Jovens empreendedores se inspiram no comércio antigo para inovar em BH

Cinthya Oliveira
29/09/2019 às 10:00.
Atualizado em 05/09/2021 às 21:56
 (Colagem )

(Colagem )

Quem não se encanta com aquele senhor que tem um pequeno comércio há mais de 50 anos e continua esbanjando sorrisos e bom humor sempre que vai apresentar um produto? Pois é justamente esse comércio mais clássico que está inspirando um grupo de jovens empreendedores de Belo Horizonte.

Nesta terceira e última reportagem da série “Heróis da Resistência”, o Hoje em Dia mostra uma nova tendência na cidade, que muitos poderiam chamar de “vintage” ou “retrô”, por resgatar elementos artísticos, culturais e comportamentais das antigas vendas e armazéns.

Neste domingo (29), faz exatamente um ano que nasceu um movimento comercial e cultural que logo se mostrou bem-sucedido no segundo andar do Mercado Novo, na avenida Olegário Maciel, hipercentro da capital mineira. Depois que a Cervejaria Viela abriu uma loja no espaço, outros empreendedores demonstraram interesse em fazer o mesmo, ocupando lojas ociosas do centro comercial.Bárbara Donhini / N/A

A charcutaria Tapera é destaque no Mercado Novo

Logo ficou claro que era necessário fazer com que esse movimento fosse sustentável e que promovesse um diálogo com os vários comércios tradicionais do espaço. Os primeiros ocupantes do projeto chamado de Velho Mercado Novo criaram um estatuto para que os próximos jovens empreendimentos não destoassem da proposta.

Todos têm um design que dialoga com uma linguagem “retrô” e utilizam, sempre que possível, matérias-primas compradas ali mesmo, no mercado, promovendo um vivo relacionamento entre antigos e novos comerciantes.

“A estética nasce do próprio mercado, que tem cara de antigo. Nos inspiramos nesse lugar de 55 anos para que pertencêssemos a ele, em vez de contrastar com o espaço”, afirma Rafael Quik, um dos sócios da Cervejaria Viela.

Cafeteria, brechó, lanchonetes, barbearia, galeria de arte, loja de vinis, charcutaria e até uma loja de câmeras analógicas encontraram seu espaço dentro da proposta. Em um ano, 25 novos projetos se instalaram no Mercado Novo, promovendo uma interação entre os tradicionais frequentadores com um público que está em busca de experiências diferenciadas. 

Autenticidade

Segundo o empresário, originalidade e autenticidade são fatores admirados pelo público e é possível alcançar essas duas características quando as referências são próximas – no caso, a cultura belo-horizontina. “Quanto mais tecnológico o mundo está, mais pasteurizadas as coisas vão ficando. Todo mundo está olhando para as mesmas referências. Quando você vai a uma hamburgueria, ela se parece com uma de Nova York. Quando vai a um café, ele se parece com o que vemos na Europa”, explica Rafael. “Nossa questão não é ser antigo, é ser autêntico. Tem que olhar para o passado, porque as coisas novas são muito contagiadas pelo que vem de fora”.

Para que essa integração aconteça da melhor forma possível, todos os novos empreendedores são convidados a ter relações comerciais com os antigos negócios do mercado. As placas de acrílico que identificam as novas lojas são todas feitas por um mesmo fabricante, também comerciante do espaço, por exemplo.

Já as broinhas servidas nos novos Copa Cozinha e no Café Jetiboca são adquiridas na Lanchonete Seu Pedro, que está no mercado há 43 anos. "O movimento melhorou demais, eles mandam muitos clientes para mim. Minhas vendas cresceram uns 25% e a tendência é melhorar cada vez mais", afirma "Seu" Pedro Miguel de Castro.  

Antes de levar essa ideia para o Mercado Novo, Rafael e seus sócios já tinham tido uma experiência parecida no bairro Pompeia, região Leste de Belo Horizonte. Eles estão à frente do Juramento 202, um dos bares mais bem-sucedidos da cidade nos últimos dois anos. O espaço, que remete a um armazém antigo, tem a cerveja artesanal como carro-chefe.

“Nós somos admiradores de cerveja artesanal, mas não gostávamos de nenhum lugar que oferecia isso. Depois de conversar muito nos botecos e armazéns do bairro, pensamos: 'por que não juntar o melhor dos dois mundos, a cerveja artesanal em um lugar com afeto?' Pesquisamos e vimos que o espaço que estava para alugar naquela esquina da rua Juramento já havia funcionado como um armazém. Decidimos resgatar essa história”, explica Rafael.

