Técnica da barriga de aluguel em peixes pode salvar o rio Doce

Ana Lúcia Gonçalves
alucia@hojeemdia.com.br
08/04/2016 às 18:30.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:51

O congelamento de material genético poderá salvar da extinção espécies de peixes nativas do rio Doce, atingido pelo rejeito de minério que vazou da barragem da Samarco, em Mariana. A proposta é a de que no futuro, quando o curso d’água estiver menos poluído, as células sejam transplantadas em matrizes saudáveis e de fácil reprodução, chamadas “barrigas de aluguel”, que serão soltas no manancial.

A execução do projeto depende da captação de recursos. A pesquisa “Barriga de aluguel em peixes para preservação de espécies ameaçadas de extinção” está sendo desenvolvida no Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Aquática Continental (Cepta), em Pirassununga (SP), vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Segundo George Yasui, um dos pesquisadores do Cepta e professor da Universidade Vale do Rio Doce (Univale) em Governador Valadares, técnicas de barriga de aluguel estão sendo concluídas para algumas espécies do rio Doce. Valadares é a maior cidade banhada por ele entre as afetadas pela lama no desastre ambiental ocorrido em novembro de 2015.

“O rio Doce necessita de intervenção emergencial. Espero que nenhuma espécie de peixe seja extinta”George Yasuipesquisador do Cepta

 Uma das técnicas, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), é desenvolvida em lambaris. Em outra, com financiamento da companhias privada de geração de energia AES Tietê, são feitos protocolos para o bagre-sapo, espécie ameaçada de extinção. O objetivo final é criar bancos genéticos.

“Assim como um banco do setor financeiro, onde poupamos dinheiro para épocas de crise, vamos fazer um pacote de tecnologias para guardar o material genético e reconstituir espécies ameaçadas de extinção. Inclusive, desenvolvemos técnicas para algumas já extintas ”, diz Yasui.

Estímulo

Segundo o pesquisador, a barriga de aluguel consiste em dar estímulo a uma espécie de peixe para que ele produza espermatozoides e ovos de outra. Um dos exemplos é a carpa fazendo o papel do salmão.

O lambari, peixe de pequeno porte, manejo e reprodução fáceis, que é encontrado em várias bacias, foi adotado como espécie receptora de células. “Nós conseguimos, nos últimos anos, consolidar o lambari como um peixe de laboratório e desenvolvemos várias técnicas de transplante de células, além de tecnologias mais avançadas. Hoje em dia, podemos coletar células de espécies ameaçadas de extinção e transplantar para o lambari”, explica Yasui.

Na lista de espécies nativas da Bacia Hidrográfica do Rio Doce em risco de extinção estão o piau vermelho, piau branco e o cascudo. Segundo o pesquisador, a intenção é desenvolver essa tecnologia em várias bacias. 

“Temos pesquisas com espécies de peixes da bacia do rio Paraná, mas com a situação emergencial da do rio Doce, acreditamos que nossa tecnologia pode salvar várias espécies que estão ameaçadas, embora ainda não tenhamos em mãos os recursos”, lamenta.Divulgação / N/AGeorge Yasui pesquisa barriga de aluguel em peixes

Recuperação

O pesquisador José Senhorini também está envolvido nos estudos do Cepta, ligado ao ICMBio. Para ele, antes de reintroduzir espécies de peixes no rio Doce, o mais importante é garantir a existência das que estão ameaçadas de extinção e recuperar o ambiente afetado pelo rejeito de minério.

“A criação de bancos genéticos é relativamente rápida, leva cerca de cinco anos. Contudo, a parte mais difícil é onde soltar e manter esses peixes. Temos que ter um rio em condições adequadas para que eles possam sobreviver e perpetuar, o que não é o caso do momento atual (do rio Doce)”, diz. 

Por esse motivo, Senhorini não sabe estimar quando será possível iniciar o repovoamento do curso d’água. “Será quando o rio estiver em condições adequadas, que é uma previsão de médio a longo prazo”, calcula.

Segurança

Questionados se na “barriga de aluguel” não há o risco de as matrizes alterarem as características dos novos peixes, os pesquisadores do Cepta garantem que na técnica não existe a mistura do material genético de doador e receptor. “Ocorre apenas uma mistura de células. Portanto, não será uma nova espécie, nem serão peixes híbridos. Além disso, os exemplares produzidos são mantidos em laboratório, com controle de segurança”, ressalta Senhorini.

“Nós estabelecemos bancos genéticos com células de espécies ameaçadas de extinção congeladas em nitrogênio líquido. O interessante é que esse material pode ficar congelado por dez, vinte ou mil anos sem perder a qualidade. Podemos também descongelar essas células e transplantar para outro peixe, caso seja necessário”, explica George Yasui.

Segundo ele, essa é a forma mais efetiva de se preservar uma espécie de peixe, que vem sendo empregada em outros países como Japão, Estados Unidos, Alemanha e República Tcheca. 

“No Japão, onde estive por seis anos, ajudei a estabelecer essa técnica com espécies asiáticas. Conseguimos congelar células, descongelar e transplanta-las para fazer a barriga de aluguel”, afirma Yasui.

O projeto depende de financiamento, mas os valores não foram divulgados; é pleiteado apoio de agências federais de fomento  à pesquisa
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