante ressaltar a luta desses profissionais neste momento. Eles estão muito preocupados, mas cientes do seu papel em meio à pandemia. Temos tido uma ajuda muito grande deles. A orientação do CRM é para que não abandonem seus postos, mas que tenham total segurança no atendimento aos pacientes.

Médicos de todo o mundo, inclusive do Brasil, relatam os desafios emocionais e físicos em meio ao combate à Covid-19. Como os profissionais mineiros estão sendo acolhidos até mesmo para preservar a saúde deles?
O CRM está muito preocupado com a saúde do médico. Estamos estudando estratégias para dar suporte no que diz respeito à saúde mental desse profissional. Alguns hospitais já estão fazendo um bom trabalho de acolhimento e orientação, mas estamos estudando algumas medidas para também ajudar.

Muitos profissionais da saúde têm denunciado a falta de equipamentos, como máscaras, para os atendimentos aos pacientes nessa epidemia. O CRM tem acompanhado esses casos?
É possível o profissional solicitar ao CRM uma fiscalização para avaliar a real situação do local de trabalho e tomar as medidas perante o gestor de saúde pública e diretoria da unidade de saúde, para analisar o que pode ser feito. Se for encontrado indício de irregularidade, o CRM abre procedimento para investigar se houve ou não infração ética de algum profissional médico. Em caso positivo, o profissional responsável por aquela infração pode ser apenado. O Conselho tem trabalhado nos casos que chegam, mas todos os procedimentos correm em sigilo.

As autoridades anunciaram o reforço de estudantes da área da saúde neste momento de epidemia. Qual a avaliação o CRM faz desse reforço?
Por ser uma medida federal, estamos esperando pronunciamento do Conselho Federal de Medicina, pois vamos seguir as recomendações que vierem. 

Algumas novidades, que dizem respeito até mesmo a assuntos amplamente debatidos nos últimos tempos, foram apresentadas pela área médica em meio à pandemia de Covid-19. A telemedicina, autorizada pelo Ministério da Saúde, é uma delas.
A partir do momento que se consegue uma ferramenta que permite o atendimento ao paciente sem que nem ele nem o profissional saiam de casa, estamos contribuindo para evitar a disseminação do vírus. A portaria do Ministério da Saúde deixa claro que a medida abrange tratamentos emergenciais em período de crise e, pelo menos a princípio, não veio para ficar. O Conselho concorda totalmente com o que está na portaria. O CFM (Conselho Federal de Medicina) está ciente da necessidade de uma telemedicina e tem tentado regulamentá-la. Temos uma portaria que trata o assunto, mas datada de 2002 e precisa ser atualizada. O tema deve voltar a ser discutido após a pandemia. Será bom ter esse período de experiência nesse momento.

Qual o grande desafio para a implantação definitiva da telemedicina?
A maior preocupação com a telemedicina é com o próprio sigilo e a relação médico-paciente. Todos nós damos uma importância muito grande para a presença, o acolhimento.

“Estamos vivendo uma época de pandemia, uma crise nunca antes vivida em nosso país, e sabemos que o principal componente para manter o crescimento dos doentes seria justamente o isolamento social”

Quais cuidados o médico deve ter ao lançar mão da telemedicina?
Ele precisa manter todos os preceitos éticos de um atendimento presencial, como sigilo profissional, respeito, empatia, boa relação médico-paciente. Tudo isso deve ser mantido mesmo nas consultas virtuais.Divulgação

E os cuidados por parte do paciente?
Com relação à escolha do médico, o paciente deve ter todos os cuidados que também seriam necessários em um atendimento presencial. Saber a respeito daquele profissional, se tem indicação, especialidade registrada no Conselho Regional de Medicina. Na grande maioria das vezes, esse paciente vai procurar o médico que já o assiste. O importante é a pessoa saber que a teleconsulta pode ser feita desde que não seja necessário o exame físico. Nesses casos, precisa de uma consulta presencial ou encaminhamento ao pronto-atendimento. Temos recomendado às pessoas ficar em casa. Vale ressaltar que as chamadas consultas eletivas (sem urgência) não estão proibidas, mas a recomendação é para evitá-las.

A teleconsulta acaba sendo importante para que as pessoas em quarentena não interrompam tratamentos médicos…
Sem dúvida. Outra novidade que veio é a possibilidade de o médico emitir receitas de medicamentos controlados ou de atestados por via digital. A consulta digital não necessita de assinatura digital do profissional, mas a assinatura digital é extremamente essencial no caso de receita controlada ou atestado médico, ou seja, documentos que só têm validade se assinados. Nesses casos, não adianta fazer receitas como de antibióticos e antidepressivos, por exemplo, escanear e enviar para o paciente, sem a assinatura digital, pois elas não terão validade. A receita comum, de um hipertensivo por exemplo, já não precisa. O médico pode emitir, tirar foto e encaminhar para o paciente via WhatsApp.

“O que temos avaliado é que, do ponto de vista das secretarias de Saúde do Estado e Municipal de Belo Horizonte, existe uma preocupação enorme com a crise e com o caos que pode ser instalado”

Sobre a valorização do médico na rede pública de saúde, o que, de fato, é preciso fazer para atraí-lo para o SUS e até mesmo levá-lo para localidades com carência de profissionais?
Sem dúvida a questão passa pelo plano de carreira. Nesse caso, o profissional começa a trajetória em um local mais remoto e, a partir daí, tem a oportunidade de ser transferido para cidades maiores e mais próximas das capitais. É preciso pensar em algo como hoje acontece para a carreira de um juiz ou promotor.

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