Vítima de homofobia é notificada por condomínio por 'prejudicar a tranquilidade' após chamar a PM

Clara Mariz
@clara_mariz
09/12/2021 às 18:35.
Atualizado em 14/12/2021 às 00:37
 (Reprodução / Google Street View)

(Reprodução / Google Street View)

Um condomínio no Sion, região Centro-sul de Belo Horizonte, advertiu um morador por "prejudicar a tranquilidade' após ele chamar a Polícia para registrar uma ocorrência de injúria contra um vizinho. De acordo com o economista Marcus Arvellos, ele estava na sacada de seu apartamento chorando após receber a notícia da morte de um amigo e do estado de saúde de uma conhecida, quando o suspeito o agrediu verbalmente. O caso aconteceu no dia 2 de outubro deste ano.

Em entrevista ao Hoje em Dia, Marcus conta que estava na varanda do seu apartamento chorando pelas notícias que tinha recebido quando foi atacado por uma pessoa que estava na área comum do prédio. "Estava chorando normal e comecei a falar com o meu marido, que estava dentro da sala. Foi quando esse vizinho, que estava na área comum, com uma criança no colo gritou umas cinco vezes: 'vai pra dentro sua bicha louca'".

Assim que recebeu a primeira ofensa, o economista diz que começou a gravar a atitude do homem e perguntar o que ele estava dizendo. Ainda conforme Marcus, o suspeito repetiu mais quatro vezes a ofensa e quando percebeu que estava sendo filmado parou e entrou para dentro do prédio.

De acordo com Arvellos, assim que entrou ele recebeu um chamado do interfone do apartamento onde reside o acusado e o vizinho explicou que se tratava de um convidado que o ofendeu. Com essa informação, a vítima pediu o nome e endereço da pessoa que o agrediu verbalmente para registrar um Boletim de Ocorrência por injúria. "Quando meu vizinho disse isso eu falei que já que não foi ele quem me ofendeu, que poderia me passar o nome e contato do convidado porque eu iria fazer um Boletim de Ocorrência. Mas ele não quis me passar os dados", explica.

Diante da negativa, o economista registrou a ocorrência no aplicativo que o condomínio disponibiliza. Além disso, pediu ao porteiro para entrar em contato com a síndica, que não estava no momento, e com o morador do apartamento que havia entrado em contato com ele. Nesse momento, a Polícia Militar também foi acionada para a realização do Boletim de Ocorrência.

 "Quando os policiais chegaram, pude ver a cara dele e percebi que se tratava da mesma pessoa que estava me ofendendo. Não era um convidado, como havia me dito. Foi aí que ele acabou confessando e ainda argumentou que estava bebendo desde cedo e que eu estaria gritando. Mesmo que estivesse, o que ele fez não se faz em um mundo civilizado", afirma Marcus.

No Boletim de Ocorrência consta que o suspeito de ter cometido as ofensas confessou à PM que proferiu os xingamentos contra o vizinho. Porém, ele alegou que estava próximo a piscina quando notou que Marcus estava fazendo escândalo, gritando. A reportagem tentou entrar em contato com o suspeito das ofensas, mas até o fechamento desta matéria não obteve resposta.

Notificação
Após 12 dias do ocorrido, ao chegar de uma viagem ao exterior, Marcus Arvellos recebeu uma notificação extrajudicial do condomínio onde mora. Para ele, a advertência está incorreta já que ela diz que ele estava na área comum do edifício e que nesse local houve um confronto com o morador. "Essa atitude do condomínio me deixa preocupado, porque mesmo se eu tivesse feito um escândalo na minha varanda, ele não poderia ter me agredido verbalmente".

Procurado, o condomínio Terrazo Sion afirma que a notificação não foi feita devido ao acionamento da Polícia Militar e sim por conta de uma discussão que ocorreu na área comum do prédio. "Não vou entrar muito nesse mérito, por conta do desgaste. Se ele se sentiu ofendido eu recomendo que se acerte com o outro morador porque o condomínio está muito amparado pelo regimento interno", informa a síndica.

No documento recebido pelo economista, a administração do local informa que mesmo não compactuando com atitudes de discriminação, não pode admitir que as desavenças sejam resolvidas de maneira que possa "prejudicar a tranquilidade e convivência harmônicados demais condôminos".

Com a advertência, o advogado de Arvellos entrou com uma contranotificação extrajudicial contra o condomínio Terrazo Sion. No texto, há a versão de Marcus dos fatos e o pedido de anulamento da notificação e uma convocação de assembleia extraordinária para debate do assunto. 

Ofensas homofóbicas
Desde 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela criminalização da homofobia. Com a decisão, atos homofóbicos, como o sofrido pelo economista Marcus Arvellos, devem ser registrados como racismo, crime que tem pena mínima de três a cinco anos de reclusão. A medida está em vigor até a Câmara aprovar uma lei que tipifique o crime.

Mesmo com a orientação do STF, no dia do ocorrido, a Polícia Militar registrou o caso como injúria. Esse crime tem pena prevista de um a seis meses de detenção, ou multa, e não é passível de prisão em flagrante.

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