Professor afirma que se a arrecadação cair, as contas de água e luz vão subir

Renata Galdino - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
26/01/2015 às 07:29.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:47
 (André Brant/Hoje em Dia)

(André Brant/Hoje em Dia)

A redução no consumo de água para aliviar a crise hídrica, principalmente na região Sudeste do país, poderá aumentar as tarifas de água e luz. É o que prevê o coordenador do Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídricos (CPH) da UFMG, professor Carlos Barreira Martinez. “Se a arrecadação cai, é inevitável o aumento da tarifa para compensar as perdas das empresas”, afirma. À frente do CPH desde 1997, o engenheiro civil não tem esperança de que a situação da falta de água melhore nos próximos anos. Ao Hoje em Dia, ele explica o que levou o país a chegar nesse ponto e o que poderá ser feito a curto e longo prazos para amenizar o problema.

Como estados de um país com tamanha abundância de recursos naturais chegaram a esse nível de desabastecimento de água? A culpa é dos céus?
São vários motivos. Falta de planejamento, de investimento e encarecimento das obras públicas, que se tornam inviáveis quando o custo é muito alto. A culpa não é só dos céus. Os homens têm boa parte nessa culpa. É um problema generalizado. A crise também está relacionada à gestão no país.

São dois anos com chuvas abaixo da média. São normais as épocas de baixa precipitação? Há como se prever isso e planejar ações que evitem desabastecimento?
Claro que dá para evitar o desabastecimento com planejamento, construção de reservatórios e melhorias das redes de abastecimento de água que, no Brasil, são verdadeiras peneiras.

O senhor já vinha alertando para o risco de racionamento e apagão, com piora da situação em 2015. Quando percebeu que isso seria inevitável caso alguma medida não fosse tomada?
Em 2010 ficou bem claro que o Brasil não conseguiria acompanhar o ritmo de crescimento se fossem mantidos os níveis da época. Os custos da infraestrutura também estavam altos, inviabilizando qualquer tipo de investimento em todos os setores. Então, temos aí o caminho da ‘desgraça’. A demanda aumenta, a população necessita de mais água, energia, infraestrutura, e o país pagando mais caro por esses investimentos. Não vou dizer que é um problema dos últimos cinco anos, ele vem de décadas. Fomos passando por cima dele sistematicamente. O país cresceu, tem hoje quase 200 milhões de pessoas e é uma nação importante. Porém, os pequenos problemas cresceram na mesma proporção. Se as pessoas estão achando difícil agora é porque não estão olhando para 2020.

A tendência é piorar?
Acho que vai piorar muito antes de começar a melhorar. O problema não é apenas de investimentos, não está só relacionado a uma mudança ambiental. O problema é de Estado. O Estado brasileiro está doente, apresentando uma série de sintomas. A febre é a falta de água. O cansaço, falta de energia elétrica.

O que se pode fazer a curto prazo para amenizar os efeitos da falta d’água?
Atuar em duas frentes. Dentro de casa, medidas simples como dar descargas curtas, tomar banhos em intervalos menores de tempo, o suficiente para se higienizar, regar as plantas com uma leiteira ou garrafa pet. Também não se deve jogar água na calçada. Lavar o carro, nem pensar. Nunca lavei o carro, só passo um pano úmido quando está muito sujo. Sou criticado, mas acho isso um absurdo. Não é uma questão de ser pão-duro. É desperdício. Já as empresas que gerenciam o sistema devem reduzir a pressão da rede. Se isso acontecer à noite, por exemplo, faltará água nesse período, mas agora é extremamente necessário. Também é preciso melhorar o controle de perdas na captação e distribuição da água.

O senhor alerta que, reduzindo ou não o consumo de água, as tarifas irão aumentar. O ideal não seria o consumidor que gasta menos ser recompensado até mesmo com baixa no valor da conta?
Uma empresa de água funciona como um condomínio. Há custos para a captação de água, de pessoal, de energia. Se a população começa a consumir metade da água, os custos da companhia só diminuirão uma pequena porcentagem, e as empresas precisam se manter. Será assim: o prêmio para consumir menos é o aumento da tarifa.

Discute-se muito a multa para quem desperdiça água. Punição desse tipo é a ideal?
Ameaçar com multa é válido nesse momento crítico, mas não surtirá efeito a longo prazo. A punição mais eficaz é a social. Se meu vizinho está lavando o carro com mangueira, por exemplo, eu tenho que falar com ele que isso não está certo. Caso todas as pessoas agissem assim, quem está desperdiçando vai pensar melhor antes de praticar o que é errado. A punição social é muito mais cara, dói muito mais que a monetária. A pressão social é muito importante.

