Violência em casa e desamparo nas delegacias de mulheres

Iêva Tatiana - Hoje em Dia
20/10/2014 às 07:56.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:41
 (Marcelo Prates/Hoje em Dia)

(Marcelo Prates/Hoje em Dia)

Ameaça contra a própria vida, terrorismo psicológico e agressão física, muitas vezes, são apenas a primeira etapa do problema enfrentado por mulheres vítimas do machismo, do ciúme e/ou do inconformismo dos parceiros. Após os episódios de violência doméstica, a saga continua nas delegacias especializadas.

Em busca de ajuda e de um mínimo de conforto, o que muitas vítimas encontram é hostilidade e apatia da parte de quem deveria oferecer amparo legal, fatores que, não raramente, resultam em desistência dos processos de agressão.

“O primeiro choque foi ser atendida por um homem. Além de sequer levantar a cabeça e olhar para mim enquanto fazia perguntas, a sensação que me deu foi de que ele me responsabilizava pelo que estava acontecendo comigo”, afirma Giovana*.

Bola de neve

O despreparo dos profissionais da linha de frente do atendimento às vítimas ainda é agravado pelo número deficiente de unidades especializadas. Em Minas, existem apenas 65 delegacias de mulher para atender aos 853 municípios. Em Belo Horizonte, apenas uma, segundo a Polícia Civil.

Em contrapartida, o número de ocorrências registradas na capital chegou a 10.888 no ano passado, o segundo maior balanço dos últimos cinco anos. Somente nos primeiros sete meses de 2014, cerca de 5 mil inquéritos policiais foram instaurados.

O resultado dessa desproporção é a morosidade. No início deste ano, Giovana teve o chip e o celular apreendidos para serem periciados, procedimento que deveria levar de 15 a 30 dias para ser concluído.

“Mas só recebi minhas coisas de volta três meses depois, após muita insistência. Acho isso um absurdo, porque eu sou a vítima da história, mas parece que fui a única penalizada até agora”, desabafa.

Justiça tardia

Na esfera judicial, o problema se repete. Conseguir uma medida protetiva que determine o afastamento do agressor e a prisão dele em caso de descumprimento é simples, na maior parte das vezes – acontece, em média, 15 dias após a denúncia –, mas avançar no processo e chegar ao julgamento, não.

De acordo com o último balanço divulgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, dos 22.448 processos relacionados à Lei Maria da Penha distribuídos em 2012, em Belo Horizonte, menos da metade foi julgada (10.465).
Até junho deste ano, o volume total de processos chegava a 161.509, a serem analisados por três juízes, em quatro varas criminais especializadas (a quarta vaga de magistrado só poderá ser preenchida a partir de 11 de novembro, após o período eleitoral).

Especialista aponta disposição para mudanças na estrutura oferecida

Para a coordenadora Especial de Políticas Públicas para Mulheres da Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social, Rebeca Rohlfs, o despreparo das equipes nas delegacias é inadmissível, principalmente, em função do risco de o agressor ser tratado como vítima.

“Se a pessoa não tiver preparo para atender, ela pode subjugar a violência e inverter o caso”, observa, acrescentando, porém, que vem percebendo melhoras no quadro. “Tenho visto que a Polícia Civil está muito aberta a melhorias e capacitação. Acredito que ainda vamos ter muitos avanços nesse sentido”.

Segundo ela, outro aspecto importante para a mudança é a articulação das ações. “Criamos uma rede de enfrentamento muito grande em Minas. No ano passado, 1.387 pessoas foram capacitadas e, neste ano, 1.654, tanto no interior quanto em BH”, ressalta.

Mudanças

A concentração de esforços surtiu efeito para Marina*, que procurou atendimento especializado no início do mês passado para denunciar o ex-namorado.

“Quando cheguei lá, fui encaminhada a duas assistentes sociais, que procuraram saber o que estava acontecendo, e até me esclareceram coisas que eu desconhecia sobre a violência psicológica”, diz.

De acordo com a titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Belo Horizonte, Silvana Fiorillo, os profissionais que não se adequarem às novas propostas – de atendimento humanitário e orientações adequadas – não serão aceitos.

“A mulher precisa não somente de uma medida protetiva ou de um inquérito que resulte em uma possível condenação, mas, sim, de um acolhimento diferenciado. Ela tem que ter suporte e o primeiro contato é fundamental para isso”, diz.

Casos marcantes

Ago/2014 – Estudante de medicina é esfaqueada pelo ex-namorado em Montes Claros
Fev/2012 – Procuradora federal é assassinada pelo ex-marido em condomínio de luxo de Nova Lima
Jan/2010 – Cabeleireira é morta a tiros pelo ex-marido dentro do próprio salão de beleza
Todas as vítimas haviam denunciado ameaças dos ex-companheiros e possuíam medida protetiva.

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