Queixas de injúria racial registradas pela Polícia Civil em BH aumentam 25%

Renato Fonseca e Raquel Ramos - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
04/11/2015 às 06:50.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:19
 (Editoria de Arte)

(Editoria de Arte)

O que era para ser uma singela demonstração de carinho com a publicação da foto abraçada ao namorado se transformou em inferno na vida de uma jovem de 20 anos, despertando graves ofensas na internet. Para um universitário de 24, abrir a porta do próprio carro na faculdade gerou suspeita à polícia, que agiu com truculência contra o inocente. Já uma criança de 8 resolveu postar vídeos na web em defesa do cabelo crespo, mas mesmo assim é obrigada a conviver com comentários maldosos até na escola.

Os fatos são diferentes, mas os problemas são comuns. Os personagens principais são negros e vítimas dos mais extremos preconceitos entre os intolerantes. O principal meio usado é a internet, onde as ofensas “viralizam”, ou seja, se espalham com muita rapidez.

As histórias remetem ao caso recente envolvendo a atriz Taís Araújo, que ao compartilhar uma fotografia na rede social foi atacada com comentários racistas em série, como “Te pago com banana”, e lançam um alerta para a proliferação de crimes do tipo.

De janeiro a setembro deste ano, os registros de injúria racial tiveram salto de 25% em Belo Horizonte. Quarenta e quatro pessoas procuraram a polícia para prestar queixa em 2015, contra 35 no mesmo período de 2014.

A injúria racial está prevista no Código Penal, associada ao uso de palavras que depreciam a pessoa pela cor da pele, raça, etnia, origem e religião. O Código Penal prevê pena de prisão de um a três anos, além de pagamento de multa.

Já o crime de racismo, previsto na Lei Federal 7.716/1989, atinge uma coletividade de indivíduos. É inafiançável e imprescritível, como por exemplo proibir o acesso de negros a uma determinada escola.

Um dos casos de maior repercussão aconteceu em agosto de 2014. Após postar no Facebook uma foto abraçada ao namorado branco, uma jovem negra recebeu comentários como “Onde comprou essa escrava?”. O perfil da jovem foi tirado do ar, mas a foto foi compartilhada por outras pessoas.

O delegado Eduardo Freitas da Silva ficou responsável pela investigação. Segundo a Polícia Civil, ele aguarda o posicionamento da empresa responsável pelos perfis do Facebook para dar andamento ao inquérito.

PROVAS PRESERVADAS

Para o advogado Alexandre Atheniense, especialista em Direito Digital, o primeiro passo a ser dado pela vítima é a preservação da prova. Tirar uma foto ou “printar” a publicação são alternativas, mas não as melhores. “As informações, na internet, aparecem e desaparecem com muita rapidez. Por isso, é preciso ficar atento”, diz.

Uma possibilidade pouco conhecida pelas pessoas, reforça o especialista, é procurar um cartório de notas e pedir a um funcionário para acessar e constatar a prática criminosa. “É o mais desejável. Assim, você terá dados precisos e registrados em ata notarial”. Atheniense aconselha a todos procurar um advogado e acionar a Justiça.

É impossível estimar quanto tempo levará o processo. “É uma caixinha de surpresas. Depende do tipo de rede social utilizada, seja Facebook, Instagram ou WhastApp, da polícia localizar o autor, do juiz que estiver lidando com o assunto”.



Aplicativo promete monitorar postagens e identificar criminosos

Será lançado neste mês um aplicativo capaz de monitorar postagens nas redes sociais que reproduzam mensagens de ódio, racismo, intolerância e violência. Usuários poderão ser identificados e denunciados aos órgãos competentes. O instrumento foi criado pelo Laboratório de Estudos em Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Batizado de Monitor de Direitos Humanos, o aplicativo foi encomendado pelo Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Ele buscará palavras-chaves em conversas que estimulem violência sexual contra mulheres, racismo e discriminação contra negros, índios, imigrantes, gays, lésbicas, travestis e transexuais. Os dados ficarão disponíveis on-line.

Segundo o superintendente de Povos e Comunidades Tradicionais, João Carlos Pio de Souza, da Subsecretaria de Igualdade Racial, acompanhamento e assessoria jurídica são oferecidos às vítimas em Minas. Porém, ele reconhece que o serviço é restrito e ainda pouco divulgado. Souza garante que o Estado tem dialogado com outros órgãos, como a Defensoria Pública e o Ministério Público, para melhorar as atuações. Campanhas informativas também serão ampliadas a partir do ano que vem.

DEMORA

Quem é alvo de preconceito na internet e registra boletim de ocorrência pode demorar para ver os agressores punidos. Em média, um inquérito demora de seis a oito meses para ficar pronto e ser encaminhado à Justiça, informou a assessoria de imprensa da Polícia Civil.

Esse é o prazo para que os agentes façam as análises dos materiais apresentados pela vítima, identifiquem o autor e, caso necessário, solicitem ao Poder Judiciário a quebra de sigilo de informações.

Até mesmo a retirada do conteúdo do ar é lenta. Pela lei, as redes sociais têm até 30 dias para tomar essa providência.

Entre as redes sociais, o Facebook lidera o ranking dos casos de crimes contra a honra, sejam em postagens, vídeos ou fotos. Em segundo aparece o WhatsApp, acompanhado do Instagram em terceiro.

Procurado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou que o sistema atual não informa separadamente os processos em andamento sobre injúria racial.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por