Experiência e afetividade

Iniciativas como o Velho Mercado Novo e o Juramento 202 podem ser muito bem-sucedidas porque não trabalham apenas a comercialização de produtos, mas exercitam as boas lembranças dos clientes. “Todo mundo tem muitas experiências na vida. Ao longo prazo, são as boas memórias que ficam guardadas, enquanto as ruins são apagadas. Então, nós não lembramos sobre quanto era difícil fazer compras no passado, queremos lembrar das partes boas”, conta o analista da unidade de Indústria, Comércio e Serviços do Sebrae-MG Victor Mota.

Segundo ele, a maioria das compras são feitas pelo emocional e as boas vendas são aquelas que estimulam as memórias afetivas. “Quando eu ia passar férias na roça com meu avô, eu gostava de ir a uma venda que tinha um baleiro. A minha bala favorita era uma de amendoim com chocolate e eu me lembro direitinho do barulho da bala tocando no vidro do baleiro na hora de pegá-la. Posso encontrar a mesma bala dentro do supermercado, em uma embalagem. Mas isso vai me trazer o mesmo encantamento?”

Para o presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL/BH), Marcelo de Souza e Silva, essas iniciativas não revivem apenas práticas de comércio, mas também uma cultura de valorização do relacionamento real entre as pessoas. “No Mercado Novo, está havendo um resgate cultural e emocional para pessoas que querem um diferencial, que estão em busca de vínculos”, explica.

Cozinha de vóSuperCâmera/Divulgação / N/A

Copa Cozinha estimula a memória 

Um exemplo de jovem empreendimento no Mercado Novo é a Copa Cozinha, espaço que funciona aos fins de semana com a proposta de oferecer uma experiência afetiva por meio de quitutes mineiros. Em uma grande mesa, onde sentam até 13 pessoas, os clientes podem degustar roscas, tortas, broas, bolos, acompanhados de um café ou um chá.

“Somos três amigas e sócias, todas do interior. O Copa Cozinha nasceu da saudade que a gente sentia de nossas famílias quando estávamos em BH, dessa convivência à mesa, numa casa em que o forno está sempre ligado”, conta Maíra Sette, que trabalha com as irmãs Julia e Cristina Gontijo.

A casa abriu em dezembro e as sócias se revezam de maneira que o público sempre possa encontrar uma delas para poder conversar e relembrar (ou conhecer) histórias que perpassam a cultura dos mineiros. “É incrível ver quantas pessoas ficaram emocionadas por se sentirem acolhidas por aquele espaço. Estamos recebendo muitas famílias da região central, muitos netos levando as avós”, completa.  

De acordo com Maíra, assim como os outros novos negócios do local, o Copa Cozinha também faz questão de ter os comerciantes antigos do mercado como fornecedores. O chá e a broinha servidos aos clientes são comprados em lojas vizinhas, por exemplo. “Para quem gosta da broinha, já avisamos que é possível dar uma passada na loja do Seu Pedro e comprar uma bandejinha para levar pra casa”, explica.

Nova antiga vendinha

Não é somente no Mercado Novo que é possível encontrar jovens empreendedores inspirados no antigo comércio. Quem passa pela rua Salinas, no bairro Santa Tereza, e vê vários produtos expostos na porta do número 2135 nem imagina que a loja foi aberta há três anos.

O Armazém Minas Bahia é novo, mas proporciona aos clientes uma viagem no tempo, à época das “vendinhas”, quando o comerciante vendia um pouco de tudo e anotava tudo na caderneta. Ali é possível encontrar linguiças e pasteizinhos de angu caseiros, chinelos, materiais hidráulicos e elétricos, objetos de decoração, antiguidades...

A loja foi criada por Junio Coqueiro, que trabalha há anos como representante de vendas na área de móveis. Em suas viagens por estados do Sul, Sudeste e Bahia, ele vai comprando objetos que lhe chamam a atenção para colocar à venda no armazém. Para cada produto encontrado na loja, há uma história a ser contada.

“Sempre tive a vontade de ter uma venda como antigamente, onde é possível fazer escambo e fugir da tecnologia da modernidade. Prezo muito pelo atendimento, por dar boas-vindas, fazendo um atendimento personalizado”, conta Junio.

A venda se destaca tanto que muita gente se aproxima para descobrir “achados” em meio a tantas e variadas opções. “Tem mães que trazem seus filhos até aqui para mostrar objetos que eles não conhecem, como um moedor de carne ou uma enceradeira”, relata. “O que me move é a oportunidade de bater um bom papo com pessoas inteligentes e com boa vivência”.

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