Traficantes ostentam poder e armas fazendo "blitz" na Serra

Alessandra Mendes - Hoje em Dia
09/01/2014 às 07:19.
Atualizado em 20/11/2021 às 15:14
 (Frederico Haikal)

(Frederico Haikal)

Passa da uma hora da madrugada e o movimento na esquina das ruas Doutor Camilo e Cabrália é intenso. Quem sobe ou desce é parado por um grupo de homens armados. O líder do bando não faz questão de esconder as intenções e, de colete à prova de balas e empunhando uma espingarda calibre 12, exige satisfação sobre o ir e vir de motoristas e pedestres. Durante o dia, outro grupo é visto circulando em comércios, dando tiros para o alto e intimidando moradores. O cenário, típico de morros cariocas, retrata a história recente da capital mineira.

Maior aglomerado de Belo Horizonte, a Serra está em meio ao fogo cruzado. A disputa por uma área, cujos antigos responsáveis pelo tráfico foram presos, tem alcançado proporções extremas. Traficantes da favela do Pau Comeu brigam com rivais da Sacramento pelo domínio da região do “Del Rey”. Com blitze durante a madrugada e tiroteios que podem ocorrer a qualquer momento, os bandidos deixam acuada a população.

Em apenas 11 dias, entre 19 e 29 de dezembro de 2013, oito ocorrências de confronto, com troca de tiros, foram registradas pela Polícia Militar. Situação preocupante que levou a corporação a fazer um levantamento (veja abaixo), ao qual o Hoje em Dia teve acesso.

Na maioria dos casos, os policiais foram alvos dos bandidos. Nas três vezes em que traficantes rivais se enfrentaram, sete pessoas que nada tinham a ver com a disputa foram baleadas. Duas são adolescentes.

Outro boletim de ocorrência, de 31 de dezembro, registra o último conflito, que terminou com um policial baleado.

Prisioneiros

“Não saímos mais durante a noite porque temos medo de ser parados na blitz. E durante o dia não deixamos as crianças ficarem na rua por causa dos tiroteios. Somos reféns e vivemos com medo do que ainda está por vir”, relata uma moradora da região do Del Rey, alvo de disputa dos bandidos.
 
Marcas de balas são vistas em vários pontos do aglomerado (Foto: Frederico Haikal/Hoje em Dia)

Há 30 anos vivendo no local, ela afirma nunca ter passado por situação semelhante. “Os traficantes fazem questão de mostrar que estão no comando, andam armados por todos os lados e não se intimidam com a presença dos policiais”, afirma a mulher que, por medo, não quis se identificar.

Um comerciante, que também prefere o anonimato, conta os prejuízos decorrentes da disputa.

“Por todos os lados você vê marcas de bala: nas portas, janelas e paredes. Começamos a fechar mais cedo por causa do receio de ficarmos no meio dos tiroteios. Pouca gente tem coragem de denunciar, porque todos ficam com medo das consequências”, conta o dono de um estabelecimento na rua Doutor Camilo, onde está sendo construída uma unidade da Área Integrada de Segurança Pública (Aisp).

A gravidade da situação fez com que a lei do silêncio, que impera na maioria das vezes nesse tipo de caso, fosse rompida.

“Fizemos denúncia na polícia porque não aguentamos mais viver assim. Se alguém passar mal à noite, terá que esperar o dia amanhecer para ir para o hospital. Saímos sem saber se vamos voltar”, desabafa uma moradora do aglomerado.

Especialista defende ocupação do território pelas autoridades

A solução para conflitos como o registrado no Aglomerado da Serra seria a ocupação efetiva do território por parte da polícia. Para o especialista em segurança pública Luiz Flávio Sapori, as autoridades têm conhecimento da situação, mas a ação para contorná-la é ineficaz.

“Efetivamente, nada foi feito na Serra para conter o problema do tráfico, que já é histórico no local. Tudo fica na promessa. Como a construção da Aisp, que até agora não saiu do papel e sequer tem data de inauguração”, alega Sapori.

Na avaliação do sociólogo, que foi secretário-adjunto de Segurança Pública de Minas de janeiro de 2003 a junho de2007, já está na hora de trabalhar com a ideia de ocupação, nos moldes do Rio de Janeiro.

“Ainda há resistência por parte do governo, até para não ter que assumir que temos que aprender com a experiência de outros estados, apesar das diferenças entre os mesmos”, afirma Sapori.

A discussão acerca da ocupação do aglomerado pela polícia surgiu após outros conflitos registrados na Serra.
 

Em 2011, um homem e um adolescente foram assassinados por policiais militares, que forjaram a cena do crime para simular que as vítimas tinham trocado tiros com os militares.

As mortes causaram a revolta da população. Ônibus foram incendiados e um clima de tensão se espalhou pelo aglomerado, que acabou ocupado temporariamente pela Polícia Militar.

PM reforça efetivo e terá apoio da Civil para conter os conflitos

A Polícia Militar fez um mapeamento dos locais de confronto e dos principais articuladores das ocorrências registradas no Aglomerado da Serra. O comando do 22º Batalhão, responsável pelo policiamento no local, admite a existência do conflito entre gangues rivais e trabalha para solucionar o problema.

Para conter a ação dos traficantes, a PM reforçou a segurança em pontos estratégicos da região e conta com o reforço de policiais de outras unidades, como o Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam).

“O objetivo é restabelecer a ordem pública e retomar a sensação de segurança”, afirma o tenente-coronel José Roberto Pereira, que responde interinamente pelo comando do 22º Batalhão.

Por questão de estratégia, a polícia não revela quantos militares estão atuando no aglomerado nem se alguma prisão já foi efetuada.

“Estamos preparando a segunda fase dessa ação contra os traficantes, em conjunto com a Polícia Civil. O certo é que desde o dia 2, quando o reforço no policiamento foi feito, não registramos mais conflitos armados”, explica o tenente-coronel.

“Cancela”

O comandante alega desconhecer a ocorrência de blitze realizadas por traficantes dentro do aglomerado.

Apesar da negativa do tenente-coronel, o fato é confirmado por policiais que trabalham no local. “Até um policial que não estava de serviço chegou a ser parado pelos bandidos. Ele escondeu a arma debaixo do banco para não ser descoberto e, por sorte, foi liberado sem a habitual revista porque estava na companhia de uma moradora da região”, relata um militar que não quis se identificar.

“Os traficantes não temem a polícia ou quem quer que seja. A situação ficou crítica e todos têm consciência da gravidade da situação”, afirma.

Uma das apostas da PM para combater a violência no aglomerado é a instalação da Aisp, que vai contar com postos das polícias Militar e Civil. Mas, de acordo com o comando do 22º Batalhão, ainda não há data prevista para a inauguração da unidade.

Inauguração adiada

A Área Integrada de Segurança Pública (Aisp) no Aglomerado da Serra, região Centro-Sul da capital, deveria ter entrado em operação no ano passado, de acordo com a previsão inicial.

A unidade, a 25ª de BH, foi anunciada pelo secretário de Estado de Defesa Social, Rômulo Ferraz ,em dezembro de 2012, como resposta à violência na região. Vai custar R$ 4 milhões.

A Aisp funcionará no antigo prédio da rádio Del Rey, na rua Doutor Camilo, 187. O local terá câmeras do Olho Vivo.

 

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