Quem mora ou trabalha próximo a barragens em Minas já planeja até vender a casa

Tatiana Moraes e Simon Nascimento
29/01/2019 às 23:04.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:18
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Moradores de cidades mineradoras estão em pânico após a tragédia em Brumadinho, na Grande BH, que até o momento deixou um saldo de 84 mortes. Quem mora ou trabalha próximo a barragens planeja até mesmo vender a casa ou a empresa, mudando completamente uma vida já estabelecida.

“Estou no caminho dos rejeitos. Não podemos viver esse risco”, lamenta Marcos Carvalho, proprietário da churrascaria Malongo, na Estrada do Engenho Seco, em Sarzedo, também na região metropolitana. 

A barragem que ele se refere é operada pela Itaminas. Em 1986, um dos reservatórios da empresa se rompeu. Sete pessoas morreram e houve danos no Rio das Velhas e no Córrego dos Andaimes. Mais de 10 quilômetros de mata também foram atingidos.

A churrascaria tem oito funcionários, que também estão apavorados. “Eles têm família, assim como eu, que tenho dois filhos. Como trabalhamos em paz assim? Estou a 4 quilômetros da barragem e nunca participei de um treinamento, nada”, critica o empresário. 

Moradores do bairro Brasília, o aposentado Valter Belizário, de 61 anos, e a costureira Sebastiana de Jesus, de 54, estão apreensivos. Segundo ele, uma equipe da mineradora esteve na casa deles, ano passado, fazendo um check-list da residência e pegando contatos de familiares. 

O temor se ampliou com o rompimento das barragens da Vale em Brumadinho, segundo Sebastiana. “Eu tenho muito medo porque mora só eu e meu marido. Não temos idade mais para correr. Nós estamos na reta da mina e isso me preocupa muito”, diz. 

Belizário, entretanto, pede mais fiscalização após o rompimento em Brumadinho. “Eu moro aqui tem 30 anos e sempre teve boatos de risco dessa barragem. Mas ninguém nunca desmentiu, apresentou laudo de segurança, então fica a desconfiança”, disse Valter.

Em Congonhas, na região Central, o medo de um desastre é justificado pela operação da barragem Casa de Pedra, administrada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a cerca de 200 metros das residências. A estrutura é a maior entre as dez que cercam o município e tem capacidade para 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Lucas Prates

“Sem vender a casa não tenho para onde ir”, diz Neusa Monteiro, de 54 anos, moradora de Congonhas

Nas ruas da cidade, o temor é percebido principalmente no bairro Residencial Gualter Monteiro. A comunidade é o primeiro alvo da lama, em caso de rompimento, já que está sob o pé da estrutura.

Ex-funcionário da Vale, Sandoval de Souza Pinto Filho acredita em um cenário parecido ao das barragens em Brumadinho. “A fiscalização diz que está tudo certo. Mas se rompe a barragem, é porque houve erro e desrespeito à legislação. Se não tivesse descumprimento de lei, certamente não estaríamos hoje lamentando duas tragédias e alertando para outras”, diz ele, que é diretor de Meio Ambiente e Saúde da União de Associações Comunitárias de Congonhas (UnaCcon).Lucas PratesMorador do bairro Brasília, o aposentado Valter Belizário também teme pelo futuro

Exigências

Segundo o promotor de Justiça de Defesa do Meio Ambiente em Congonhas, Vinícius Alcântara Galvão, em 2013 o Ministério Público recebeu uma denúncia de risco na barragem. Naquele ano, uma perícia foi feita e os agentes constataram irregularidades na estrutura. No entanto, a CSN teria cumprido com todas as recomendações feitas.

O mesmo se repetiu, segundo Galvão, em 2017, quando ficou decidido que a mineradora teria que ativar um plano para caso de emergência. “A perícia identificou que eram muitas as irregularidades. Havia infiltração, por exemplo”, explicou. As exigências também foram cumpridas.

Entretanto, o que vem se arrastando desde 2014 é o pedido da empresa em altear a barragem. “Como de praxe, solicitei uma perícia, mas foi no dia anterior à tragédia de Brumadinho e, agora, toda a logística está voltada para ela”, disse. A CSN não se pronunciou e os responsáveis pela Itaminas não foram encontrados pela reportagem. (Colaboraram Bruno Inácio e Lucas Soares)


 

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