Servidor da Copasa coleciona alianças encontradas no esgoto de moradores de BH

Aline Louise e Danilo Emerich - Hoje em Dia
22/06/2015 às 06:27.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:35
 (Eugênio Moraes)

(Eugênio Moraes)

Em 19 anos trabalhando como encarregado de manutenção da Copasa, Márcio Antônio Fernandes ganhou o apelido de “garimpeiro do esgoto”. Analisando cuidadosamente o material retido dos canos que ajuda a recuperar, já encontrou de tudo: escova de dente, talheres, tapete, embalagens, roupas íntimas.

Em tese, pelo ralo só deveriam ir a água e a matéria orgânica que ela carrega após o uso, mas a verdade é que objetos de todo tipo chegam às Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) da Copasa. O descarte incorreto prejudica a eficiência do sistema e aumenta o custo.

Alguns objetos recebem atenção especial de Fernandes: as alianças. Ele coleciona esses símbolos do amor que desceram pelo ralo. “Acho que as pessoas perdem quando vão lavar a mão, esquecem no bolso da roupa”, imagina. E se escorrega da mão de um, vai parar na de outro. “Já dei de presente para minha esposa um anel lindo que achei no esgoto. Dei um trato nele, e quem olha acha que é coisa clássica”, conta.

Outros anéis, Márcio vendeu. Negociando umas 10 peças, já arrecadou cerca de R$ 800. “Não tenho certeza se tudo que juntei é ouro, mas acho que sim. No esgoto tem ácido, se não for ouro a peça fica preta”, avalia.

Quantidade

O engenheiro de operação, responsável pela ETE Onça, no bairro Ribeiro de Abreu, Olendino Moraes, também já viu de tudo nos equipamentos que impedem que os resíduos maiores entrem na estação. “Teve até um boi aqui”, conta.

Segundo ele, só nesta unidade de tratamento, são retiradas cerca de 150 toneladas de lixo por mês. A água que chega na estação passa por algumas “peneiras”, para remoção dos resíduos sólidos, ainda assim, o material que dissolveu passa e vai parar nos reatores.

Para retirar esse lixo remanescente, a unidade de tratamento eventualmente precisa ser paralisada. Os servidores da empresa entram, no local apertado e insalubre, para remover mais 200 toneladas desse “lixo fino” por ano.

Prejuízo

Tudo isso, que não deveria estar na água, gera um custo adicional de cerca de R$ 250 mil por mês, só em relação a região abrangida pela ETE Onça. Nesse valor estão incluídos gastos com manutenção das redes coletoras, frequentemente danificadas pelos resíduos sólidos, o transporte do material para o aterro sanitário e a manutenção dos equipamentos. “Esse custo inibe a empresa de investir em saneamento, construindo, por exemplo, mais estações de  ratamento”, diz Olendino.

O recurso também poderia ser empregado em mais uma etapa de limpeza da água, que, assim, voltaria com melhor qualidade para os rios. Atualmente, ela retorna ainda sem condições de consumo para o ser humano. A alternativa seria passar por uma Estação de Tratamento de Água (ETA). “Com a crise hídrica, essa é uma possibilidade que deve ser considerada num futuro próximo”, comenta.

Resíduos encarecem despoluição da água e escancaram falta de educação ambiental

Especialistas são unânimes em afirmar que os resíduos sólidos de grande volume nos esgotos da Grande BH potencializam a poluição e encarecem o tratamento da água. As principais soluções apontadas para frear o lançamento dos objetos estranhos na rede são uma grande campanha de conscientização da população, a limpeza e a revitalização dos cursos d’água e o saneamento básico.

Para o professor da UFMG e engenheiro civil, especializado em engenharia hidráulica, Nilo de Oliveira, quando uma pessoa lança objetos como, por exemplo, móveis ou animais mortos, o material é levado pelo curso d’água e contribui para a degradação ambiental.

“A imagem negativa de poluição acaba incentivando outras pessoas a continuar o processo. O próprio poder público lança poluição nos córregos e rios. Se a qualidade da água fosse boa e sem o lixo, incentivaria a população a parar com esse vício”, afirma.

Consequência

Segundo Oliveira, é mais barato não lançar objetos no esgoto do que tratar a água já contaminada. “Há técnicas para ajudar a limpar a água nas estações e até como direcionar, com ar, esses grandes volumes, mas são processos caros e exigem manutenção e organização”, diz o engenheiro.

Ele ainda afirma que os resíduos sólidos acabam se prendendo nas estruturas de tratamento da água, reduzindo a capacidade de transporte de água, encarecendo o custo do processo e causando transbordamentos.

Educação

Presidente da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA), Dalce Ricas concorda com a afirmação do hidrólogo. Ela considera que se o Brasil tivesse cumprido a constituição de 1988 e inserido a educação ambiental nas escolas, a geração atual teria um comportamento diferente sobre o meio ambiente.

 “Essa cultura de considerar que os cursos d’água têm a função de levar sujeira para longe precisa acabar. São necessárias campanhas educativas de massa e melhoria do saneamento básico. Nas estações de tratamento, os resíduos não removidos são devolvidos mais à frente, tanto com poluentes industriais, quanto com lixo e objetos de grande volume”, destaca Dalce.

Crise econômica brasileira causa redução de objetos de valor dispensados pela população

Márcio Fernandes trabalha com mais dois colegas, um deles, colecionador de talheres encontrados no esgoto da capital. Eles chegam a fazer competição de quem encontra mais objetos valiosos. Dinheiro também aparece. “O refrigerante do lanche, quase sempre a gente paga com os trocados que achamos”, diz.

 Mas segundo Márcio, a “crise econômica já chegou no ralo”, porque o garimpo tem rendido menos ultimamente. Apesar de alertar para o mal que tanto lixo pode causar, uma “graninha” de vez em quando é bem-vinda.

“O ouro e o dinheiro não prejudicam, só ajudam. Mas os demais objetos atrapalham, dificultam o trabalho. O próprio usuário que entope a rede, inunda a rua. Agora, se quiser continuar jogando  ouro, a gente agradece”, brinca.

Campanhas

O engenheiro da Copasa Olendino Moraes diz que a empresa investe em campanhas educativas, mas a população não assimila a mensagem por um longo prazo e o lixo retorna.  “Quando fazemos campanhas na mídia, há uma melhora no comportamento das pessoas, mas é momentâneo. Depois, volta tudo, porque não faz parte da cultura do brasileiro. As pessoas pensam que não é problema delas, mas, em última instância, quem sofre é o ambiente”.

A ETE Onça é considerada a maior estação de tratamento de esgotos da América Latina. Ela trata 1.600 litros por segundo. Lá, cerca de 90% da carga orgânica e de sólidos grosseiros são retirados da água

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