Logotipo Hoje em Dia

Redação: (31) 3253-2207

Juiz, uma profissão de risco

Giulia Mendes - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
02/03/2015 às 09:06.
Atualizado em 18/11/2021 às 06:12

(Carlos Rhienck/Hoje em Dia)

Neste ano, sete juízes mineiros foram ameaçados e estão sob atenção especial. O atentado ao promotor de Justiça Marcus Vinícius Ribeiro, há pouco mais de uma semana, voltou as atenções para a falta de segurança aos profissionais que atuam contra organizações criminosas em Minas. Desde 2013 à frente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), o desembargador Herbert Carneiro tem como principal bandeira assegurar a proteção de juízes e desembargadores do Estado.

Qual é o cenário em Minas Gerais em termos de vulnerabilidade dos magistrados?

Existe um centro de segurança institucional, mas é uma estrutura ainda bastante acanhada, não cobre o Estado inteiro. Os fóruns de Minas não têm porta com detector de metal, não têm câmera e não têm agente de segurança. No Rio de Janeiro, por exemplo, eu soube que 29 juízes estão ameaçados de morte, e encontram-se fortemente escoltados. É preciso colocar no regime jurídico da magistratura o reconhecimento dessa situação de risco para que os juízes tenham a possibilidade, por exemplo, de um beneficio para comprar um carro blindado, que custa R$ 150 mil. Temos também dificuldade em adquirir arma. Estou nessa batalha, mas mesmo com toda a evolução que estamos tentando fazer, a segurança dos fóruns ainda é precária. Existem fóruns onde o cidadão, se quiser, está livre para cometer o crime. O fórum recém instalado em Santa Luzia não tinha detector até pouco tempo atrás. Graças a Deus não mataram o promotor Marcus Vinícius, mas isso ocorreu porque o cidadão que atirou era inexperiente. Se fosse um dos policiais que assassinaram a juíza Patrícia Acioli, no Rio, teria matado. Há indícios de que policiais e também o juiz estariam na mira dos criminosos que atentaram contra o promotor.

Qual é o maior gargalo do Judiciário em Minas? 

Hoje nós estamos com uma carga excessiva de trabalho e estruturas extremamente precárias, no Brasil como um todo, o que nos levou a um contingente de quase 100 milhões de processos no país. A grande concentração desses processos, 85% está, hoje, com as justiças estaduais. Uma vara cível de Minas Gerais, por exemplo, que trata de problemas de indenização, de patrimônio, coisas do dia a dia do cidadão, recebe uma média de 200 a 300 processos novos por mês para apenas um juiz. Se entram 300 processos, o juiz consegue, com todo o esforço, resolver 150 e os outros 150 passam para o mês seguinte. Então, por mais que se faça, por mais que se aprimore a legislação, nunca se consegue diminuir o número de processos, que é sempre maior do que entra mensalmente em uma unidade. Daqui a cinco ou seis anos, a expectativa é a de que esse contingente no país passe, tranquilamente, da forma que estamos trabalhando, para 120 milhões de processos.

Qual é a solução para que a Justiça fique mais eficiente? 

Temos de investir em estruturas extrajudiciais de solução de problemas. Os juizados foram criados em 1995 para informalizar a Justiça, mas as estruturas também não vieram a contento. A tal da autonomia administrativa e financeira ao Poder Judiciário, prevista na Constituição, ainda não acontece com efetividade, porque ainda há uma concentração de poder do orçamento por parte do Executivo. Temos dificuldades em investir. Os juizados já se burocratizaram tanto quanto a Justiça comum. Hoje, os juizados também já estão sobrecarregados. Muitos problemas que estão no Judiciário ou no juizado especial poderiam ser resolvidos nos Procons, mas o cidadão acha muito mais fácil procurar um juizado de consumo em vez de ir ao Procon da Assembleia Legislativa, por exemplo. 

O papel do Judiciário tem sido mais conciliador?

Em um primeiro momento, não. Precisamos investir para valer em conciliar mais, nos valer mais dessas instâncias de conciliação. Mediar mais é outra maneira de buscar solução de problemas e até mesmo nos valer da arbitragem. No campo criminal, precisamos nos valer da justiça restaurativa, uma experiência bem sucedida nos Estados Unidos. Não adianta ficar apagando incêndio, enxugando gelo na criminalidade. O cidadão comete um crime, o juiz
responde prontamente, prende mal e solta de novo. Pela experiência que tenho de 22 anos como juiz, diante dessa nossa estrutura falida no sistema de justiça penal, nunca vi um cidadão cometer furto duas vezes. Ele comete primeiro o furto, vê que valeu a pena, aí o segundo crime é o roubo e o terceiro, latrocínio. Na quarta vez, ele se associa e vai traficar e matar, porque o sistema de justiça não mostrou para ele outro caminho. É muito preocupante se observarmos sob esse aspecto.

