Sensação de impunidade e lei ineficaz levam cidadão a se tornar 'juiz e executor'

Renata Galdino
rgaldino@hojeemdia.com.br
02/12/2017 às 06:00.
Atualizado em 03/11/2021 às 00:00
 (Pixabay/Divulgação)

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Sensação de impunidade e falta de eficiência da legislação penal. Esses dois ingredientes têm levado a população a fazer justiça com as próprias mãos, afirmam especialistas. Só nesta semana, dois casos foram registrados na capital. Porém, ocorrências do tipo são frequentes pelo país.

Na última quinta-feira (1º), um adolescente foi agredido na região Noroeste de BH após, segundo testemunhas, ter praticado vários furtos. Na quarta-feira, em plena Praça 7, no hipercentro, um homem apanhou de populares depois de matar um cachorro a chutes. 

“Essas situações acontecem onde o Estado não atua. Um processo penal, pela lei, deveria ser concluído em até 180 dias. Porém, leva-se dez anos. Há jovens que cresceram vendo que, muitas vezes, não acontece nada com quem comete crime”, diz a especialista em direito penal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Silvana Lobo. 

Segundo ela, esses episódios revoltam muitas pessoas. “Por outro lado, a população, cansada de ver o sujeito sendo liberado da prisão e voltando a cometer crimes, começa a atuar como juiz e executor”. A advogada ressalta, porém, que essa não é uma atitude correta, mesmo que as normas sejam falhas. 

“Caso contrário, iremos voltar à época do ‘olho por olho, dente por dente’. A pessoa tende a fazer o que não irão fazer por ela. Nesse sentido, quem pratica linchamento acha que está fazendo justiça porque ninguém irá fazer por ela”, diz.

Potencializador

As redes sociais também contribuíram para potencializar a chamada justiça popular. Nesse caso, a punição por conta própria pode incorrer em erro, reforça o sociólogo Bráulio Figueiredo, pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da UFMG.

Foi o que aconteceu com uma dona de casa, de 33 anos, no litoral paulista, em 2014. A foto dela foi compartilhada nas redes sociais como sendo de uma sequestradora de crianças. Reconhecida na rua, ela apanhou. “Morreu de graça. As pessoas não procuraram saber a verdade nem chamaram a polícia para deter e averiguar a denúncia”, diz Figueiredo.

Atitude correta

Ligar para o 190 nessas situações é a recomendação do chefe da Sala de Imprensa da Polícia Militar, major Flávio Santiago. “Em caso de furto, por exemplo, o infrator pode ser liberado após o pagamento de fiança, cabível em crimes com penas de até quatro anos. O cidadão vê novamente essa pessoa na rua cometendo crimes, fica cansado e decide fazer justiça. O certo é imobilizar o criminoso e acionar a polícia, e não praticar atos que podem piorar a situação, como até matar”.

O artigo 345 do Código Penal prevê detenção de 15 dias ou um mês para quem pratica “exercício arbitrário das próprias razões”, ou seja, faz justiça pelas próprias mãos.

“Quem participa de linchamento é, se identificado, punido. Além disso, responde pela violência praticada, seja homicídio, lesão corporal, etc”, acrescenta a advogada Silvana Lobo.

Últimos casos:

1º/12 - Adolescente de 17 anos é agredido com chutes, socos e pedradas por um homem no bairro Novo Glória, Noroeste de BH. Testemunhas disseram que o jovem havia acabado de cometer furtos. Ele negou.

29/11 – Revoltados, o dono de um cachorro e pedestres bateram em um homem que matou o bicho a chutes, na Praça 7. Agressores não foram identificados.

7/11 – Em São Paulo, homem foi morto pela população após assassinar a ex-namorada. Vídeos do ataque à mulher e da ação dos moradores repercutiram nas redes sociais. Linchamento foi registrado como homicídio.

4/11 – Homem de 55 anos foi encontrado morto e parcialmente enterrado no bairro Novo Alvorada, em Sabará, Grande BH. Ele era suspeito de ter abusado de uma menina de 6 anos e foi espancado por seis homens, inclusive o pai da criança. Duas pessoas foram presas.

12/6 – Motorista que atropelou e matou um garoto de 11 anos no bairro Maria Helena, em Ribeirão das Neves, também na região metropolitana, só não foi linchado por populares porque a PM o colocou em um local seguro. Feito o teste do bafômetro, constatou-se que ele havia ingerido bebida alcoólica antes de dirigir.

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