Tatuador é acusado de assédio sexual contra pelo menos 40 mulheres na Savassi

Daniele Franco
18/03/2019 às 20:01.
Atualizado em 05/09/2021 às 17:51
 (Reprodução/Street View)

(Reprodução/Street View)

Dezenas de denúncias de abuso e assédio sexual, que teriam sido praticados por um tatuador na região da Savassi, região Centro-Sul de BH, estão sendo feitas desde a noite desse domingo (17) pelos seguidores da ativista e ex-candidata ao Senado Federal Duda Salabert, pelo Instagram.

O profissional do estúdio Tattoo Reggae, bastante conhecido na região, é acusado por várias clientes de atitudes, no mínimo, desrespeitosas na hora da execução do trabalho. As denúncias começaram, segundo o que a ativista contou ao Hoje em Dia, após ela postar um vídeo no qual explicava o porquê de sempre procurar fazer suas tatuagens com tatuadoras.

Um dos motivos citados foi o fato de mulheres sempre estarem sujeitas a situações de assédio. "Eu pedi para que quem tivesse passado por situações desse tipo contasse sua experiência e, em menos de 24 horas, recebi mais de 100 relatos, dos quais pelo menos 40 eram relacionados a esse tatuador especificamente", detalhou.Reprodução/Instagram / N/ADuda publicou vários dos relatos em sua conta no Instagram

O relato mais antigo apurado pela reportagem é de 2011 e o sentimento expressado com unanimidade pelas vítimas entrevistadas pelo Hoje em Dia é de medo. "Mesmo eu, que sou feminista, ainda tenho pensamentos condicionados pelo machismo e, nesse caso, eu pensava que podia ser coisa da minha cabeça, que podia estar imaginando coisas, e isso me impediu de falar sobre isso, de denunciar, de contar para outras pessoas", contou Ana Silva*, uma das mulheres que denuncia o tatuador.

Vítimas

A biomédica Lívia Oliveira, de 27 anos, foi uma das mulheres que declarou experiências traumáticas envolvendo o tatuador do estúdio. A moça relatou que fez as três primeiras de suas 20 tatuagens com o homem, mas que nas duas primeiras, feitas entre 2011 e 2012, não notou nenhuma atitude suspeita, o que ela acredita que se deveu ao fato de ela estar com o então namorado no momento. Na terceira, quando foi sozinha, ela conta ter sentido que o homem agiu de forma desrespeitosa. "Eu fui com a intenção de fazer o desenho na cintura, mas ele insistiu muito e me convenceu a fazer na costela perto do seio, tão perto que o sutiã tampa. Na hora de fazer a tatuagem, ele pediu para que eu tirasse o sutiã e ficasse de frente para ele, e embora eu tenha só levantado o sutiã, meus seios continuavam a mostra. Ele colocava a mão no meu seio com uma frequência fora do normal e foi uma situação extremamente desconfortável", relatou.

Entretanto, Lívia conta que nessa época ficou imaginando que fosse impressão, e só foi perceber o problema maior quando voltou ao estúdio, em janeiro de 2018. "Eu tinha uma certa urgência para fazer a tatuagem e só consegui horário com ele. E, mesmo tendo me sentido desconfortável da outra vez, ainda tinha dúvidas sobre o que tinha acontecido em 2012".

Segundo Lívia, a situação mais recente virou caso de polícia, após as frequentes investidas do tatuador, que teria tentado posicionar a mão da moça na região de seu órgão genital durante todo o tempo da sessão. "Quando eu tatuei o antebraço, ele colocava minha mão o tempo todo apoiada na perna dele, depois fiz outro desenho na parte de trás do braço, para o qual eu precisava deixar o cotovelo para fora da maca. Eu já tinha percebido algo estranho na anterior e coloquei a mão embaixo da cabeça de modo que a posição fosse adequada para o trabalho dele. Mas, em um determinado momento, quando eu virei meu rosto, ele começou a empurrar meu braço com o cotovelo dele e minha mão acabou suspensa no ar, aí ele foi chegando perto e minha mão tocou o órgão genital dele, que estava ereto", declarou.

Ana Silva, em sua denúncia contra o tatuador contra o tatuador, não quis ter seu verdadeiro nome revelado por medo de represálias. Ela contou à reportagem que fez sua primeira tatuagem com o profissional em 2012, quando ela tinha 18 anos. Para criar o desenho, feito na costela mais próximo à cintura, o tatuador teria exigido que ela tirasse o sutiã. "Ele disse que não garantiria a qualidade do trabalho se eu não tirasse, sendo que ela não fica em um local onde o sutiã tampa, mas eu era nova e não tinha feito nenhuma, aí acreditei nele e fiz de tudo querendo que a tatuagem ficasse perfeita. Ele me segurou lá por cerca de quatro horas, e a tatuagem é um risquinho, sem cor. Depois eu percebi que ele tirava a agulha da máquina e espirrava tinta no meu seio e ficava sempre limpando". A moça ainda conta que ele colocava a mão dela com frequência no órgão genital dele, "e ele estava excitado, não faz o menor sentido ficar excitado durante uma sessão de tatuagem", lembra.

