Rio Doce sofre com falta de água e estiagem pode ser a pior da história

Paula Coura
pcoura@hojeemdia.com.br
10/08/2016 às 20:08.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:17
 (Daniel Antunes / Divulgação)

(Daniel Antunes / Divulgação)

Não bastasse o medo de beber água contaminada por resíduos da mineração, após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, moradores de Governador Valadares e outros municípios do Vale do Rio Doce sofrem com a escassez do recurso natural. A seca deste ano, a primeira após a tragédia, caminha para ser a pior já registrada.

Historicamente, setembro é o período mais crítico da estiagem, mas a queda drástica no volume de água da bacia do rio Doce, que abastece a região, já transforma a paisagem e lança um alerta para o próximo mês. Em alguns pontos já é possível ver as bases de apoio dos pilares das pontes e até a formação de bancos de areia.

Medições feitas pela Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais (CPRM), que faz o monitoramento pela Agência Nacional das Águas, mostram o tamanho do problema. Nas três estações existentes no Doce, a vazão do curso d’água está abaixo da média histórica. Os dados mais recentes, no entanto, são de julho e já houve piora nas últimas semanas.

Dificuldade

Com 278 mil habitantes, Valadares depende exclusivamente das águas do rio Doce para o abastecimento urbano. No inverno, são necessários 900 mil litros por segundo e na época de calor, 1,2 milhão de litros por segundo. “Atualmente, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) consegue captar entre 600 mil e 700 mil litros por segundo”, informou o gerente de projetos e geoprocessamento do órgão, Elton José Teixeira.

Segundo ele, sedimentos vindos de Fundão ainda estão depositados na calha do rio, prejudicando a captação. Os rejeitos e a lama se instauraram no fundo e nas bordas do curso d’água, diminuindo a vazão. Foi necessário instalar novas bombas de captação no interior do Doce.

A prefeitura iniciou campanhas de conscientização direcionadas aos moradores na tentativa de economizar água. A longo prazo estuda-se a possibilidade de transpor o recurso natural de outro rio da região, o Suaçuí Grande.

“Nunca vi o Doce tão baixo, e a água ainda está barrenta. A prefeitura garante que ela é boa para o consumo, mas tem gosto de ferrugem e as pessoas estão com medo”, diz Francis Menezes, de 37 anos, morador de Valadares.

Diante das dificuldades, a população ainda compra água mineral. “A que chega do rio não é própria para beber nem fazer comida. Temos que comprar ou buscá-la num lugar mais potável”,reclama Elma Quintão, de 66 anos.

Presidente da Câmara Técnica de Gestão de Eventos Críticos, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, Lucinha Teixeira destaca alternativas que têm sido tomadas. “Desde abril de 2016, diversos municípios da bacia já estão fazendo rodízio e distribuição de água através de caminhões-pipa”.

Em julho, afluentes registraram as menores vazões do período

A queda no volume de água atinge não só o rio Doce, mas diversos afluentes, como Piracicaba, Santo Antônio e Suaçuí Grande, nas regiões do médio e baixo rio Doce. Todos tiveram no mês passado as menores vazões médias da série histórica do período, segundo dados da CPRM, e a situação pode se agravar.

“Principal fator de chegada de água no rio é a chuva. E nos últimos três anos ela ficou muito aquém do esperado”, explica Fernando Silva Rego, pesquisador do CPRM. “Como o período seco vai até setembro, a vazão do rio tende a diminuir, visto que as possíveis chuvas esperadas podem não possuir valor significativo para aumentar, consideravelmente, as vazões”.

Medidas de racionamento ainda são descartadas nas cidades banhadas pelo Doce, mas algumas ações já são tomadas pelas prefeituras para que não falte água no verão, quando a demanda é maior. 

Em nota, a Samarco informou que conduz ações para a retirada de sedimentos, como os processos de dragagem e que as medidas foram intensificadas em julho. Trabalhos emergenciais de recomposição da calha dos rios e estabilização dos rejeitos em diversas áreas foram iniciados. As intervenções, diz a empresa, estão sendo feitas com o “devido embasamento técnico” para evitar riscos ao meio ambiente.

Sobre a escassez hídrica, informou que atua na implementação de melhorias nos sistemas de tratamento de água dos municípios atingidos, como reformas na estações de tratamento, construção de adutoras para captação alternativa, perfuração de poços e fornecimento de reagente para o tratamento da água. Dentro do escopo da fundação, será disponibilizada, nas cidades impactadas, captações alternativas que reduzam a dependência das águas do rio Doce.
Porém, a mineradora fez questão de informar que “não tem conhecimento de estudos que indicam a deposição de rejeitos nas regiões mencionadas e alguma eventual relação com a escassez hídrica”. 

Os levantamentos feitos pela empresa, até então, indicam que a maior parte dos rejeitos ficou retida entre as barragens e a hidrelétrica de Candonga, localizada entre os municípios de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, na Zona da Mata.

Desmatamento e escassez de chuva agravam a situação

Além do rompimento da barragem, outros fatores contribuem para a seca. O principal deles é a falta de chuva, mas a situação é agravada por ações humanas, como o desmatamento. Estudos mostram que grande parte das montanhas ao longo da bacia do rio Doce está sem a cobertura vegetal.

“Em passeio de helicóptero pela região é possível constatar que 90% dos topos estão pelados. Sem essa cobertura, a água escorre direto, não sendo suficiente para encher o rio”, explica o biólogo Francisco Mourão. “Quando a água bate direto no topo sem vegetação, ela sai lavando tudo, aumentando o processo de erosão”, completa.

Para o professor da UFMG Fernando Pimenta de Figueiredo, especialista em recursos hídricos e meio ambiente, vai demorar muito tempo para o rio Doce se recuperar. “Temos que considerar que a bacia já estava degradada há muitos anos. O rompimento da barragem de Fundão trouxe ao rio, em alguns pontos, até cinco metros de sedimentos. A natureza pode levar 50 a 100 anos para se recuperar”, explica.
 

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