Como o senhor avalia a proposta da Secretaria de Estado de Defesa Social para que delegados possam fazer um “primeiro julgamento” ao receberem uma ocorrência?

Fiz uma visita ao secretário Bernardo Santana para registrar uma preocupação quanto a isso. O delegado recebe um registro, faz o que nós chamamos de termo circunstanciado de ocorrência e encaminha para a Justiça. O delegado não tem autorização para fazer além disso. Não estou tirando o mérito da intenção do secretário, aliás, fui oferecer a uma parceria do Poder Judiciário, mas, ao mesmo tempo, como presidente da associação, vim fazer o registro, porque converso com 700 juízes do Estado diariamente. Quando ele (Bernardo Santana) lançou essa ideia, os juizes entenderam que os delegados iriam exercer a função deles. Precisamos discutir isso. Esses crimes de pequeno potencial ofensivo, cujas penas não são superiores a quatro anos e quando o cidadão não é reincidente, a própria lei faculta ao juiz resolver com essa informalidade, mas não ao delegado. O delegado recebe e passa o registro. O papel dele é simplesmente distinguir se é crime de pequeno potencial ofensivo ou se é de maior potencial ofensivo, instaurar o inquérito e apurar. Não sou contra, mas não se resolve isso dessa forma, isso é ilusão. 

Qual seria o caminho?

Vamos fazer uma parceria, queremos ajuda para reforçar as estruturas do Judiciário, para fazer uma interlocução mais próxima das delegacias. Montar uma estrutura de videoau-diência em tempo real, por exemplo, como era feito antes. Fizemos isso durante oito anos na Vara de Execução em BH. Expedia os ofícios, os alvarás eletronicamente. O problema da superlotação penitenciária talvez seja o mais grave da Secretaria de Estado de Defesa Social. Hoje, essa interlocução entre o sistema que prende e o sistema que tem o processo em mãos não está sendo feita de maneira eficiente. A comunicação não é boa, é feita na base do papel. A ainda não temos um sistema de comunicação informatizado entre a delegacia e o fórum e entre o fórum e o sistema
prisional.

Como está a implantação do processo judicial eletrônico em Minas?

Estaremos preparados, em breve, já com cronograma para 2016 e 2017, para que todas as comarcas estejam informatizadas. Queremos fazer essa conexão o quanto antes. Belo Horizonte já tem todas as varas cíveis informatizas. Agora, é fazer a ligação das demais com o sistema. A Alemanha é um exemplo para nós de um bom funcionamento em processo judicial eletrônico. O cidadão possui o mesmo registro em todos os sistemas do país. Nosso objetivo é concretizar isso em Minas e no Brasil, no menor espaço de tempo possível. Essa interatividade com outros sistemas, principalmente na área criminal, é extremamente importante. Passamos por diversos transtornos pela falta de um processo judicial eletrônico eficiente.

A legislação também precisa ser aperfeiçoada para o melhor funcionamento do Judiciário?

Essa é um das soluções que passam por discussões no Congresso Nacional: melhorar a qualidade da legislação. As legislações penal brasileira e processual penal são da década de 1940. O código de processo penal foi reformado em alguns pontos, mas não deixou de possibilitar ao cidadão cerca de 70recursos. O Mensalão Mineiro, por exemplo, se for julgado pela Justiça comum, vai chegar ao Supremo Tribunal Federal prescrito. A reformulação de
um código não se faz em menos de dez a 15 anos. Teria que haver uma união de esforços para isso. A competência da segurança pública nos estados, que é da União, é um dos pontos que precisamos rediscutir. Quando surge um problema grave em um estado, o governador tem que pedir favor à União. Se não for do mesmo partido, por exemplo, fica uma situação complicada, devendo um favor. Quando, na realidade, essa questão deveria sobrepor a qualquer interesse político. O Congresso Nacional tem que contribuir com isso e colocar projetos de reforma do código em discussão. A Amagis, como braço político do Judiciário, está numa campanha para isso, além de coletar propostas para nosso estatuto da magistratura, um debate interno e externo sobre a nova Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), para encaminhar ao Congresso.
 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por