Marina Ferreira*, de 25 anos, também preferiu não revelar a identidade, mas contou que a tatuagem feita no Tattoo Reggae foi uma das experiências mais traumáticas da vida dela. Na sessão, em 2012, o tatuador teria se apoiado quase o tempo todo no órgão genital da moça e, ao fim, pressionou o corpo dela contra a maca e tentou beijá-la. "Eu queria fazer uma tatuagem na perna, na parte de trás, e ele me convenceu a fazer mais à lateral, perto do bumbum. Eu acabei concordando e ele me disse que precisava que eu tirasse a calcinha, mesmo que o desenho não pegasse nessa região, porque ela poderia atrapalhá-lo se saísse do lugar", conta.

Segundo a vítima, a todo tempo ele insistia em tocá-la dizendo que era um procedimento para garantir a qualidade do trabalho. "Ele pegava na minha vagina com frequência e eu fiquei muito desconfortável, cheguei a perguntá-lo se precisava mesmo colocar a mão ali e ele disse que sim, do contrário, não garantiria a qualidade do trabalho", revela. 

A vítima ainda contou que precisou voltar ao estúdio para retocar o desenho, que ficou ruim por causa da situação em que ela estava quando ele foi feito, mas não conseguiu terminar o retoque, uma vez que mesmo na presença de uma amiga que ela levou por segurança, o tatuador foi novamente desrespeitoso e a assediou.

Justiça

Com a repercussão do caso e os vários relatos contra o tatuador, Duda Salabert reuniu várias das denunciantes e vai entrar com uma ação coletiva no Ministério Público de Minas Gerais contra o homem. "É constrangedor, revoltante e é péssimo pra saúde mental das mulheres, de todas nós, passar por esse tipo de situação. Nesse tipo de momento é que temos que usar nossos privilégios em nome de uma sociedade menos violenta, e eu tenho o privilégio de nunca ter sofrido esse tipo de assédio, por isso vou ajudar essas meninas a conseguirem que ele seja punido pelo que fez", declarou.

Na Polícia Civil, foi encontrada apenas uma denúncia contra o homem, feita na época em que aconteceu o último assédio à biomédica Lívia Oliveira. Segundo ela, após perceber a gravidade da situação, chamou uma tia, que levou a Polícia Militar ao local e iniciou o boletim de ocorrência. Lívia foi orientada a seguir com a denúncia na Delegacia da Mulher, que estava fechada no momento. Por morar em Nova Lima, na Região Metropolitana, a moça foi até a unidade de sua cidade, mas lá foi orientada a ir na capital. "Depois meu pai consultou um advogado, que disse que não daria em nada, que seria minha palavra contra a dele, então acabei desistindo de ir a BH. Mas hoje me arrependo, acho que deveria ter ido até o fim". O sistema da PC não mostrou todo o texto da denúncia, o que pode ter acontecido, segundo a corporação, porque o boletim não foi finalizado.

Procurado na tarde desta segunda-feira (18), o tatuador afirmou que havia acabado de se reunir com seu advogado para discutir o caso e que não ia se pronunciar à imprensa sobre as denúncias. O estúdio de tatuagem também foi procurado pelo telefone, mas ninguém atendeu. 

André Matosinhos, presidente da Associação de Tatuadores e Piercers de Minas Gerais (Atap-MG), classificou como doentia a ação do tatuador e pede para que a classe não seja generalizada com base no que o homem é denunciado por fazer. "A nossa orientação às vítimas é que sempre procurem a polícia e registrem boletim de ocorrência. Isso é crime, a associação é totalmente contra. Para nós, o profissional tem que ser profissional ao extremo", afirmou, dizendo que não tinha conhecimento das denúncias, mas que, baseado nos relatos apresentados a ele pela reportagem, o tatuador em questão deve responder na Justiça.

Em nota, a Polícia Civil ainda orientou às vítimas desse tipo de crime que procurem a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher em Belo Horizonte para formalizarem a denúncia. A Delegacia fica na avenida Barbacena, 288, Barro Preto.  

Solidariedade

O grande número de denúncias levou Duda a pensar em ações para, além de punir os possíveis culpados, reparar os danos causados às vítimas. Também em seu Instagram, a ativista convidou tatuadoras mulheres a se juntarem em uma ação para oferecer a cobertura das tatuagens feitas em situações de abuso e assédio. "O mais importante disso é que muitas mulheres tomaram consciência da violência que sofreram. O machismo é tão estrutural que elas tinham dúvidas do que sofreram e tinham medo de denunciar. Outra vantagem dessa situação é que agora os tatuadores vão pensar duas vezes antes de tomar esse tipo de atitude, porque ele sabem, veem que existem canais de denúncias e que eles não sairão impunes. Sem falar nas outras esferas onde esse tipo de coisa também acontece e que podem ser impactadas de forma positiva depois disso", concluiu.

Às vítimas, a sensação em comum após a viralização das denúncias é uma mistura entre culpa e alívio. Para Lívia, que só conseguiu falar sobre o assédio que viveu com os pais, com a tia e com uma amiga, é muito importante perceber que sua denúncia vai impedir que outras meninas sofram com a mesma situação. "Eu só consegui falar sobre isso recentemente quando uma paciente disse que se tatuaria com ele, foi aí que ela mudou de ideia e eu percebi que a salvei de passar pelo que eu passei", conta. 

"Esse tipo de coisa muda a nossa relação com muita coisa, foram anos de terapia para chegar a essas conclusões, sobre como essas questões interferem em como nos relacionamos com as pessoas, e agora o que eu puder fazer para evitar que aconteça com outras, eu estou disposta", declarou Marina.

*Nomes fictícios atentendo aos pedidos das vítimas de não serem identificadas.

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