O senhor, então, é contrário a uma punição drástica?
Não sou contrário à punição monetária imediata. Só acho que ela é inútil. Deve-se adotá-la numa situação de crise para evitar que o sujeito faça o errado por teimosia ou por achar que pode fazer porque está pagando. Esse tem que ser multado sim. A ação de fundo, no entanto, seria conscientizar às pessoas.

Quais políticas públicas poderiam estar em vigor para incentivar a população a poupar água?
Não gosto do termo “incentivar a economizar”. A população não tem que ser incentivada, ela tem que ser conscientizada. O incentivo passa, a conscientização fica. Todas as campanhas são erradas porque são de incentivo e não servem para nada. A conscientização é um processo longo. Uma campanha poderá surtir efeito só daqui a 20 anos. Portanto, não é uma ação de determinado governo, ela tem que ser de Estado, permanente.

O senhor percebe que a população entende que precisa mudar?
Recentemente vi uma senhora varrendo a calçada em Santa Luzia (Grande BH). Para instigá-la, perguntei o por quê de não lavar o passeio com uma mangueira. Assustada, ela me perguntou se eu não estava sabendo da falta de água. O povo sabe que precisa mudar a mentalidade. Só precisa de uma orientação de como fazer.

A Copasa lançou a campanha para redução do consumo na última quinta-feira. A ação é tardia?
Claro! A companhia deveria ter feito isso há um ano e meio. Se ela seguisse os conselhos dos técnicos, e não dos mandatos políticos, poderia ter adiado a situação crítica para daqui a dois anos. A partir daí é possível imaginar o cenário que estou prevendo. Se não houver eventos de chuvas significativas nesse período, o que acho que não vai haver, passaremos muito aperto. Isso é só o começo.

A longo prazo, quais investimentos devem ser feitos?
São duas vertentes. Uma delas é a infraestrutura, implantando barragens de regularização em rios, represas. Tem que se pensar em sistemas de captação de poços profundos, que permitem a empresa captar água de aquíferos, a cerca de 200 metros de profundidade. Essa, inclusive, poderia ser uma ação imediata. Algumas cidades do Triângulo Mineiro já fazem isso. A empresa também tem que investir em programas de redução de perdas. Perder 30% de água, como ocorre em Minas, é um absurdo. A outra vertente é organizacional, colocando perfis técnicos para comandar as grandes empresas públicas.

Ambientalistas falam no aquífero Guarani, uma reserva subterrânea que fica sob o Sudeste (principalmente SP e MG). É viável financeiramente e do ponto de vista ambiental usá-la?
Essa reserva é muito mal usada. Porém, é preciso tomar cuidado se for recorrer a ela. A reserva também acaba, fica poluída. Tem que ser usada com parcimônia. Não dá para sair abrindo poço achando que vai resolver o problema. Não sei se, de fato, hoje dá para usá-la. Mas se optarem por isso, são necessários estudos criteriosos para que não reduza o aquífero e daqui a 30 anos o preço da irresponsabilidade bata à nossa porta de novo. Em se tratando de água, não existe o viável ou não financeiramente. As pessoas morrem sem água. Se precisar usar o aquífero, use.

Os sistemas de abastecimento da Grande BH são suficientes e usados de maneira errada, ou outras fontes de água já deveriam estar sendo exploradas e preparadas para emergências?
A região tem uma boa rede de distribuição de água. A princípio é suficiente. Ela tem sempre que ser expandida porque a cidade cresce, e a Copasa faz isso. A situação em BH ainda não é tão crítica quanto a de São Paulo. Porém, a rede aqui apresenta um nível de perdas muito alto.

Algum reservatório mineiro tem situação mais preocupante hoje?
O de Furnas. Destinado para geração de energia elétrica, ele está praticamente vazio. Conseguimos ver árvore crescendo dentro dele. Existe a crise da água, mas não há como desassociá-la à da energia elétrica.

Como outros países que têm muito menos fontes naturais de água conseguem manter o abastecimento sem crise?
Arábia Saudita, Portugal, Emirados Árabes, por exemplo, passam por problemas, mas não há crise nessas nações. Isso se deve a planejamento e investimento.
 

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