Justiça suspende licenciamento de barragem em Grão Mogol cem vezes maior que a de Brumadinho

Bruno Inácio
binacio@hojeemdia.com.br
20/01/2020 às 20:30.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:21
 (VALE/DIVULGAÇÃO)

(VALE/DIVULGAÇÃO)

A Justiça Federal em Montes Claros, no Norte de Minas, concedeu liminar que suspende o licenciamento ambiental do "Projeto Bloco 8", megaempreendimento mineral que prevê a produção de mais de 30 milhões de toneladas de minério de ferro em Grão Mogol e Padre Carvalho, na mesma região. Os negócios, que pertencem a subsidiárias de mineradoras chinesas incorporam a produção de três barragens de rejeitos, com capacidade para 2,4 bilhões de metros cúbicos (m³).

A liminar determina que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) suspendam a tramitação do licenciamento ambiental do projeto, já que ele estava ocorrendo de forma fracionada. O questionamento havia sido feito pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pelo Ministério Público Federal (MPF). Os dois órgãos alegam que o fracionamento do licenciamento foi uma manobra das companhias para burlar a legislação e conseguir mais rapidamente a liberação.

A novela envolvendo o "Projeto Bloco 8" se arrasta há mais de dez anos. Antes chamado de "Salinas" e "Vale do Rio Pardo", o projeto pertence à Sul Americana de Metais (SAM) ), subsidiária da chinesa Honbridge Holdings. Desde 2010, a SAM tenta o licenciamento do empreendimento, que prevê a instalação de mina e barragens de rejeito na cidade mineira, além da construção de um mineroduto atravessando o Norte do Estado, até Ilhéus, na Bahia. A barragem superaria em tamanho a de Mariana e a de Brumadinho, considerada a maior do país.Vale/DivulgaçãoProjeto em Grão Mogol resultaria em barragens muito maiores que as da Vale em outros municípios de Minas

Por contemplar o mineroduto Minas-Bahia, envolvendo dois estados, o primeiro pedido de licenciamento do complexo minerário foi apresentado ao Ibama, em 2010. MPMG e MPF defendem que este pedido inicial seja levado em consideração, para que o licenciamento leve em conta impactos globais do projeto, tanto em Minas quanto na Bahia. Em 2016, o Ibama negou duas vezes pedidos de licenciamento.

Contudo, em 2017 mineradora entrou com um pedido de licenciamento fracionado do Bloco 8, pedindo a liberação do mineroduto no Ibama e da mina em solo mineiro na Semad, que é um órgão Estadual. Naquela época, o Ibama negou o pedido, dizendo que não poderia haver fracionamento indevido do processo.

Agora, porém, a SAM tentou um novo artifício. Desde abril de 2018, a mineradora pede o licenciamento do complexo minerário em Minas. Ao mesmo tempo, criou uma outra empresa, a Lótus Logística, que tenta o licenciamento do mineroduto em separado. Para o MPMG, uma manobra para burlar os entraves legais do empreendimento como um todo.

Medo

Moradores de Grão Mogol, ambientalistas e até historiadores são contra a instalação do Projeto Bloco 8 na cidade. Além de usar a água limpa do município, o empreendimento comprometeria o bioma natural do município. O maior medo é que a história de Mariana e Brumadinho se repita. 

“Essas barragens trazem riscos não só para o meio ambiente da cidade, mas também para os moradores. Esse projeto foi formatado há dez anos, sem mensurar os danos causados a todos que vivem e dependem daquela água. A proposta deles é que os rejeitos sejam levados (pelo rios de Grão Mogol e Padre Carvalho) até Ilhéus, imagina a quantidade de água que vão gastar”, afirma Ivana Parrela, historiadora e professora da UFMG. 

Segundo ela, estudos realizados pela universidade comprovam que o solo do Norte de Minas não comporta uma barragem desse tipo, uma vez que o terreno é assoreado e com pouca chuva, o empreendimento se romperia, causando tragédias ainda maiores. 

A previsão divulgada pelos empreendedores é que seriam produzidos anualmente 30 milhões de toneladas de resíduos. Com isso, e por se tratar de minério com baixo teor de ferro (20%), haveria a remoção de milhões de toneladas de material estéril, sem valor comercial, que seriam depositados em três reservatórios. 

O maior deles, na cabeceira do córrego Lamarão, teria capacidade para 1,3 bilhão de metros cúbicos de rejeitos. Os outros dois teriam 524 milhões de m³ e 168 milhões de m³, totalizando 2,4 bilhões de m³. 

Para se ter ideia do gigantismo das estruturas, a barragem da Vale na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), tinha capacidade para armazenar 12 milhões de metros cúbicos, e a barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana (MG), cerca de 56 milhões de metros cúbicos de rejeitos.

Barrado

Ao conceder a liminar pedido pelo MPF e pelo MPMG, a Justiça Federal entendeu que o próprio Ibama já tinha decidido por ser inviável a construção do megaempreendimento no Norte de Minas, quando analisou em conjunto a mina e o mineroduto. A decisão não entrou no mérito da viabilidade dos projetos, ou seja, o magistrado não avaliou se os empreendimentos devem ser analisados em separados ou não.

Além disso, ficou determinado que deve haver conciliação entre as partes e que o processo deve ficar parado até que a Justiça determine, em definitivo, como deve ser o processo de licenciamento. Não há prazo para que isso ocorra.

A SAM defendeu o licenciamento, mas disse que ainda não foi notificada pela Justiça. A empresa diz que o processo obedece as normas da legislação e que ocorre dentro da legalidade.

"Essa decisão está restrita à discussão de competência administrativa do licenciamento, ou seja, a qual órgão vai licenciar o empreendimento. Não discute a viabilidade do projeto", diz nota enviada ao Hoje em Dia.

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