Ribeirinhos lamentam morte do Rio Doce e acham difícil acreditar em recuperação da água

Ana Lucia Goncalves
22/11/2015 às 09:58.
Atualizado em 17/11/2021 às 03:02
 (Leonardo Morais/Hoje em Dia)

(Leonardo Morais/Hoje em Dia)

Além da lama, as águas do rio Doce que descem para o mar carregam lágrimas. E também histórias. Muitas são de gente simples que cresceu e ainda depende do curso d’água para sobreviver, outras de quem juntou fortuna às suas margens. Em comum, a tristeza e a descrença quanto à recuperação de um dos principais rios de Minas, devastado após o rompimento da barragem de rejeitos de minério da Samarco.

Ela não teve a casa arrancada pela lama nem perdeu parentes na tragédia. Mas, a 171 km do epicentro do desastre, a dona de casa Sandra Lúcia de Castro, de 46 anos, chora todas as vezes que olha para o rio no distrito de Pedra Corrida, em Periquito, onde sempre viveu e onde os três filhos cresceram. “Tomava banho, lavava roupas e vasilhas aqui. Os meninos brincavam ao redor e se distraíam pegando peixinhos. Hoje a água tem cheiro de morte”.

A água tratada chegou à comunidade há 12 anos, mas a dona Maria da Conceição de Castro, de 80, não mudou sua rotina. De um pequeno poço alimentado por um canal que ela mesma improvisou no quintal, mata a sede, lava a roupa, cozinha e rega a horta. O banheiro de lona continua no mesmo lugar, com sabonete e bucha. “Até a chegada da lama, era nele que tomava banho. Sei que não vou ver esse rio limpo”.

Dona Maria criou dez filhos às margens do Doce, “com a água do rio”. Hoje ela tem 17 netos e dois bisnetos. “Sei que não vou ver esse rio limpo, mas desejo que alguém da minha família possa contar a historia dele, dizer que morreu e nasceu de novo”.

Confira a galeria de imagens dos afetados pela tragédia:

ESPERANÇA

Assim como em Periquito, o que mais se vê em outras cidades ribeirinhas são órfãos do rio Doce. Criador de porcos e galinhas na zona rural de Naque, o aposentado José Lino de Marques, de 90 anos, acredita que o curso d’água vá se recuperar rapidamente.

Trinta e cinco dias depois de a beleza do rio Doce ser exaltada pelo Hoje em Dia por meio das lentes do repórter fotográfico Leonardo Morais, o cenário que se vê é desolador. O rio que passar por 228 municípios mineiros e capixabas e alimenta mais de 3,5 milhões de pessoas mudou de cor: se transformou em um “mar de lama”. E de lágrimas. O pôr do sol não tem mais o mesmo brilho refletido no leito, agora opaco e sombrio.

Quem para às margens do rio para contemplá-lo, sente um gosto amargo ao sentir histórias se perderem nas águas barrentas. Histórias, brincadeiras, trabalho, água, peixes. Se antes o problema era o baixo nível do rio em função do longo período de estiagem, agora a necessidade de cuidado é ainda maior. E o mundo está atento, à espera das ações de recuperação para que o Doce volte a viver e não seja apenas uma lembrança.

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