Raiz histórica de Minas Gerais é esquecida nos sítios minerários

Bruno Moreno - Hoje em Dia
29/09/2013 às 08:54.
Atualizado em 20/11/2021 às 12:52

Apesar de a origem do nome de Minas Gerais ser uma referência à extração mineral iniciada no fim do século 17, não há nenhum sítio arqueológico efetivamente preservado e protegido que represente a razão dessa nomeação. Muitos foram depredados ou descaracterizados.   Em um panorama geral, a pré-história do Estado e a história recente, pós-colonização, encontram-se ameaçadas, seja pelo vandalismo, com depredações desse importante patrimônio histórico e cultural, como também pela mineração que, entre os séculos 17 e 20, foi a responsável pela constituição de parte desses sítios históricos.   A partir deste domingo (29), o Hoje em Dia inicia uma série de reportagens que irão mostrar, aos domingos, a situação dos sítios arqueológicos em Minas.   Em Mariana, na Região Central do Estado, ainda há duas áreas em bom estado de conservação, mas sem qualquer preservação eficaz por parte do poder público, ficando sujeitas ao vandalismo e à ação da natureza. São os morros de Santana e Santo Antônio, que totalizam 263 hectares.   Eles constituem o maior e mais importante conjunto representativo da mineração de ouro nos séculos 18, 19 e 20, no Brasil, já identificados por especialistas e tombados como patrimônio paisagístico e arqueológico em nível municipal.   Os morros fazem parte de um complexo de mineração na região onde hoje ficam Mariana e Ouro Preto. Nessa mesma área ainda resistem outros remanescentes, como o Morro da Queimada, que já foi muito degradado.   Como a exploração de ouro naquele período, em nível mundial, foi feita no Brasil – em Minas Gerais e Goiás – e na África, é possível que o conjunto arqueológico identificado em Mariana seja um dos maiores e mais significativos ainda existentes em toda a América Latina.   Até o momento, não há registro de outros sítios arqueológicos com a complexidade, tamanho e variedade de estruturas verificados em Mariana.   Lá foram encontradas ruínas de construções que abrigaram os escravos que se arriscavam nas minas subterrâneas em busca do ouro que seria enviado a Portugal, ou mesmo utilizado nas igrejas locais.   Morros abrigavam vilas complexas   As ruínas mostram que nos morros foram construídas vilas complexas, com estruturas comerciais, residenciais, fabris e de mineração.    O “Dossiê de Tombamento – Conjunto Paisagístico e Arqueológico – Morros Santana e Santo Antônio”, produzido em 2007 por um grupo de profissionais das áreas de arqueologia, geografia, história, biologia e arquitetura, dentre outros, encontrou resquícios de estruturas divididas em sete áreas.   Apesar de passados três séculos desde que foram erguidas, foi possível verificar quais eram as funções de cada uma delas. Essas construções demonstram como era o cotidiano das vilas e sua dinâmica, inclusive com as divisões sociais e econômicas. Lá viveram os escravos e os capatazes que os aprisionavam, além de sacerdotes.   A vida se resumia a trabalhos forçados na abertura de galerias e extração do ouro. Os senhores, que lucravam com a comercialização do metal, não moravam lá.


Uma das ruas embaixo da terra, por onde circularam milhares de escravos em busca de ouro (Foto: Samuel Costa/Hoje em Dia)   A identificação desses espaços foi feita por meio de detalhes nas construções e depoimentos. Os armazéns de alimentos e itens de uso geral tinham muitas janelas.   Já o local onde ficava a senzala no morro do Santana foi indicado por relatos de moradores.   Dentre as estruturas diretamente ligadas à mineração, as canoas – locais onde o ouro era lavado – ainda estão em bom estado de conservação e, confrontadas com desenhos da época, foi possível identificá-las.   Falta plano de manejo para a preservação    O próximo passo para que os morros de Santana e Santo Antônio sejam efetivamente preservados é a elaboração de um plano de manejo, que deve ser custeado pela Prefeitura de Mariana.    Os sítios históricos foram tombados pelo patrimônio municipal em 2008. Desde então, pouco foi feito para que a área possa ser visitada pela população local, por turistas ou pesquisadores.   Segundo o coordenador de preservação da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Mariana, Lélio Pedrosa, neste ano foi solicitado recurso para a elaboração do plano de manejo junto ao PAC das Cidades Históricas. Entretanto, o recurso não foi aprovado.    Outras 15 intervenções em Mariana, que já tinham projetos prontos, receberão R$ 62 milhões do governo federal.   Diante da urgência de se elaborar o plano de manejo, na última semana o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural aprovou a abertura de licitação, que deve ser feita até o fim do ano.   Para a arqueóloga Alenice Baeta, co-responsável pelo dossiê dos morros Santana e Santo Antônio, o plano de manejo é fundamental.   “Não se pode abrir para visitação, porque é perigoso e inadequado do ponto de vista legal e patrimonial. O plano de manejo vai indicar quais trilhas podem ser feitas, visando a interpretação e sinalização dos locais”, enfatiza.   O arqueólogo Henrique Piló, que assina o dossiê junto com Alenice Baeta, reforça que o plano de manejo é essencial também para a segurança e acessibilidade das pessoas.   “Não adianta inventariar e depois deixar destruir. É preciso uma política muito séria de preservação, proteção e divulgação desses sítios históricos”, argumenta o arqueólogo.    300 anos marcados em trilhas e ruínas   Caminhar pelos morros de Santana e Santo Antônio, entre as ruínas, galerias e ruas é mais do que uma viagem ao passado. É uma aula de 300 anos de história.   Após a abolição da escravatura, em 1888, a exploração dos morros continuou, mas de forma diferente. Houve quem tentou continuar a escavar. Já outros derrubaram paredes, imaginando que escravos pudessem ter escondido ouro entre as pedras, com a esperança de um dia conseguir a liberdade. Nos montes de rejeito, outros garimpavam e encontraram pequenas porções de ouro.


Vizinho ao morro de Santana, Salvador guarda itens encontrados nas ruínas (Foto: Samuel Costa/Hoje em Dia)   Por isso, aliado ao abandono de décadas, uma parte significativa desses sítios históricos foi ao chão. É verdade que as ruínas encontradas ali não são tão vistosas como as de Machu Pichu, no Peru, por exemplo. Mas, ao mesmo tempo, o complexo de estruturas localizadas em Mariana, contemplando toda a organização de uma vila de exploração aurífera, inclusive com as galerias subterrâneas, é valiosíssimo para a cultura nacional.   O maior risco que os sítios históricos correm atualmente é a depredação, pois não há cercas que impeçam ou controlem a entrada no local.   Apesar disso, no morro de Santana ainda é possível encontrar brunidores – pedras utilizadas para quebrar outras onde poderia haver ouro – abandonados pelas ruínas. Esses objetos representam a essência da mineração no Estado, e estão esquecidos.

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