Mais do que um (mau) hábito, fazer tudo na última hora pode ser efeito de distúrbio

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.com.br
30/08/2018 às 11:05.
Atualizado em 10/11/2021 às 02:11
 (Editoria de Arte)

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Lucas Prates

INIMIGA DO RELÓGIO – Carolina Peixoto é uma procrastinadora assumida: “sempre reconheci essa característica como um defeito”

Deixar a louça do jantar para o dia seguinte, o início da dieta para segunda-feira ou a conclusão de um relatório cansativo, mas importante, para amanhã são situações comuns na rotina de muita gente, afinal, nem sempre é possível seguir à risca o “não deixe para depois o que se pode fazer agora”. O que pouca gente sabe é que empurrar compromissos com a barriga pode significar mais do que um hábito ruim e revelar um distúrbio comportamental: a procrastinação crônica.

A medida entre um extremo e outro está não só no tipo de atividade deixada para depois, mas nas conse-quências geradas pelo adiamento delas nas relações pessoais, no trabalho e até na saúde do próprio protelador. “Prejudica o desempenho de forma constante e gera estresse, ansiedade e culpa”, afirma o psicólogo Renet Silva de Morais Viana, do Hospital Espírita André Luiz (Heal), em Belo Horizonte.

Famosa pelo atraso

É exatamente assim que se sente a advogada Carolina Furtunato Peixoto, de 35 anos. Procrastinadora assumida, é conhecida entre os amigos justamente por travar verdadeira briga com o relógio. “Sinto-me descompromissada com horários. Penso que vai dar tempo e nunca dá”, reconhece, revelando que, muitas vezes, sente culpa e fica constantemente estressada com a rotina que ela mesma criou.

“O João (filho, de 8 anos) sai da escola às 18h10, mas só chego 30, 40 minutos depois. Se marco uma consulta às 16h, chego meia hora atrasada. Sabendo desse problema, que considero um defeito, tento me policiar para não prejudicar o trabalho”, diz, confidenciando a tática que criou para não perder audiências. 

“Se está marcada para 8h, coloco na minha cabeça que é 7h, assim, já prevendo o atraso, consigo chegar na hora certa”.

Controlar o tempo 

Psicóloga especialista em terapia positiva e comportamental, Daniela Queiroz explica que a sensação de conseguir controlar o tempo é um dos pilares mais comuns na procrastinação tida como patológica. “A pessoa acha realmente que tem domínio, que consegue controlá-lo, como se pudesse segurar uma ampulheta na mão. Mas não é assim que funciona”, diz.

De acordo com a profissional, embora tenham consciência dos gatilhos que desencadeiam o problema, procrastinadores dificilmente tomam atitudes sem que percebam prejuízos da conduta crônica no dia a dia. “Muitas vezes, só percebem que não dão mais conta quando aquilo impactou de tal forma na família, num compromisso importante ou até no emprego. Aí sim buscam ajuda”, comenta. 

Mil sonecas

A médica Ana Luiza Pereira, de 33 anos, também cultiva o hábito de adiar as coisas o máximo que pode, principalmente quando o assunto é sair da cama. “São mil sonecas, todos os dias. E, mais do que soneca, são despertadores em horários diferentes, às 6h, 6h15, 6h25 e assim por diante. Para se ter uma ideia, quando o plantão é às 7h, mesmo morando a dez minutos do hospital, chego atrasada”, relata.

Ela também perde voos, vira a madrugada estudando quando tem prova importante, já que deixou para revisar o conteúdo um dia antes do compromisso, e só entrega a declaração do Imposto de Renda no último dia. “Sempre digo que não farei de novo, e quando vejo...”, lamenta. 

Para o psicólogo do Heal, Renet Viana, má gestão do tempo, dificuldade de concentração, pensamentos disfuncionais a respeito de si mesmo e até falta de energia e de motivação são outros motivos comuns que desencadeiam a procrastinação crônica. 

 Estipular prazo e evitar distrações, dicas para andar na linha

Definir objetivos e traçar metas e prazos são apenas dois mecanismos que podem ser usados no dia a dia por pessoas que costumam adiar tudo a todo tempo. Evitar distrações e desligar gatilhos já detectados são outras ferramentas importantes e que devem ser consideradas, recomendam psicólogos e psiquiatras. 

“Nós construímos nosso tempo conforme nossas prioridades. O desafio é estabelecê-las, pois quando não se sabe quais são nem para onde se quer ir, qualquer caminho serve”, enfatiza a psicóloga Patrícia Duarte D’Assunção, do Hospital Espírita André Luiz (Heal), em Belo Horizonte. 

Psiquiatra e terapeuta cognitiv0-comportamental, Rodrigo Ferreira diz que é importante também fazer uma reprogramação cerebral para que a pessoa aprenda a priorizar o ganho de longo prazo em detrimento de um possível desconforto imediato. 

“Assim, a pessoa é levada a executar atividades que inicialmente poderiam ser desconfortáveis, como começar uma dieta ou se matricular na academia, mas que, depois, trarão uma sensação de satisfação muito grande”, explica.

Os especialistas explicam que, enquanto procrastina, a pessoa vai se tornando estressada a partir da sensação de culpa. Surgem, então, perda de produtividade e sentimento de vergonha por não ser capaz de cumprir com compromissos e, consequentemente, baixa produtividade e motivação. 

Além disso:

Psicóloga especialista em gestão estratégica de RH, responsável pelo Departamento de Recursos Humanos do Hospital Espírita André Luiz (HEAL), em Belo Horizonte, Patrícia Duarte D´Assunção categoriza a procrastinação crônica em três níveis:

– Natural: considerada aceitável, é aquela que não atrapalha a relação da pessoa consigo mesma nem com o outro.

– Problemática: decorrente do comodismo, da dependência, da imaturidade e do pensamento recorrente de “vou deixar de fazer para que o outro faça”.

– Patológica: desencadeada pelo medo de falhar, que impede a pessoa de fazer algo devido ao medo de receber uma crítica ou do sentimento de culpa, paralisante, frente a um desafio.

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