Todos na mira: órgãos garantem que terão estrutura para multar pedestres e ciclistas

Ana Júlia Goulart
agoulart@hojeemdia.com.br
06/11/2017 às 06:00.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:32
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

Até abril de 2018, a Polícia Militar e a Guarda Municipal prometem estar estruturadas para cumprir nova regulamentação que pretende multar pedestres e ciclistas que desrespeitarem as leis de trânsito na capital. Apesar de as duas corporações garantirem que vão executar a resolução publicada recentemente pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), a efetiva fiscalização nas ruas já gera polêmica e desconfiança.

De acordo com o documento, pedestres e ciclistas terão que arcar com multa de até R$ 130, caso descumpram as medidas. Dentre as infrações estão atravessar fora da faixa, permanecer na via sem o objetivo de passar para o outro lado da rua e transitar entre os carros. Para os condutores de bikes, andar em passeios ou em alta velocidade seriam atitudes passíveis de punição.

Execução

A medida passa a valer em seis meses. No entanto, colocá-la em prática não será tarefa das mais fáceis. Não por falta de infrações, já que elas acontecem frequentemente. Em poucos minutos, a reportagem flagrou várias delas – algumas ilustram essas páginas. Dentre as mais comuns, a travessia de pedestres em trechos irregulares e a circulação de ciclistas nos passeios.

A falta de instrução aos pedestres e as condições desfavoráveis de trânsito para os ciclistas são indicativos de que a medida será de complexa execução.

“Já é muito difícil, com os artifícios tecnológicos que se tem, multar os carros. Imagina conseguir autuar pedestres e ciclistas, que precisam ser abordados para constar a penalidade?”, questiona o especialista em trânsito e tráfego Osias Baptista Neto.Flávio Tavares / N/A

Em frente à Estação São Gabriel, região Nordeste da cidade, desrespeito à faixa e à sinalização específica de pedestre foi flagrado pelo Hoje em Dia


Emissão

Para aplicar a multa, os agentes em Belo Horizonte, representados pela Polícia Militar e pela Guarda Municipal, terão que preencher o Ato de Infração onde constam dados como nome, identidade, local da penalidade e identificação da bike, quando a infração for cometida por ciclistas. 

A BHTrans será a responsável pela emissão das penalidades. De acordo com a assessoria da empresa responsável pelo gerenciamento do trânsito na capital, serão necessárias apenas adaptações no sistema que hoje já faz o trabalho para carros e motos. Todos os ajustes necessários estarão prontos no prazo, garante a autarquia.

A fim de cumprir a regulamentação do Contran, a Polícia Militar e a Guarda Municipal não detalharam as ações a serem tomadas para que a estruturação dos órgãos aconteça. Eles também não comentaram a necessidade de investimentos ou aumento de efetivo.

Direitos e deveres de pedestres e ciclistas e também a previsão de penalidades estão no Código de Trânsito Brasileiro, mas faltava regulamentação com a padronização de procedimentos

‘Atores’ do trânsito desconhecem a legislação vigente

A conscientização do tráfego, prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), e que não é colocada em prática, faz-se necessária. É o que pondera o especialista Osias Baptista Neto. 

“Motoristas precisam conhecer melhor as leis de tráfego para conseguir a licença. Pedestres e ciclistas não têm esse conhecimento”, afirma.

Conforme o artigo 254 do CTB, pode ser autuado o pedestre que, por exemplo, atravessar vias dentro das áreas de cruzamento, exceto se houver sinalização para esse fim.

Já o artigo 255 determina que o ciclista desmontado empurrando a bicicleta equipara-se ao pedestre em direitos e deveres.Flávio Tavares / N/A

Na MG-20, ciclista sobe a via pelo lado por onde os carros descem; conforme a lei, atitude está incorreta

Na pele

Para os que correm o risco de ser penalizados, a resolução é absurda. “Se os ciclistas descumprem hoje alguma dessas medidas é por medo dos carros. Infelizmente, é mais fácil punir do que educar, ainda mais se tiver arrecadação no meio”, observa Rafael Schettino, que usa a bike todos os dias na capital.Flávio Tavares / N/A

Sob a passarela, também na região do São Gabriel

A Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte (BH em Ciclo) e outras entidades de ciclistas afirmaram, em nota conjunta, que a resolução amplia a desigualdade entre os atores do trânsito e desestimula o pedalar e o caminhar. A medida estaria contrária à Polícia Nacional de Mobilidade Urbana, de acordo com as entidades.

Hoje em Dia tentou contato com a BH em Ciclo por telefone e e-mail, sem sucesso.

O Contran informou, por meio de nota, que a medida não busca arrecadação, mas o aumento da segurança para os elementos do trânsito. De acordo com o órgão, apesar de mais frágeis, ciclistas e pedestres também podem causar acidentes quando não cumprem as regras de tráfego.

Depoimentos

“Antes de cobrar multa, eles têm que oferecer o mínimo de estrutura para o ciclista. A gente não tem segurança, não existe ciclovia, o motorista não sabe e não aprende a se comportar em relação a nós. É absurdo pularem todas as etapas e já começarem a nos penalizar”
Beatriz Crespo
Estudante de publicidade, 22 anos

“Isso não vai pegar, porque não tem fiscal suficiente. Poderiam trabalhar a conscientização antes de multar os pedestres, mas a gente tem que respeitar a sinalização também”
Stella Saldanha
Secretária, 54 anos

“Fica difícil controlar e vigiar todos. Claro que muitos pedestres e ciclistas são irresponsáveis, mas os carros também não respeitam. Seria coerente cobrar multa se os motoristas respeitassem as leis também. Mas acho válido estar atento ao ciclista que avança sinal”
Pedro Augusto Delgado
Estudante, 24 anos 

“Não sei se a multa vai funcionar ou não, mas acho que deve ser aplicada a multa sim. Mas também falta um olhar que vise facilitar a vida do pedestres, antes de tudo. Porque têm lugares em que se sabe que as pessoas atravessam, mesmo não tendo faixa”
Vânia Cristina Dipe
Aposentada, 56 anos

“Acho louvável, mas antes de começar a cobrar, tem que educar. Mostrar que a intenção está em conscientizar, até porque a cidade foi pouco pensada para o pedestre e para o ciclista”
Manoel Oliveira
Contador, 53 anos

“Acredito que não vão conseguir multar, porque bicicleta não tem placa. Como vão parar o ciclista no meio da rua? E, também, o espaço que a gente que usa bicicleta todo dia tem para andar é esse aí mesmo, no meio dos carros” 
Júlio César do Carmo
Pedreiro, 54 anos

“Pode até fazer o pedestre pensar duas vezes, mas não vai resolver” 
Roberto Lobato
Motoboy, 55 anos

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